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1.1 O MÉTODO DA ECONOMIA POLÍTICA E AS CATEGORIAS DO OBJETO

1.2.3 A categoria colonialismo

Para explicitarmos colonialismo13 buscamos contribuições nos estudos de

Bosi, Brandão, Rodriguez, Ahmad e Saviani.

13 Colonialismo nesta tese não é tratado segundo o campo pós-moderno, pós-estruturalista, ou seja,

Para Bosi (1992, p.11), cultura, culto e colonização derivam do mesmo verbo latino colo, que significou em Roma “eu moro, eu ocupo a terra” e por extensão “eu trabalho e cultivo e quem reside em terra alheia é inquilinus”. A ação expressa em colo14 denota sempre algo incompleto e transitivo, é a matriz de colônia enquanto

espaço ou povo aos quais se podem trabalhar e sujeitar.

Os colonizadores não somente cuidam, mas impõem sua imagem de sujeição e subordinação ao colonizado. Ahmad (2002, p.222) destaca que há determinismos nacionalistas impostos pelos agentes sociais que mobilizam seus poderes segundo seus interesses no processo de luta pela hegemonia tanto no campo político quanto cultural e cada nacionalismo se situa em conjunturas e projetos de classe específicos. Para esse autor, nessa sociedade, os não privilegiados ficam presos “entre as pressões da cultura da classe alta e o valor cultural de suas próprias vidas” (AHMAD, 2002, p. 219-220).

Nas obras de Bosi (1992), Brandão (1989) e Rodriguez (DL 1975), o colonialismo é compreendido pelo processo de um povo submeter outros povos ao seu poder e à sua cultura, é o oportunismo, o subjugo, a luta pela conquista do poder ou hegemonia, a necessidade de disciplinar, atrair, conduzir, são estratégias para onde o capitalismo se desenvolveu.

Bosi (1992, p.17) tratou do colonialismo como processo histórico dialético, não relacionou o conceito aos surdos, mas por semelhança ao que Bosi apresenta, pode-se considerar colonialismo também na educação de surdos. Nosso autor destaca que colonizar é aculturar um povo, o que pode ser traduzido por sujeitá-lo, buscar adaptá-lo a um padrão considerado superior ao que ele ocupa.

Rodriguez (DL 1975) trata dos decretos de Lênin como demonstração da clara política anticolonialista que favoreceu as lutas e movimentos de o numa perspectiva crítica de subalternização de classe que não se dá apenas para os surdos, mas para as minorias e para a escola pública. Para explicitar como os autores enunciados compreendem os estudos culturais, sugere-se leitura de Ahmad (2002), que consta nas referências desta pesquisa.

14 Bosi (1992, p.11-16) destaca que ‘colonização’ não pode ser entendida como natural ou superada,

nem tratada como simples corrente de migração, pois é a resolução das carências e busca de domínio sobre novas condições. De colos, deriva cultum e culturus aplicado ao trabalho no solo, até o trabalho feito no ser humano desde a infância. Quando remetemos à ideia de colonização, ligamos a trabalho e sujeição a colônia, a um povo e espaço a ser subordinado segundo interesses do colonizador. Cultura significa valores, conjunto de práticas a serem transmitidas as novas gerações para garantir a reprodução de um estado de coexistência social para o qual a educação é o momento institucional do processo. Nas sociedades urbanas toma sentido de condição de vida mais humana (p.16). Por esse motivo, a língua de sinais é compreendida como principal manifestação de uma cultura surda.

descolonização ao longo do século XX. Assim, entendemos a colonização como políticas para a subalternidade dos povos e consequentemente para a alienação.

Os colonizadores são organizados em suas estratégias e intenções, o que exige que os colonizados sejam fortes e suficientemente organizados para acabar com o jugo através da revolução, o que nem sempre acontece.

A educação de surdos sofre com o impacto de uma visão colonialista, subjugados pela hegemonia da língua oral. Observe-se que desde o século XVIII, a língua de sinais vem sendo organizada, como já apresentamos anteriormente, todavia as políticas de educação têm se caracterizado pelo colonialismo.

A visão colonialista reflete nos surdos resquícios de subalternidade, incapacidade cognitiva pela questão de não ouvir, revela tempos de violência física e simbólica, como tratou Strobel (2008, 2008b e 2009), obrigando-os a assumir a língua oral e, quando não é possível articular com qualidade, tornam-se esses de fato deficientes.

Ao tratar historicamente o colonialismo, destacamos a colonização da Ásia ocidental pela Grécia com a introdução de sua cultura, denunciando uma colonização cultural. Roma colonizou a Europa e chegou até a Índia, colonizou ainda o norte da África e a Península Ibérica, sempre entre guerras de resistências. Uma colonização nunca é pacífica, pois à medida que um povo percebe que está sendo submetido haverá manifestações e resistências.

Importa explicitar a colonização da América, que foi realizada sob os interesses dos grupos de mando, onde velha aristocracia em decadência, incluindo aí as ordens religiosas e a nascente burguesia, associada às coroas, investia na descoberta de novos negócios de longa distância.

À semelhança do que se aponta para as imposições colonialistas a outros povos, também a história da educação de surdos é marcada por relações de colonialismo, sendo eles assujeitados a práticas que os mantiveram longe do acesso qualitativo à produção da vida.

Desde os primórdios da educação institucionalizada, os surdos buscaram o reconhecimento da língua visuoespacial e respeito às suas especificidades, o que lhes foi garantido em partes em períodos específicos da história, com marcos principalmente no século XVIII, como apontado anteriormente.

Ao nos propormos a analisar o cenário brasileiro, compreendemos que há ao menos três períodos marcantes para a educação de surdos: 1) a integração, em que

o oralismo estava manifesto com toda sua força; 2) a inclusão, com a inserção da língua de sinais e 3) a proposta de educação bilíngue, em curso desde a década de 1990 até o presente momento, em que as políticas expressas em documentos, manifestação dos movimentos sociais e outras práticas se apresentam em favor dos surdos brasileiros.

A política no Brasil vem no sentido da língua de sinais na educação para surdos, no entanto as práticas mostram contradições, quando por meio da língua de sinais e por imposições normalizadoras, podemos encontrar resquícios de aculturação, de colonização, onde aparentemente se garante direitos, ao mesmo tempo em que se os retém.

Observamos que as possibilidades de bilinguismo e educação bilíngue para surdos corroboram para o entendimento de que há superação do colonialismo, pela garantia da língua de sinais na formação dos professores de surdos da educação básica, pela possibilidade de acesso aos conhecimentos historicamente produzidos e, portanto, à sua reelaboração.

Bosi destaca a história de aculturação dos índios e a ação da colonização portuguesa com os moradores da terra, explicita o quão cruel foi esse processo, por mais pacífico que pareça, o que possibilita fazer nexos com a educação dos surdos.

Esse mesmo autor (p.70-77) nos diz que para os índios moradores do território brasileiro na época da colonização, os fenômenos da questão de não terem a mesma língua, a mesma cultura, de apresentarem organização diferenciada do trabalho e de servirem diferentes deuses e religiões foram considerados a própria ‘demonização’, caracterizando o conflito entre culturas (do colonizador e do colonizado).

Saviani (2010) também trabalhou com a questão da aculturação relacionada à pregação da fé católica, uma imposição de regras e ideias dos colonizadores portugueses, que estavam na contramão daquilo que os índios expressavam pela cultura, fé e valores, como o fez Anchieta15, que por meio do aprendizado da língua

Tupi, subordinava os povos indígenas à sua cultura, língua e religião.

15 Anchieta em suas poesias para os nativos e colonos que conheciam a língua da costa adotava o

idioma Tupi num trabalho de aculturação linguística com marcas originais no interior do código Tupi, moldando ou alternando culturas com palavras em Tupi e em Português, com exceção de IESU (JESUS), Tupi era a sintaxe, mas o ritmo, acentos e pausas nada tinham de indígena, eram próprios do português. Bosi destaca que “Aculturar também é sinônimo de traduzir” (BOSI, 1992, p.64-65). O projeto de colonização envolvia transpor para a fala do índio a mensagem católica, para isso era comum uma mescla entre as línguas, com resultados de valor desigual. A colonização vem cheia de

As ordens religiosas que protestavam contra a escravidão de africanos e indígenas no Brasil tinham escravos sob seu poder, pois os recebiam dos senhores como presente e ensinavam os índios a servirem à ordem, subjugados pelo trabalho.

Já Brandão (1989) alerta para o colonialismo que muitas vezes não é verificado facilmente, relata o tratado de paz assinado entre Virgínia e Maryland com os índios das Seis Nações, destaca que nesses momentos de conflitos e resistências, são comuns acordos e promessas. Para o autor, as promessas e os símbolos da educação são organizados e adequados segundo interesses do colonizador. Relata que logo após a assinatura do tratado de paz, os governantes encaminharam uma carta aos índios para que enviassem seus jovens às escolas dos brancos e receberam como resposta um agradecimento e também a recusa, que mais tarde Benjamin Franklin passou a divulgar em diferentes situações, segue excerto da referida carta:

...Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa idéia de educação não é a mesma que a nossa. (...) ...Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltavam para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida na floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma Cabana e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros. Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Virgínia que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles, homens.” (BRANDÃO 1989, p.8- negrito e grifo nossos).

No excerto de Brandão, considere-se que os índios que foram aprender com o povo branco, perderam as principais referências linguísticas e culturais de seu povo, tornando-se inúteis para as práticas de vida e até para a convivência com os subordinação, aculturação e alienação, pontuada de situações estranhas e até violentas (físicas ou simbólicas). No caso dos índios e mesmo dos africanos no Brasil, os ritos e as práticas ricos em significados no interior dos grupos foram paulatinamente mesclados ou substituídos pelas práticas culturais do colonizador. A divisão de Anchieta, quem, segundo Bosi (1992, p 66-180), mostra-se como um letrado colonizador, tinha um código para uso próprio (ou com seus pares) e um código para uso do povo, cheio de abusos simbólicos e também relacionados ao trabalho, o que foi citado por Saviani (2010). Bosi (idem, 377) nos diz que a colonização é de fato um processo ao mesmo tempo material e simbólico.

seus. É necessária a valorização do outro e compreensão da cultura, língua e das necessidades expressas para as vivências e relações sociais.

A partir da comprovação de que a língua de sinais se trata de uma língua com estrutura completa, em 1960, os surdos resistem e lutam contra as imposições colonialistas expressas principalmente pela cultura da língua oral-auditiva.

O processo de colonialismo não reconhece as características dos surdos, atribui valor desigual à língua oral e sinalizada, não compreende a língua de sinais como expressão das especificidades e cultura de pessoas surdas e trabalha, no caso do Brasil, com acordos normativos que subestimam os interesses dos surdos para a educação que lhes é preciosa.

Longe da língua de sinais e tratados como deficientes e incapazes, muitos surdos se tornam como os índios das Seis Nações, inúteis para o trabalho, para a comunicação e incapazes de aprender e conviver em sociedade. Essa realidade precisa ser superada, é possível ver resultados por meio de movimentos de lutas e resistências contra estereótipos de deficiência, mesmo diante dos mais elevados níveis de formação acadêmica de surdos.

Há uma situação sonegadora de possibilidades e colonialista por qual passa o processo de ensino-aprendizagem dos surdos e a formação de docentes no país. Há iniciativas e práticas que direcionam objetivos e ações para a formação bilíngue necessária aos professores para o trabalho com surdos, mas essas compartilham o espaço com práticas pedagógicas de características monolíngues em que a Língua de Sinais brasileira ainda não está incorporada como elemento do currículo, nem mesmo estão inseridas questões que caracterizam os modos como os surdos são capazes de aprender. Essa afirmação encontra apoio em Fernandes (1998, 2003 e 2006).

Ao Estado brasileiro cabe conhecer o número de mestres e doutores surdos que fazem parte da realidade acadêmica da nação e diante dessa realidade, buscar compartilhamento de ideias educacionais com aqueles que podem auxiliar na tarefa de desvelar os processos mais adequados para uma formação de professores que resulte em qualidade no ensino-aprendizagem dos surdos, com garantia de igualdade, acesso e permanência previstas na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).

Como referencial de uma educação de qualidade para surdos, consideramos o bilinguismo.