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A quebra de paradigma dos 4 P’s, citada anteriormente ganhou força com a visão trazida por Vargo e Lusch (2004) de que não são os bens tangíveis que são transacionados, mas sim os intangíveis, ou seja, o serviço é que são o real “motivo” das transações analisadas e estudadas pelo marketing. Ocorre a migração do marketing transacional para uma orientação de marketing relacional. O interessante dessa visão é que isso é aplicado a todos os tipos de negócios, independentemente se são empresas prestadoras de serviço ou não. Para os autores citados, tudo é serviço.

O artigo seminal de Vargo e Lusch (2004) traz uma nova visão de marketing, numa complexidade de mercado em que o composto de marketing (4 P’s) não

consegue mais ser aplicado e/ou explicar determinados comportamentos mercadológicos e até mesmo da natureza de alguns negócios.

A visão do mercado era voltada para bens, ainda reflexo da revolução industrial. A lógica para produtos manufaturados era de que o propósito da atividade econômica era distribuir bens que deveriam ser vendidos, com alguma utilidade e valor durante a sua produção. Todo esse processo, alinhado ao processo de distribuição, precisava oferecer um valor superior ao de concorrentes. A empresa tomava suas decisões baseada na maximização do lucro das unidades vendidas, onde predominava a lógica da eficiência, do controle de qualidade e de padronização da produção e não havia “comunicação” com o mercado e nem com os clientes (VARGO; LUSCH, 2004).

Por outro lado, a visão centrada nos serviços (denominada de Service

Dominant Logic e abreviada simplesmente como S-D Logic) passa a ser de que

competências, conhecimento e habilidades é que são a verdadeira fonte de vantagem competitiva. O relacionamento com o cliente, baseado nessas habilidades e conhecimentos específicos da empresa, é capaz de personificar os produtos e ou serviços, e são os próprios clientes que os identificam como sendo capazes de satisfazer suas necessidades e desejos (VARGO; LUSCH, 2004).

Essa nova forma de enxergar o marketing e até as organizações em si significa muito mais do que simplesmente uma orientação para clientes. Essa nova forma de enxergar o mercado significa uma colaboração e um aprendizado com os clientes, sendo adaptável às suas necessidades individuais e dinâmicas (DAY, 1994). Diversas empresas de sucesso estão migrando da filosofia do “produzir e vender” para a estratégia do “sentir e responder” (HAECKEL, 1999). É assim também o pensamento de outros autores, sugerindo que as “melhores” empresas são aquelas que mais rapidamente aprendem de forma mais rápida, num ambiente dinâmico e competitivo (DICKSON, 1992).

Os consumidores, na maioria das vezes, compram bens para mostrá-los a seus pares e para experimentar as sensações de possuí-lo. Essas sensações são superiores àquelas associadas às funções básicas do produto em si. Possuir um carro esportivo na garagem, mostrar para outras pessoas e experimentar a sensação de orgulho em poder ter um carro esportivo, pode conferir mais prazer para o dono do que o prazer gerado pela função básica do carro, que é o transporte em si (VARGO; LUSCH, 2004).

2.8.1 A Lógica Dominante em Serviços no mercado imobiliário

A visão da Lógica Dominante em Serviços parte do pressuposto de que o foco não deve estar ligado apenas no produto e nos outros 3 P’s (praça, promoção e preço), mas em entender melhor as necessidades dos clientes e satisfazê-los através dos serviços prestados.

A visão centrada em serviço ainda é pouco utilizada no mercado de imóveis. O foco das construtoras e das incorporadoras ainda está muito voltado para o desenvolvimento do produto, em aprimorá-lo aos olhos da engenharia. Porém, esse aprimoramento pode estar distante das reais necessidades dos consumidores. Dessa forma, é uma visão míope e disfuncional, uma vez que os clientes demandam mais do que produtos: demandam a satisfação das necessidades que os produtos representam para eles.

O aprimoramento de produto é tipicamente feito com a lógica de bens, e não de serviços. Na visão da Lógica Dominante em Serviços, o produtor (incorporador e/ou construtor) precisa ser visto como parceiros dos clientes, sendo esses últimos coprodutores de valor (VARGO; LUSCH, 2004). Esse entendimento faz muito sentido no mercado de imóveis. Se o cliente final, usuário do imóvel, após a entrega das chaves é quem vai de fato usar e gozar do imóvel e de todas as sensações que esse lhe proporciona, nada mais adequado que o próprio cliente participe do processo de construção de valor junto com o incorporador.

A ideia de colocar o consumidor e/ou cliente no centro da produção de valor parte da premissa de que como ele é quem usufruirá e formará a percepção de valor (alta ou baixa), desenvolver projetos e/ou empreendimentos com base em melhorias somente na arquitetura e/ou engenharia do produto não faz sentido.

Na lógica de mercado voltada para bens tangíveis, com a perspectiva ainda fruto da economia da manufatura, o cliente final e o incorporador são vistos como agentes distintos e são tratados separadamente. Já na Lógica Dominante em Serviços, o conceito de valor do produto está altamente ligado e focado num processo contínuo, sempre envolvendo o cliente na construção de valor do produto. Mesmo na lógica de bens, a produção não finaliza quando o produto é finalmente manufaturado, a manufatura é um processo intermediário (VARGO; LUSCH, 2004). Essa lógica pode muito bem ser entendida no mercado imobiliário, uma vez que o

processo de percepção de valor do produto imobiliário tem início ainda antes da compra e vai muito além do momento da entrega das chaves.

O cliente ainda precisa “aprender” a usar o imóvel, a fazer a sua manutenção e reparos de desgaste natural e ainda a se adaptar ao novo local de moradia. É nesse momento que o cliente começa a “viver” o imóvel comprado e passa a avaliar se atende suas necessidades particulares, ou seja, durante o uso o cliente continua o processo de consumo (uso do imóvel) e da criação de valor (VARGO; LUSCH, 2004). Assim também é o entendimento de outro autor:

Valor para clientes é criado ao longo de um relacionamento com cliente, baseado em interações entre o cliente e o prestador de serviço ou fornecedor. O foco não é no produto, mas sim no processo de criação de valor, onde a criação de valor emerge dos próprios clientes e pela percepção deles. O foco do marketing é a criação de valor e não a distribuição de valor, é a facilitação e suporte na criação de valor e não a simples distribuição de “valor pronto” para os clientes. (GRÖNROOS, 2000, p. 24-25).

A lógica dominante em serviços também possui uma outra forma de enxergar o lucro e o sucesso financeiro do empreendimento, ao defender que a receita advém de satisfação de clientes e não de unidades vendidas (KOHLI; JAWORSKI, 1990). De maneira geral, os consumidores não precisam de produtos ou bens, eles precisam de “conforto” mental para o próprio benefício, ou seja, eles precisam de serviços de satisfaçam suas necessidades (GUMMESSON, 1995).

A grande mudança de paradigma que precisa ser vencida dentro do mercado imobiliário é justamente a lógica da perspectiva, ao passar de bens tangíveis para serviços. Na lógica antiga, o valor dos imóveis estaria ligado a qualidades de produção e materiais empregados em si, no consumo do produto (moradia) e na padronização dos imóveis (ZEITHAML; PARASURAMAN; BERRY, 1985). Já no enxergar da Lógica Dominante em Serviços, o incorporador precisa reconhecer que o cliente é sempre um coconstrutor e se esforçar ao máximo para garantir um maior envolvimento com o cliente, no sentido de personificar o imóvel para que ele se encaixe melhor nas suas necessidades.

A razão para essa distinção da lógica de mercadorias para a de serviços entende que todas as economias são economias de serviço e que todos os negócios são negócios de serviços (VARGO; LUSCH, 2008). Portanto, a incorporação imobiliária precisa ser enxergada também como serviço, uma vez que os clientes

não desejam o produto imobiliário em si, mas sim satisfazer as suas necessidades de bem-estar em sua moradia. A adaptação ao novo ambiente, ao novo local e novo lar, faz parte da geração de valor para o usuário do imóvel. Além disso, a percepção de valor continuará a ser construída ao longo dos anos em que o cliente for morar no empreendimento entregue. Nesse percurso, haverá necessidades de manutenção e reparos nos quais o cliente precisa de auxílio.

Ainda nesse sentido, a inovação no mercado imobiliário não deve ser vista como empreendimentos imobiliários que são entregues e vendidos rapidamente ou com inovações em seus ambientes, mas sim em como as incorporadoras e construtoras podem servir melhor seus clientes. A Lógica Dominante em Serviços é nitidamente muito mais uma criação de valor para o adquirente do que uma melhoria na produção imobiliária (VARGO; LUSCH, 2008).