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4.2 Análise das entrevistas

4.2.3 Categoria 3: O cliente como coprodutor e a proposição de valor

Nesta categoria de análise compreende-se as premissas de que o cliente é sempre um coprodutor e a visão de que os negócios conseguem tão e somente fazer a “proposição de valor”, mas cabendo sempre ao cliente ou usuário final do serviço o papel de “perceber” ou não o valor.

A ideia central dessa premissa é a de que o “valor” percebido pelo cliente é criado através de um relacionamento entre o próprio cliente e o provedor do serviço. É o cliente quem determina “valor” e deve sempre participar do processo de produção, agindo como um coprodutor da firma (VARGO; LUSCH, 2004).

Os autores argumentam nessa premissa que o consumidor deve ser o “ponto focal” do marketing, sendo que só é possível a criação de valor quando o serviço ou produto é de fato consumido ou prestado. O produto que não tenha sido vendido ou um serviço ainda não prestado não consegue gerar nenhum tipo de valor. É justamente por isso que o artigo defende que as empresas podem “apenas fazer uma proposição de valor”. A percepção só é possível na prestação do serviço e/ou na utilização do produto (VARGO; LUSCH, 2004).

Uma outra ideia com mudança de paradigma é a construção do produto e/ou a prestação do serviço em si. No modelo tradicional, voltado para bens e mercadorias, produtores e consumidores são considerados como “partes” independentes e analisados de forma separada, com o intuito de melhorar a eficiência operacional (VARGO; LUSCH, 2004).

Já na orientação de serviços, o consumidor é sempre visto como um coprodutor de valor e sempre deve ser envolvido no processo de criação de valor. E mesmo em se tratando de produtos “tangíveis”, como bens e/ou mercadorias, a “produção” não se encerra no processo de manufatura. A produção é um processo intermediário. Em resumo, na utilização do produto é que será gerada a percepção de valor (VARGO; LUSCH, 2004).

Alguns trechos, destacados abaixo, demonstram a importância desse processo de cocriação de valor possibilitado por algumas incorporadoras:

Eu fiquei muito satisfeita, porque assim, é... a gente... é o ABC, né? Então assim, toda vez a T. marcava com a gente, ela tava lá esperando, a gente chegava, entendeu?. Porque a gente trocou muita coisa. Então, assim, a torneira. A torneira. É, aí vocês entregam de um jeito, a gente quis de outro, entendeu?.

Um designer diferente, a gente queria investir nisso. Então

a gente cabô trocano por uns produtos melhores, umas qualidades um pouco melhores, né, assim, um designer mais diferenciado, né? Porque é uma coisa que a gente vai manter pra vida inteira, é. Aí a gente trocou, é, a maçaneta, trocamos, é, pi-, o piso não, né? Trocamos maçaneta, trocamos da porta, trocamos as torneiras. É, isso. Trocamos os revestimentos do banheiro também, aqueles revestimentos, né? Aqueles negócio. É, troc-, aí fizemo, é a parte de, é, da... da entrada da casa. Esse revestimento ali, da... A gente fez o revestimento. A gente colocou... a gente colocou revestimento diferente da entrada da casa.. Foi diferente do que era da, da JTL. A gente colocou essa... na coluna, ali, aquele revestimento. (Entrevistada 5).

A entrevistada 5 deixou claro na sua fala que queria um “design diferente” do que era estabelecido no memorial descritivo de acabamentos da incorporadora. E isso é a caracterização da coconstrução de valor com o cliente. O foco aqui não é registrar a importância da interação como algo relacional, mas sim enxergar que a entrevistada percebia valor em determinado item que não seria entregue pela incorporadora. A possibilidade de customização e personalização foi fundamental para que a entrevistada pudesse construir sua percepção de valor juntamente com a incorporadora.

Em outros momentos da mesma entrevistada, ainda é possível perceber a sua percepção de valor em itens diferentes da proposta de valor da incorporadora:

Isso foi importante. Isso pesa. Muito muito. Muito, muito. Porque assim, por exemplo, cê... Porque cê vai colocar a casa do jeito que você quer. Porque nem sempre do jeito que você tá fazendo é o jeito que eu vou querer .Cê entendeu? Por exemplo, cê vai entregar uma casa ali. A cor às vezes eu não vou gostar, o acabamento que você colocou às vezes eu não vou agradar, vou querer um design diferente, entendeu? É... o tipo da escada. "Ah, ô Lucas, pode fazer tal jeito, tal?". Cê às vezes cê entrega de um jeito, eu quero de madeira... a cor da madeira diferente, entendeu? E as torneiras diferentes, o piso às vezes... igual o piso. A gente foi escolher também, porque eu acho que tinha opções de cores de piso. Tinha opções de pastilha de banheiro diferentes. Às vezes cê vai colocar um bege, eu vou querer... igual do meu menino aqui, tem azul turquesa. Tem uma... um pedaço de pastilhas ali, azuis. Branco com azul. Porque eu acho interessante, ele é criança. Eu acho legal você colocar uma pastilha diferente. Igual da minha menina, é preto. Às vezes cê vai colocar uma pastilha diferente que eu num... entendeu? Nem sempre o gosto é do mesmo jeito. Eu acho muito importante isso no início.. Porque aí a

casa fica mais a cara do... do freguês, vamo falar.

Entendeu? (Entrevistada 5, grifo nosso).

E ainda no mesmo sentido, é possível identificar outro trecho da importância da coconstrução, de acordo com o entrevistado 6:

Assim, eu vinha muito na obra e, e quando chegava o, o, os trechos, né, o... as partes da obra, o J. falava assim: “cê quer alguma modificação?” E ele me dava o que que... o pre-, por exemplo, o piso. Ele... a J. falava: “ah, eu quero o piso tal”. A gente ia na loja, olhava o preço do piso que ele ia colocar e o preço do peso que a gente ia pôr. E essa diferença creditava ou debitava. (Entrevistado 6).

O mesmo entrevistado, num outro momento, também volta a afirmar a importância da possibilidade de customização, evidenciando outra vez a filosofia da coconstrução de valor:

Ah, eu acho que é essencial. Essencial, porque a casa fica sua. A casa fica sua. Cê... apesar de ser uma casa que cê comprou com um projeto que voc-... que não desenvolveu pra você, você modificando algumas coisas a casa leva o seu jeito, né. É, apesar d’eu não ter participado... Muito pouco. A J. que participou mais. (Entrevistado 6, grifo nosso).

É possível notar na fala do entrevistado 6 a importância dada na possibilidade de modificação, para que o imóvel ficasse conforme o gosto deles. Dessa forma, evidencia-se mais uma vez a diferença na proposição de valor da incorporadora em determinado item e a real percepção de valor desse mesmo item na visão do cliente. A satisfação da customização emerge da possibilidade de escolher exatamente o item que o usuário percebe valor, e não somente a proposta de valor da empresa.

O trecho de outro entrevistado também permite entender a importância de identificar a diferença na proposição de valor da incorporadora com a percepção de valor do cliente:

Na verdade ele, mostrando a casa, comentou que por cima da área gourmet era uma laje que pro futuro se eu quisesse eu poderia fazer um, um cômodo. Aí eu falei pra ele na hora: "Não, mas eu tô jus-... eu estou exatamen-, uma das coisas que eu estou olhando é a possibilidade de aumentar". Porque sem esse outro cômodo eu não mudaria, entendeu, Lucas? Não sairia do apartamento, porque eu ia tá trocando mais ou menos seis por meia dúzia. Eu queria era o espaço a mais. Então quando ele me mostrou essa possibilidade de fazer sem maiores, é... consequências, quanto mais sendo pra dentro da casa, entendeu? Num era nem no quintal. A gente fez pra dentro, ou seja, aí foi o melhor dos mundos, né. Isso foi pra mim foi decisivo mesmo. (Entrevistado 7, grifos nossos).

O entrevistado 7 afirmou ser o “melhor dos mundos” a possibilidade da construção de um outro cômodo para atender melhor suas necessidades. E no final do trecho ele afirma ser decisiva essa customização.

Ao analisar essas observações feitas por ele, fica ainda mais cristalino e evidente que considerar o cliente como um coconstrutor de valor é fundamental, pois é justamente ele que fará uso do produto ou serviço e ao incorporar ele nesse processo de construção de valor a empresa entrega justamente a percepção de valor que ele valoriza e preconiza.

É justamente essa a premissa defendida por Vargo e Lusch (2004). Os autores afirmam que as empresas precisam ensinar os clientes a usarem os produtos. As empresas precisam adaptá-los, repará-los e customizá-los para uma experiência única, com especificidades que atendam exatamente suas necessidades e desejos, de acordo com seus próprios comportamentos.