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5. Tarefas Descritiva e Interpretativa

5.7 Categoria Corpo-perfeição

5.7.1 Categoria Corpo-perfeição para o AJPF

A ideia de perfeição está tradicionalmente relacionada com a ideia de fim, de aquisição de uma condição que não se pode ultrapassar, pois se ela é perfeita, nada mais há para além dela. Ou seja, a ideia de perfeição deixa transparecer uma ideia de acabamento, de finitude, de finalização, e de

No entanto, se seguirmos este entendimento, como poderemos considerar a perfeição uma das principais evidências do desporto de competição? Em que medida é que um corpo desportivo alcança a perfeição? Se à definição de perfeição está vinculada a ideia de consumação, de fim, de limite, como inclui-la no universo do desporto se este é constantemente renovado, se ao seu último estádio alcançado de performance corporal se acrescenta sempre um outro, se não for pelo mesmo corpo, por outro corpo?

Se assim fosse, entendemos que o desporto já tinha encontrado o seu fim, por não ser “estimulante” a sua prática pela infinidade de corpos desportivos que diariamente lhe dão “Corpo”. De igual modo, deixava de existir o grande fascínio e a componente “provocatória” que este fenómeno, principalmente na sua vertente competitiva, exerce sobre nós – os corpos abdicariam da sua prática, na medida em que todos lutariam pelo mesmo propósito, que se faria representar pelo mesmo gesto, dado a conhecer pelo mesmo resultado. Igualmente o público, a partir do momento que não se sentisse extasiado pela inovação, deixaria de existir, negando a vivência do espectáculo desportivo.

Na exaltação do seu corpo-perfeição, o AJPF estabelece uma comparação entre níveis de competição, anunciando a sua qualidade como um dos factores que capta a presença do público: “No Campeonato da Europa, comparado com os Jogos Paralímpicos, as bancadas estavam vazias. Os Jogos Paralímpicos já têm mais alguém [público]. É que o nível de competição apresenta melhores qualidades, principalmente a nível de jogo. Estão lá os melhores.” A qualidade do evento, nomeadamente dos Jogos Paralímpicos, aparece no discurso do AJPF evidenciando um estado de perfeição que apenas é conseguido pelos corpos que se inscrevem na sua realização, já que a qualidade congrega, por assim dizer, um conjunto de particularidades que apenas são exclusivas de cada um, de cada corpo; caso contrário, todos os corpos seriam “corpos-perfeição”, e os níveis de competição já não necessitariam de diferenciação. Assim, parece ser evidente uma simbiose de criação entre corpo (desportivo) e desporto, já que são os corpos (“cada vez mais perfeitos”) que permitem o aperfeiçoamento do desporto, ao mesmo

tempo que é o desporto que proporciona uma concretização (“cada vez mais perfeita”) de corpo.

Ainda relacionada com a ideia da qualidade do desporto, está, na nossa opinião, a presença do público. A sua (maior) comparência parece ser determinada pelo nível de perfeição que pode ser alcançada pelos corpos desportivos: “Quanto maior for a dimensão, melhor é a qualidade. Melhor é a qualidade porquê? Porque ali é tipo um filtro, ali só passam os melhores. E obviamente que se os jogos são disputados com os melhores, as pessoas vão ver, e sabem que vão encontrar jogos mais competitivos, vão encontrar “n” coisas que são importantes.” O que o AJPF parece transmitir é que quando estamos perante um fenómeno que se caracteriza pela excelência corporal, somos como que impulsionados a observá-la, já que ela revela aquilo que a nós se superioriza. É precisamente esta relação estreita entre a realização do gesto e a forma mais perfeita de o executar que em nós suscita admiração. E embora por breves momentos nos inquiete o vislumbrar de tal proeza, (o “como”), não nos parece ser uma preocupação compreender a sua origem e finalidade (o “quando” e o “porquê”). Esta pode ser assim uma via para a contemplação do valor estético do corpo desportivo, já que ela surge de um prazer desinteressado (Adorno, 1970; Dufrenne, 1988; Fernandes, 1999).

Em associação àquilo que dissemos até agora, a ideia de “filtro”, revelada na linguagem do AJPF, remete-nos, uma vez mais, para um corpo- perfeição, explicando de forma simbólica um processo de selecção, que permite aos atletas estarem presentes nas competições de maior visibilidade. Esse filtro é, de longe a longe, alvo de um processo de renovação, adaptando- se a novos corpos-perfeição e a novos patamares do mesmo corpo-perfeição.

Assim, se numa perspectiva biológica e funcional o corpo do AJPF pode ser considerado incompleto e imperfeito, no desporto o seu corpo revela-se perfeição (embora que breve e transitoriamente). Deste modo, contrariamente à ideia que poderia surgir de um corpo “cumprido”, “concluído” no desporto, entendemos que o corpo desportivo do AJPF é, precisamente, um corpo “perfeitamente inacabado”: os seus produtos poderão ser considerados momentaneamente perfeitos, apenas na medida em que se superiorizaram aos

corpo desportivo atingir o patamar seguinte de perfeição. Segundo Aristóteles, “as coisas que atingiram o seu fim também se dizem perfeitas”, (…) porque ter atingido o seu fim é ser perfeito” (Russ, 2000, p. 231). Consideramos que o acto em si, o acto ascensional de atingir um fim (e não o fim) pode ser considerado perfeito, mas o resultado que advém desse acto, esse fim que no corpo-perfeição do AJPF não parece ter fim, pensamos ser eternamente imperfeito, na medida em que parece haver sempre algo mais a acrescentar: “Quando vem uma cadeira nova, tenho que pensar já de modo a ser mais ou menos idêntica a esta, ou ser ainda melhor. É muito importante.” Realçando uma vez mais o seu corpo, ou uma parte do seu corpo, o AJPF reforça aquilo que nos parece ser a possibilidade que este corpo lhe dá de manter ou atingir novos patamares de um corpo-perfeição. É manifestamente um corpo-perfeição que na sua eterna procura perpetuará a sua incompletude.