• Nenhum resultado encontrado

4.4 O BILINGUISMO LIBRAS-PORTUGUÊS NA FALA DOS PROFESSORES E

4.4.2 O curso de Pedagogia – Formação para a Libras e as especificidades dos

Uma proposta que se entenda inclusiva deve compreender e aceitar as especificidades dos estudantes que a compõem e isso já abordamos. Entre essas especificidades há aquelas que remetem diretamente aos surdos, como a língua de sinais, as histórias das gerações surdas e suas lutas, a visualidade, entre outras. Consideramos essencial que os professores da educação básica formados pelo

curso de pedagogia e os acadêmicos nesse curso compreendam aspectos relevantes sobre o processo de ensino-aprendizagem dos surdos.

Para o trabalho na educação de surdos é necessário prover professores com formação além da Libras, que conheçam questões políticas e de reconhecimento histórico, social e cultural dos sujeitos, sem os quais haverá sempre resistências.

Considerando o que dizem os professores, apontam dificuldades como a falta de adaptações curriculares e o fato de que nem toda a comunidade escolar conhece e usa Libras, tratam como insuficiente o tempo e espaço de formação para atender e ensinar o estudante surdo, bem como outros estudantes com necessidades educacionais especiais, como apresentamos nos excertos.

EP1- ...eu tive disciplina de educação especial onde falaram sobre o respeito aos sujeitos surdos na sua singularidade, cultura e linguagem. Penso que embora a lei determine a disciplina fica apenas na pedagogia e deveria estar em todas os cursos e ainda com carga horária adequada.

EP2- ...sobre o TDAH e a surdez nem é mencionado, aprendi muito pouco, se não tivesse a vivência não saberia nem por onde começar.

EP4- Aprendi sobre diferentes tipos de necessidades e como tratar cada uma delas em suas particularidades. Mas sobre os surdos, só tive mesmo a língua de sinais...

EP5- Tive aula sobre língua de sinais e tudo que a criança surda aprende.

EP6- Quando falamos do ensino de surdos, digo que faltou aprofundar mais o tema, faltou o conhecimento e o contato com pessoas surdas...

EP9- Também aprendi sobre a metodologia para trabalhar com alunos inclusos e seus direitos como cidadãos e outros conhecimentos sobre a educação de crianças surdas. Não vou esquecer da Lei 10.436, que garante que todo aluno surdo tenha um intérprete na sala, também sei que muitas aulas são dadas pelo bimodalismo ou português sinalizado, mas é necessário que professor tenha o mínimo de conhecimento de Libras.

Organização da autora-2017

Os entrevistados apontam conteúdos presentes na graduação e, em casos específicos, são inseridos na disciplina de Libras (minimamente) temas como o processo de ensino-aprendizagem da criança surda, direitos e outros conhecimentos, de modo fragmentado ou tratado como parte da educação inclusiva. EP2 nos diz que para seu trabalho no cotidiano escolar, a disciplina de Libras não auxilia: “se não tivesse vivência não saberia nem por onde começar” (EP2).

Essa questão aparece entre contradições na resposta de EP10: “o que aprendi na formação me deu uma boa base para trabalhar, mas temos sempre que estar nos atualizando”. Assim como os demais participantes, EP10 destaca a importância da formação inicial e também aponta para a formação continuada e prossegue dizendo que “Quando precisamos mediar precisamos da língua de sinais. Essa língua de sinais auxilia no vínculo com o estudante surdo e facilita a comunicação para as mediações que fazemos” (EP10).

O que destacamos como contradição está no fato de que o egresso de Pedagogia não faz uso da Libras ou a usa minimamente, compreendemos que é a partir dela que as mediações precisam ser feitas. Consideramos com Vigotsky que para os surdos a língua de sinais é o principal elemento mediador e se faz necessário aprendê-la o suficiente para ser capaz de interagir e mediar com qualidade.

A qualidade relacionada à educação está destacada na Constituição Federal (BRASIL, 1988), na LDB nº 9.394/96 (BRASIL, 1996). Tratamos, no entanto, de uma educação que supera o acesso e a permanência, assumindo um conceito de qualidade que é evidenciado por Saviani (2015) como luta pela educação com igualdade real, garantindo o acesso de todos à educação plena e verdadeira, sem desqualificá-la.

Enquanto direito dos surdos, o bilinguismo não tem sido ofertado em sua máxima expressão, não é garantido na totalidade. A educação para surdos tem se firmado em discursos e serviços que se servem de adaptações, mas não cumprem seu papel de promover apropriação de conhecimentos em L1 e L2.

A educação mediadora, capaz de incluir os surdos, é a educação bilíngue porque diz respeito às características e necessidades específicas dos surdos. Ela acompanha a perspectiva de totalidade, pois assegura aos sujeitos o direito de não receberem educação fragmentada. Na contradição, quando se pensa apenas em adaptações, é possível observar a inadequação ao direito, seja para surdos ou para a formação de trabalhadores da área.

Quanto à insuficiência da formação na Pedagogia para o trabalho com surdos e o que entendem como a melhor proposta de educação para os estudantes a partir das aprendizagens no curso:

EP2- Sobre ter recebido formação suficiente, não, acho que não. Falta muito! Na faculdade é só uma pincelada e só saber que existe não é suficiente, não pode ser base para atuar. (...) Inclusão sempre! Pois a educação bilíngue não acontece, principalmente porque o regente normalmente não é formado e o intérprete não tem tempo de exercer as duas funções de interpretar e de aquisição da Libras.

EP3- Eu entendo muito pouco sobre políticas inclusivas e educação inclusiva ou mesmo de surdez. Deveria ter professores com especialização nessa área e que a gente possa conhecer escolas, salas e turmas com recursos para a gente aprender melhor e conhecer também...

EP4- Preciso realizar uma especialização (...) Inclusão, porque a criança surda tem direito de acesso à educação para todos, com devido acompanhamento

EP5- ...a criança surda aprende Libras e depois o português é essa a educação que elas precisam. (...) Acredito que o que faltou na minha formação foi a prática...

EP6- A educação melhor para os surdos é a inclusão. Pois o convívio com outras crianças facilita a sua aprendizagem. (...) faltou o conhecimento e o contato com pessoas surdas, por isso entendo que não tenho conhecimento suficiente para o trabalho.

Organização da autora - 2017

As entrevistas denunciam a fragilidade na formação em relação aos surdos. A maior parte dos participantes, 6 dos 10, destacam que a disciplina ofertada e as informações que tiveram na graduação não foram suficientes para o trabalho. Mesmo que 8 dos 10 participantes tenham afirmado que tiveram outras disciplinas na formação, identificamos que se tratam de conhecimentos relacionados à educação inclusiva e não à educação de surdos.

Quando solicitados a responderem com base no que aprenderam na graduação à pergunta ‘Qual a melhor educação para os estudantes surdos’, as respostas divergiam entre educação bilíngue, referindo-se à superação da barreira na comunicação pela Libras e à inclusão baseada na convivência e trocas com ouvintes. Também encontramos as contribuições de EP3: que nos diz que “... não digo que é educação bilíngue e nem educação inclusiva, porque entendo que o direito é “EDUCAÇÃO DE QUALIDADE PARA TODAS AS CRIANÇAS”, não é o termo ou o modelo que incomoda, é a qualidade.” Consideramos essencial esse excerto, porque o objetivo é que o surdo se aproprie de conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade em sua máxima expressão e com qualidade.

EP10 ressalta que “A educação com certeza pode ser nos dois jeitos. Os dois são adequados, o importante é o estudo com qualidade para os surdos. “(EP10). Se a educação é direito para todos com igualdade e qualidade, são essas as características a garantir. Para o surdo a educação de direito pressupõe o bilinguismo para o qual deve haver preocupação com a formação do professor.

Os entrevistados apontam que o professor deve ser especializado e receber formação continuada, principalmente em língua de sinais, compreendem que essa formação deve ser para todos os professores e não apenas no curso de Pedagogia e que no trabalho precisa haver formação de profissionais especializados.

É citado como sugestão para a formação desses professores mais práticas e contato com pessoas surdas para trocas de experiências, interações pela Libras e compreensão de como se podem desenvolver as mediações. Se não houver domínio de língua de sinais e conhecimento aprofundado das características e necessidades dos estudantes, pode-se inverter a perspectiva de quem ensina e quem aprende em determinados períodos de aula, fenômeno criticado por Witkoski (2011) em sua pesquisa realizada em uma escola na perspectiva bilíngue.

Cabe-nos destacar que apesar de nos propormos a um recorte a partir de 2005, os entrevistados se apresentam a partir de 2008.

Nos discursos dos acadêmicos de Pedagogia há muitas contradições, entre elas entrevistados como EP4, o qual destaca que recebeu excelente formação em Libras, mas que faz uso mínimo ou básico da língua de sinais para comunicação e desconhece as singularidades das pessoas surdas, faz uso de termos superados como ‘linguagem de sinais’ e chama os surdos de deficientes auditivos.

Os entrevistados apontam a falta da prática na Libras como ponto principal de falhas formativas e falam do desconhecimento de como planejar e organizar o processo de ensino-aprendizagem dos surdos em sala de aula.

Essas incompreensões podem ser superadas com formação para o trabalho na área específica, a qual aborda questões referentes ao geral e ainda as relacionadas diretamente aos surdos.

Para apresentar melhores explicações às exigências colocadas aos cursos de Pedagogia para a educação de surdos, cabe destacar o INES e o curso de Pedagogia Bilíngue, aberto no ano de 2006 no INES/RJ, e também o Letras-Libras, como meio de justificar e ampliar a compreensão formativa de professores que conheçam as especificidades dos surdos e as estruturas linguísticas e humanas que envolvem os sujeitos de aprendizagem.

Ressaltamos que o curso de Pedagogia Bilíngue ficou circunscrito ao INES, somente nos últimos anos teve o convite do MEC para sua expansão e lentamente está se disseminando por outras instituições do país. O que apresentamos na subseção seguinte.