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4.2 Análise das entrevistas

4.2.5 Categoria 5: Bens são mecanismos para prestação de serviços

Nesta categoria de análise buscou-se entender que os bens materiais (bens e mercadorias) são, na verdade, um meio para a prestação dos serviços. Os autores entendem que os bens funcionaram como o grande “denominador” das trocas até a época da revolução industrial (VARGO; LUSCH, 2004).

Atualmente o “denominador” passou a ser a aplicação de conhecimento específico (conforme citado em outra categoria analisada) para atender as demandas e necessidades específicas de cada cliente. (VARGO; LUSCH, 2004).

Os autores argumentam que quando as pessoas compram bens por que possuindo-os, mostrando e experimentando esses bens proporciona “sensações” que vão além daquelas associadas à função básica do produto. É possível identificar isso no trecho da entrevistada 8, ao tecer comentários sobre sua “varanda gourmet”:

O mais legal da nossa varanda gourmet é receber amigos e familiares. Por que, você sabe né? Nós adoramos abrir nossa casa e receber as pessoas aqui. A gente adora fazer rodada de pizza e usar nosso forno à lenha... dá uma cara de chef sabe? (Risos). E a gente gosta muito de fazer churrasco aos domingos e feriados, por que assim podemos reunir nossa família e estar sempre perto de quem gostamos. (Entrevistada 8).

No trecho acima, é possível perceber que mais importante do que a alimentação proporcionada pelo forno a lenha e churrasqueira entregues na varanda gourmet, é a “ sensação de ser chef” que proporciona mais satisfação para ela. Além do forno, a entrevistada se refere à churrasqueira como uma “ferramenta” para conseguir reunir a família.

Em outro trecho da entrevista 4, é importante notar uma satisfação que também vai além do atributo funcional do imóvel, que seria “somente” a acomodação com conforto e segurança. Em determinado momento, a entrevistada ficou emocionada ao comentar do momento em que conseguiu concluir a compra do imóvel e o significado disso para ela:

Ah, foi uma satisfação. Assim, eu num, num... é... foi assim, uma vitória, né, nossa]. Porque a gente tav-... a gente almejava muito, a gente queria muito, a gente num apartamento, 2 quartos, depois de morar numa casa enorme... e assim, enorme, mas... não era enorme, mas era uma casa muito boa . Igual eu tô te falando, num condomínio top, e aí nós voltamo pra dentro d'um apartamento, sentimos assim, engaiolados. Então quando nós fomos pra casa, foi assim, uma satisfação. Até porque era uma conquista também, né. Foi um... de anos, de luta, foi, foi... fora da famí-, longe da família pra juntar o dinheiro, pra poder com-...]. Muitos anos longe, foi muito difícil pra gente poder ir pegar o dinheiro assim, que nós juntamos e poder comprar, né. Foi uma satisfação muito grande. Foi... e, e nós estamos realizados ali. Assim, a gente se sente muita... muito prazer em morar ali. A casa é muito boa e assim, a gente, é... o nosso filho tem uma qualidade de vida ali que ele talvez num tivesse em outro lugar. (Entrevistada 4).

Assim, “possuir e expor” os bens e mercadorias proporciona sensações e satisfação que vão além daqueles proporcionados pelo bem em si (VARGO; LUSCH, 2004). Ou seja, para a entrevistada acima, o fato de possuir uma moradia de alto padrão vai muito além do que a segurança física, o conforto e o bem-estar. Isso traz para ela a sensação de vitória, o significado de ter conseguido vencer essa etapa, e isso ficou evidente quando se emocionou ao relembrar esse momento.

Nesse sentido, o imóvel (produto em si) foi apenas uma forma de possibilitar experimentar sensações e sentimentos que em nada estão ligados às sensações de moradia, confirmando a ideia teorizada de que os produtos são mecanismos ou forma de provisionar serviços (nesse caso, benefício de bem-estar).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo teve como objetivo compreender de que forma a orientação dominante de serviços pode ser aplicada no marketing de relacionamento de incorporadoras e construtoras. Foi realizada uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório descritivo, buscando investigar o relacionamento e a interação entre clientes e empresas do mercado imobiliário (incorporadoras e construtoras). Além disso, buscou-se entender também de que forma e se a orientação focada em serviços poderia ser aplicada nesse relacionamento nos momentos de pré-compra, durante a obra e ainda no serviço de pós-obra.

Para o embasamento teórico do presente trabalho, foram citados conceitos centrais do marketing de relacionamento e do marketing de maneira ampla e de forma detalhada a orientação da Lógica Dominante em Serviços. Através do levantamento bibliográfico, verificou-se que há pouca literatura sobre o tema do marketing imobiliário, principalmente de marketing de relacionamento no setor imobiliário e sua interação e/ou orientação da Lógica Dominante em Serviços quase não é citada. É importante destacar a inadequação da aplicação da teoria da Gestão de Marketing, fundada principalmente nos famosos 4 P’s, após a análise do trabalho de campo realizado. Verificou-se, conforme será explicitado abaixo, a possibilidade de aplicação da Lógica Dominante em Serviços no marketing de relacionamento das incorporadoras.

Insta salientar, ainda, que o foco do presente estudo não foi o de avaliar o potencial da Lógica Dominante em Serviços em impactar (positiva ou negativamente) a percepção de valor dos clientes, tampouco de afirmar a aplicabilidade dessa filosofia como geradora de satisfação. O escopo do trabalho foi o de demonstrar e analisar principais pontos e indícios da aplicabilidade Lógica Dominante em Serviços no marketing de relacionamento no mercado imobiliário.

As evidências, indícios e pressupostos de que há possibilidade de aplicabilidade da Lógica Dominante em Serviços no meio imobiliário se dá em função das análises de resultados deste estudo. As categorias encontradas abarcam todas as premissas elencadas por Vargo e Lusch (2004) e demonstram a aplicabilidade de cada uma dessas premissas em diferentes etapas do

relacionamento das incorporadoras com seus clientes. Essas evidências foram encontradas no momento da pré-compra, durante a fase de obras e principalmente no pós-obras, ou seja, durante todo o ciclo de relacionamento das incorporadoras.

Ao analisar o conteúdo das entrevistas, foi possível constatar que 100% dos entrevistados citaram a palavra “localização” quando questionados de que forma chegaram e o motivo que levaram a procurarem a incorporadora na qual adquiriram seu imóvel. Nesse sentido, quando questionados o que eles se referiam como localização, todos citavam as “facilidades” presentes no entorno do imóvel, tais como e não se limitando a: escolas, supermercados, academias, clínicas, salões de beleza, escolas de idiomas, bares e restaurantes etc. Essas afirmações corroboram a afirmação de Vargo e Lusch (2004) quando afirmam que as pessoas não compram os produtos em si, mas os benefícios que esses produtos proporcionam.

Nesse sentido, trazendo para o cenário imobiliário, ao afirmarem a importância da localização para a decisão de procurar mais informações sobre o imóvel em questão, os entrevistados demonstram que sua moradia não pode atender somente à sua função básica, mas precisa também aliar os benefícios que atendam às necessidades específicas de cada usuário. Portanto, ainda que a incorporadora não tenha poder de atuação na qualidade dos serviços prestados no entorno, é de suma importância que esse quesito seja avaliado antes do lançamento do empreendimento e até mesmo da aquisição do terreno, uma vez que 100% dos entrevistados avaliam essas facilidades vizinhas.

A premissa sugerida por Vargo e Lusch (2004) de que a aplicação de habilidades e conhecimentos específicos são a fundamental unidade de troca e geradora de vantagem competitiva pôde ser observada em diversos trechos da análise de conteúdo. Conforme transcrito no capítulo correspondente, os entrevistados afirmaram que se sentem seguros e amparados quando a empresa atende de forma satisfatória as dúvidas técnicas e intercorrências e/ou problemas advindos da obra.

Ainda nesse sentido, a premissa de que essas habilidades e conhecimentos específicos são fonte de vantagem competitiva pôde ser observada em 70% das entrevistas, pois esses entrevistados afirmaram que consideram um diferencial a empresa não abandonar o cliente. Dessa forma, resta clara a compatibilidade dessa premissa afirmada por Vargo e Lusch (2004) com o marketing de relacionamento das incorporadoras.

Já a premissa de que todos os negócios são negócios de serviços foi verificada também nos relatos dos entrevistados, onde em diversos trechos novamente o item localização e segurança foram mencionados na escolha do condomínio. Dessa forma, foi possível concluir, com base nessas entrevistas, que mesmo as incorporadoras e loteadoras precisam se adequar e ajustar quando à segurança e conforto para os usuários, e não somente com a unidade imobiliária propriamente dita. Ou seja, os serviços também estão sendo avaliados na decisão final de compra e, portanto, mais uma premissa dos autores foi observada no mercado imobiliário.

A premissa dos autores que defende a posição do cliente como um coprodutor de valor e que a empresa pode fazer apenas a proposição de valor também foi identificada em diversos trechos dos entrevistados. Dos 10 entrevistados, 8 compraram o imóvel na planta (antes de ser construído) e desses 8, 100% deles afirmaram que a possibilidade de customização dos acabamentos e possibilidade de alteração da planta arquitetônica (dimensão e disposição dos cômodos) foram muito importantes para a escolha do imóvel. Dessa forma, fica caracterizada, através dos relatos, a importância de que o cliente seja visto como um coconstrutor de valor e que também caberá somente a ele a percepção de valor do produto/serviço, sendo possível que a empresa faça apenas uma proposição de valor.

Uma outra premissa também identificada nas entrevistas é de que a empresa deve ser orientada para o cliente e ser relacional. Essa premissa foi observada pela tolerância com que os entrevistados falavam acerca dos defeitos e vícios de construção. Explicando de forma mais clara, eles demonstraram uma “tolerância” ao erro de construção, porém “intolerância” a um serviço não atendido. Portanto, mesmo no mercado imobiliário, percebe-se que a parte relacional com o cliente precisa ser levada tão (ou até mesmo mais) a sério pelas empresas do que simplesmente a observância das normas técnicas de construção.

Essa premissa fica ainda mais evidente ao considerar que 80% dos entrevistados afirmaram ser normal “defeitos” de obra e que isso por si só não afetaram a satisfação ou insatisfação em relação ao imóvel. Ou seja, a parte relacional precisa ser muito bem trabalhada, pois o lado técnico “permite” e são até esperados erros e intercorrências. Ressalta-se novamente que o objetivo deste

estudo não é analisar a satisfação, mas sim, demonstrar a aplicabilidade de Lógica Dominante em Serviços no mercado imobiliário.

Por fim, a última premissa defendida é a de que produtos são forma de provisionar serviços. Isso ficou claro quando os entrevistados afirmaram que os benefícios adicionais e significados do imóvel são também fonte de satisfação. Dessa forma, os serviços aqui entendidos são os benefícios que o produto gera para o usuário final. Nesse caso, esses benefícios são “reunir a família” e a “satisfação pessoal”, por exemplo, demonstrando que o imóvel (produto) é só uma forma de provisionar serviços (satisfação pessoal).

O presente trabalho analisou detalhadamente todas as premissas fundamentais elencadas por Vargo e Lusch ( 2004) e identificou a aplicabilidade da orientação da lógica dominante em serviços no mercado imobiliário. Como se não bastasse todas as premissas serem aplicáveis, as palavras-chave da Lógica Dominante em Serviços são: interatividade, integração, customização e coprodução (VARGO; LUSCH, 2004). Em diversos trechos das entrevistas, essas palavras apareciam no diálogo com o pesquisador, tanto nos momentos de pré e durante a obra, quanto no pós-obra, evidenciando, novamente, a aplicabilidade dessa orientação no mercado de imóveis.