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Análise qualitativa dos gêneros uni-, multi e intersemióticos nos LDP

2. Análise qualitativa da coleção Linguagem Nova (LN)

2.1 Primeiro exemplo

O primeiro exemplo é formado pela reprodução de seis páginas, extraídas da Unidade 4, do volume destinado à 5ª série, com o objetivo de demonstrar o que geralmente ocorre em abordagens de leitura a partir do modelo da Decodificação de textos em gêneros unissemióticos nesta coleção.

Primeiramente, salientamos que a análise dessa abertura de unidade pode ser considerada como representativa de grande parte do tratamento que é dado, no restante da coleção, às seções de abertura das Unidades. Realizando uma análise mais panorâmica da

composição dessas duas páginas, recorremos a alguns dos conceitos propostos por Kress (2003)42, em termos de Informatividade e Enquadramento, principalmente43.

A abertura da unidade oferece uma antecipação temática para os textos e para as discussões das seções subsequentes, tomando como ponto de partida a ilustração original da obra Dom Quixote de la Mancha. Ao lado, na página seguinte, temos um Boxe com uma Epígrafe e abaixo, no centro da página, a ilustração produzida por Pablo Picasso sobre o mesmo personagem, conforme a Figura 544:

Figura 5: Abertura de unidade – col. LN (vol. 5, p. 70-71)

42 cf. seção 3.3, cap. I, deste trabalho.

43 Cabe esclarecer, contudo, que a perspectiva adotada por Kress, nesta análise panorâmica, serve-nos apenas

como uma das possibilidades metodológicas de análise, sem nos atermos, contudo, simplesmente a esta abordagem.

44 Em razão do limite de páginas e das normas de formatação exigidos para a elaboração desta Dissertação, a

reprodução dos exemplos utilizados neste capítulo, bem como as planilhas elaboradas para este trabalho, estão disponíveis em CD-ROM, no Anexo, em tamanho original para verificação do leitor.

Em relação à Informatividade, a diagramação da coleção LN parece obedecer à organização proposta por Kress (2003) para leitura de imagens ocidentais, de acordo com a interpretação a seguir:

1. No eixo horizontal (da esquerda para a direita), podemos identificar a gravura original da obra de Cervantes como sendo o elemento dado, ou seja, historicamente anterior, já conhecido pelo leitor (ou para o que se julga ser a maioria dos leitores), enquanto a ilustração produzida por Pablo Picasso poderia ser considerada como o elemento novo, ou historicamente mais recente, que é oferecido ao leitor como uma releitura do pintor para uma obra já conhecida;

2. No eixo vertical (de cima para baixo) a relação entre as disposições dos elementos na página poderiam ser interpretados em termos de plano ideal, no caso da epígrafe localizada na parte superior da segunda página, enquanto a parte inferior de ambas as páginas oferece perguntas aos alunos, podendo esta diagramação ser interpretada como plano real ou mais cotidiano.

Nesse sentido, as noções de elemento dado e de elemento novo dependem da apreciação valorativa que a coleção tem sobre seus leitores: na verdade, a gravura original provavelmente é, para os alunos, um elemento novo, tão novo quanto à ilustração de Picasso. Poderíamos interpretar essa proposta didática, a partir da disposição gráfica apresentada, como sendo reveladora da apreciação de valor sobre o papel social do Livro Didático, ou seja, como principal meio pelo qual os alunos teriam acesso a esses textos visuais, dispondo, para isso, dos meios gráficos-editoriais para marcar a relação de historicidade entre as duas imagens.

No eixo vertical, as noções de plano ideal e de plano real parecem confirmar- se, segundo o autor, ao considerarmos que a epígrafe é apresentada de maneira isolada, com forte enquadramento, ou seja, separada do restante da composição das páginas por meio de um boxe. Ademais, as questões destinadas aos alunos, no que poderíamos chamar de plano real, mais cotidiano, não abordam nenhuma discussão acerca da epígrafe.

Em termos de abordagem de leitura, as proposta oferecidas pela coleção LN nessa seção podem ser consideradas conforme o modelo de Decodificação, pelas seguintes razões:

1. Embora a coleção busque situar os autores/artistas de cada gênero visual, as informações oferecidas não são exploradas pelas atividades de leitura, prestando-se apenas à servir como informações complementares ou, ainda, segundo Barthes, como elementos pertencentes ao eixo da redundância ou da informatividade, sob a forma de ancoragem. Nesse sentido, descarta-se a classificação dessa abordagem conforme o modelo Discursivo.

2. As atividades solicitam aos alunos que identifiquem, de maneira livre e sem verificação de hipóteses, as personagens representados pelas ilustrações. Ao elaborar o enunciado da quarta questão, iniciada pelos termos: “Mesmo sem conhecer a história do romance de Miguel de Cervantes”, e diante das abordagens das outras questões, podemos afirmar que a proposta de leitura apresentada pode ser considerada como uma abordagem de leitura de imagens conforme o modelo de Decodificação, ou seja, que visa estratégias de localização, identificação e de levantamento de hipóteses sem posterior confirmação, descartando, portanto, a classificação dessas atividades conforme o modelo Interativo.

Nas páginas seguintes da mesma unidade, encontramos dois textos de Moacyr Scliar. Embora não apresentemos o primeiro texto desse autor, gostaríamos de revelar o que comumente ocorre com as ilustrações de intervenção editorial presentes nas atividades de compreensão do texto, conforme as imagens da Figura 6:

Essas páginas aparecem logo após a seção de leitura do primeiro texto, entitulada “Uma história de Dom Quixote”, no qual o autor Moacyr Scliar revela sua apreciação valorativa sobre o personagem desde as primeiras linhas do texto, onde lemos (col. LN, vol. 5, p. 72):

Quando se fala num quixote, as pessoas logo pensam num desastrado, num sujeito que não consegue fazer nada direito; que tem boas idéias, mas sempre quebra a cara. E até repetem aquela história que o escritor espanhol Cervantes contou sobre o Dom Quixote. Ele era um daqueles cavaleiros andantes que usam armadura, lança e escudo; (...) Pois um dia este Dom Quixote avistou ao longe uns moinhos de vento. Naquela época, vocês sabem, o trigo era moído desta maneira: havia um enorme cata- vento que fazia girar a máquina de moer. Pois o Dom Quixote viu, nesses moinhos, gigantes que agitavam braços, desafiando-o para a luta.

A imagem divertida, portanto, que o autor oferece sobre o personagem, poderia ser identificada pela primeira ilustração disposta na composição da primeira página da Figura 6 e oferecendo humor, em especial, à segunda ilustração por estar contextualizada entre questões voltadas à compreensão linguística. Nessa ilustração de intervenção editorial, vemos Dom Quixote segurando um lápis e um cartaz com a palavra “CERTO”, com a letra R invertida, revelando o “sujeito que não consegue fazer nada direito”, nas palavras do escritor.

Entretanto, as ilustrações da Figura 6 podem receber outra interpretação (a partir de uma possível leitura menos atenta dos alunos), de acordo com as atividades que dão sequência à seção imediatamente seguinte. Na Figura 7, reproduzimos as atividades de leitura com o segundo texto do mesmo autor, Moacyr Scliar:

Figura 7: Atividades de leitura – col. LN (vol. 5, p. 76-77)

Nesse caso, o autor explora menos os efeitos de humor sobre Dom Quixote, buscando construir um texto semelhante a um gênero da esfera escolar, de caráter informativo. Entre as atividades de leitura propostas para esse segundo texto, encontramos a quarta questão relacionada aos elementos visuais, reproduzida a seguir (col. LN, vol. 5, p. 77):

4. Observe novamente as gravuras 1 e 2 na abertura desta unidade. Qual delas se aproxima mais da descrição de Dom Quixote e de seu cavalo que aparece no texto que você acabou de ler? Na sua opinião, por que elas são diferentes?

Mais uma vez, confirmamos que a presente unidade explora apenas as estratégias de localização e de identificação, próprias do modelo de Decodificação, ao solicitar que o aluno associe livremente um texto a uma imagem que, a princípio, embora ilustrem a mesma história, não apresentam os mesmos temas e significações. Por outro

lado, seria possível que os alunos se valessem, inclusive, das ilustrações editoriais apresentados pela Figura 6, uma vez que são imagens mais diretamente ancoradas, nos termos de Barthes, às passagens narrativas dos dois textos (moinhos de vento, no primeiro caso e a idéia de “trapalhão”, de acordo com Moacyr Scliar, para a segunda ilustração editorial). Além disso, a ilustração original da obra de Cervantes que toma toda a página que acompanha o texto do escritor (Figura 7) e que, inclusive, “vaza” para a página do texto, é um exemplo de imagem com função meramente ilustrativa, sem oferecer abordagem de leitura ou de relação com o texto que o acompanha.

Em síntese, para finalizarmos a análise desse primeiro exemplo, podemos verificar que nem todas as imagens são exploradas pelas atividades da coleção LN de maneira explícita45, ao contrário do que afirmam os avaliadores do Guia: “[os gêneros visuais] não funcionam como mera ilustração, mas integram a coletânea como um todo, tendo sua leitura explorada”. Conforme discutimos anteriormente, as ocorrências verificadas incluem não apenas as ilustrações de intervenção editorial mas também a grande maioria de imagens com função decorativa assim como boa parte das Tiras, História em Quadrinhos e Cartuns apresentados como pretextos de atividades gramaticais sem propostas de leitura para outras semioses.