Da multimodalidade à intersemiose: um enfoque enunciativo discursivo
4. Categorias de análise dos gêneros discursivos das coletâneas
Para a elaboração dos critérios de análise desta pesquisa, cabe esclarecer a diferença entre classificar os gêneros discursivos selecionados para a coletânea de textos dos LDP segundo sua natureza e classificar a abordagem/interpelação de leitura oferecida pelas coleções didáticas para esses gêneros. A distinção é importante pois os gêneros discursivos podem assumir classificações diferentes entre a forma como são apresentados e a forma como são abordados nas atividades propostas para leitura.
Cabe, neste momento, observar que, enquanto a semiótica categoriza as linguagens de acordo com a materialidade de suas manifestações, a abordagem enunciativo- discursiva, neste trabalho, busca classificá-las em gêneros de acordo com as esferas da atividade humana. Mais importante que discutir diferenças teóricas de classificação, vale ressaltar que as teorias escolhem seus meios para explicar seus questionamentos e, na perspectiva interdisciplinar desta pesquisa, acreditamos que a possibilidade de enxergarmos
nosso objeto de investigação a partir de outros pontos de vista colabora para uma melhor reflexão acerca desse objeto, reconfigurando, inclusive, as teorias a ele subjacentes.
Consideramos que, no LDP, as atividades de leitura podem ficcionalizar os gêneros não-escolares (ROJO, 2001; SCHNEUWLY, 2004), muitas vezes descaracterizando-os, para torná-los atividades didáticas. Durante a didatização, o gênero pode ser subdividido em elementos menores como forma de encaminhar a compreensão da leitura por partes, sem a garantia de que haja a compreensão do gênero como um todo ou de seu funcionamento social. Como critérios de análise dos gêneros propostos apresentados pelas coleções didáticas, consideraremos "unissemióticos" os gêneros em que suas apresentações priorizem apenas um dos sistemas sígnicos; "multissemióticos" para os gêneros apresentados tanto em seus aspectos verbais quanto não-verbais, ainda que separadamente por intervenção editorial e "intersemióticos" para os gêneros que estabelecem entre diferentes linguagens (verbal e visual) relações de relais (BARTHES, 1990 [1961]) ou de hibridização (BAKHTIN, 1988 [1934-1935/1975]); FRIEDMAN, 2002), apresentados pelas coleções didáticas em meio impresso, apesar da diagramação e disposição das diferentes linguagens apresentadas em seus projetos editoriais.
Apresentamos, a seguir, as categorias de análise para os gêneros discursivos que envolvem as semioses verbais, visuais, visuais-verbais, verbais-visuais, na forma em que são apresentados pelas coletâneas dos LDP, representadas pelos Quadros 1a (gêneros Unissemióticos), 1b (gêneros Multissemióticos) e 1c (gêneros Intersemióticos), a seguir:
Semioses Linguagens Esferas de Produção Gêneros
Literária Conto, crônica, poema etc (sem imagem) Jornalística Notícia, artigo de opinião, editorial, classificado,
reportagem etc. (sem imagem) Divulgação Científica Artigo, ensaio etc. (sem imagem)
Escolar Texto didático, resenha, instrução etc. (sem imagem)
Artes Musicais Letra de canção (sem imagem, sem indicação de apreciação musical)
Verbal
Cotidiana Carta, convite, envelope, diário, bilhete etc. Artes Plásticas Reprodução de Pintura, escultura, gravura,
desenho, ilustração etc. Artes Visuais Fotografia
Artes Áudiovisuais Fotograma de cinema Unissemiótico
Visual
Artes Gráficas Imagens produzidas a partir de montagens (analógicas ou digitais)
Semioses Semioses
(linguagens) Esferas de Produção Gêneros
Literária Textos literários ilustrados ou com ilustração fotográfica
Escolar Texto didático ilustrado ou com ilustração fotográfica
Verbal-Visual
Jornalística Notícia, Reportagem, Classificado ou Artigo com ilustração (sem reprodução do suporte original)
Artes plásticas Reprodução de obra de arte com legenda, ilustração de texto verbal
Artes visuais Fotografia com texto verbal Multissemiótico por ancoragem (Barthes) por intercalação (Bakhtin) Visual-Verbal
Artes gráficas Montagem e/ou colagem de imagens com texto verbal
Quadro 1b: Categorias de análise para gêneros Multissemióticos
Semioses Linguagens Esferas de
Produção Gêneros
Literária Poema concreto, Texto literário elaborado a partir de montagem de imagens ou quando a disposição visual fizer parte da forma composicional do texto verbal.
Jornalística Notícia com foto, Reportagem com foto, Tabela, Estatísticas, Primeira Página, Notícia com gráfico ou infográfico, horóscopo etc. (mantendo as características do suporte original)
Burocrática Documentos, certidão, fatura, carta comercial (mantendo as características do suporte original)
Escolar Tabelas, Quadros explicativos, Diagrama, Boxe Verbal-visual
Artes Gráficas História em quadrinhos, tira e charge
Artes Visuais Fotografia de texto verbal compondo a imagem Artes Gráficas Capa (mantendo as características do suporte
original), Montagem de texto verbal como imagens, selo etc.
Jornalística Foto-notícia, foto-reportagem, Primeira página, Mapa meteorológico (mantendo as
características do suporte original)
Publicitária Anúncio, folheto, cartaz com fotografia, Anúncio, folheto, cartaz com montagem de imagens, embalagem, rótulo (mantendo as características do suporte original)
Divulgação
Científica Mapa com texto verbal, infográfico, gráfico Entretenimento Jogos Intersemiótico por relais (Barthes) por hibridização (Bakhtin) Visual-verbal
Digital Homepage e e-mail com imagens
Quadro 1c: Categorias de análise para gêneros Intersemióticos
Tais categorias de análise não se propõem a estabelecer uma taxonomia de classificações imutáveis para os gêneros; pelo contrário, as fronteiras entre as categorias muitas vezes se (con)fundem com outras classificações, de acordo com a maneira pela qual
os gêneros são apresentados pelas coleções didáticas. Da mesma forma, tais categorias necessitam de novas reformulações para compreender de maneira mais adequada outros materiais, impressos ou digitais, conforme as necessidades específicas requeridas por esses objetos. Em suma, tais categorias não são estanques para classificar nosso objeto de pesquisa e, menos ainda, não se trata de um modelo imutável para qualquer outro tipo de material em futuras pesquisas. Servem-nos somente para oferecer maior visibilidade sobre a natureza semiótica da forma de composição dos gêneros das coletâneas.