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Da multimodalidade à intersemiose: um enfoque enunciativo discursivo

3. Os prefixos uni-, multi-, inter e trans-

3.2. Santaella: semiótica e linguagens híbridas

As reflexões possíveis para esta pesquisa a partir da contribuição da semiótica estão limitadas pela materialidade impressa do objeto aqui investigado, o LDP. Por essa

razão, não caberia descrevermos todas as categorias e sub-categorias desenvolvidas nos estudos da semiótica. Em lugar disso, apresentamos as reflexões realizadas por Santaella (2001) acerca da noção de linguagens híbridas direcionadas para os gêneros discursivos que são apresentados impressos nos LDP de maneira a permitir uma contribuição para a construção dos conceitos teóricos que envolvem o objeto de pesquisa. Cabe destacar que as perspectivas adotadas sobre linguagem nesta pesquisa não coincidem necessariamente com as noções apresentadas por Santaella, contudo, a abordagem realizada pela autora colaborou para refletirmos sobre o conceito de modalidade, fornecendo subsídios que tornam possível a reorganização e a reformulação dos conceitos que envolvem as noções de linguagens verbais e não-verbais.

Diferentemente de Friedman (2002), Santaella prefere referir-se ao hibridismo como sendo uma "mistura" ou um "cruzamento" entre modalidades diferentes (modo 2 de relação entre linguagens para Friedman), quando afirma que "quanto mais cruzamentos se processarem dentro de uma mesma linguagem, mais híbrida ela será" (SANTAELLA, 2001, p. 379). Entretanto, segundo a autora, o hibridismo da linguagem está condicionado (ou mesmo limitado) pelo meio material, mídia, ambiente ou veículo na qual se manifesta. No caso do LDP, o veículo impresso não acompanhado de satélites (materiais auxiliares com fins didáticos, tais como CD de áudio, CD-ROM, DVD etc.) gera limitações para as linguagens híbridas possíveis, ou seja, muitos gêneros são apresentados de forma reduzida com a retirada de uma das semioses. Fotogramas de cinema, por exemplo, poderiam ser classificados como fotografia, seguindo o raciocínio da materialidade em que se apresenta no meio impresso, pois o gênero cinematográfico só se realiza durante a sua execução. A diferença, portanto, está na situação de produção das esferas Artes Audiovisuais (cinema) e das Artes Visuais (fotografia). A letra de canção, por sua vez, não passaria de uma poesia no LDP caso não seja acompanhada pela música ou caso não haja sugestão dos autores dos LDP para audição das canções. Ainda que a partitura seja acompanhada da letra de canção (em raros casos), talvez pudéssemos elencá-la como mais um sistema semiótico capaz de colaborar na compreensão da música, entretanto, e de maneira semelhante ao fotograma de cinema, a música só se realiza como gênero discursivo quando em funcionamento durante sua reprodução por um músico dentro da esfera das Artes Musicais. Além disso, apenas

uma pequena parcela de alunos teriam acesso à leitura musical em cursos extra-muros escolares.

Segundo Santaella (2001, p. 380),

o estudo de processos comunicativos deve pressupor tanto as diferentes linguagens e sistemas sígnicos que se configuram dentro dos veículos em consonância com o potencial e limites de cada veículo, quanto deve pressupor também as misturas entre linguagens que se realizam nos veículos híbridos de que a televisão e, muito mais, a hipermídia são exemplares.

Entre as classificações apresentadas pela autora para as linguagens híbridas, limitar-nos-emos àquelas que são possibilitadas pelo meio impresso do LDP. A respeito das categorias das linguagens híbridas, Santaella (2001, pp. 380-381) considera que:

o objetivo último das classificações é o de funcionar como um dispositivo que permita perceber as formas semióticas de que partem os diversos processos sígnicos ou linguagens e as relações que são possíveis entre eles, o que nos leva à superação das divisões estanques entre as

linguagens na medida em que são fornecidas novas bases para uma visão intersemiótica fundada em matrizes lógicas. (ênfase adicionada)

Nesse sentido, as divisões e subdivisões entre as linguagens são relativizadas, segundo a autora, durante a classificação de seu caráter híbrido. No caso do LDP, é possível considerarmos os gêneros como unissemióticos, multissemióticos e/ou intersemióticos, representados pela (co-)ocorrência das linguagens visuais, das linguagens visuais-verbais e nas linguagens verbais-visuais.

Entre as linguagens visuais, Santaella (2001, p. 382) considera os gêneros desenho, pintura, gravura, escultura, pictograma, fotografia etc. como predominantemente visuais. A autora considera, ainda, que as linguagens visuais sejam sempre híbridas (item 2 de Friedman, como de processo de interpenetração) ao considerar o processo de produção material da imagem que apresenta contaminações e empréstimos de influência simbólica, como é o caso do registro físico da fotografia e de imagens produzidas artesanalmente. A este respeito, a autora afirma que:

a máquina fotográfica está longe de ser um aparelho inocente. Ela é fruto de um certo tipo de desenvolvimento da visualidade no ocidente, trazendo consigo caracteres simbólicos consideráveis (...) Muitos tipos de imagens visuais fixas são produzidas artesanalmente, através da mão, o que dá à

linguagem gestual um desempenho importante na produção dessas imagens. São, por isso mesmo, linguagens híbridas entre o visual e o gestual, ou melhor, o visual guarda em si a marca do gesto de sua produção. (p. 383)

Entre as linguagens visuais, a autora busca classificar suas modalidades de acordo com os paradigmas pré-fotográfico (pintura, escultura, gravura, desenho, etc.), fotográfico (imagens produzidas pelo processo mecânico/químico ou mecânico/digital de captação) e pós-fotográfico (imagens manipuladas a partir de colagens e montagens, tanto manualmente quanto digitalmente).

As imagens em LDPs, atualmente, serão tratadas sempre como pós-fotográficas pelo modo de produção do livro. Neste sentido, linguagens visuais pré-fotográficas (como óleos sobre tela) são alteradas em sua materialidade, obviamente. Mas, em geral, no tratamento dado a elas na leitura pelos autores de LD são tratadas como pré-fotográficas.

Com relação às linguagens visuais-verbais, Santaella (2001, p. 384) considera a escrita como a primeira linguagem que hibridiza o verbal e o visual, desde as escritas pictográficas, ideográficas até as mais alfabéticas, entretanto, o caráter visual predomina sobre o verbal. São também visuais-verbais: a publicidade impressa (a partir dos cruzamentos estabelecidos entre imagem, palavra e a disposição/diagramação responsável por seus jogos semióticos engenhosos), a charge e os quadrinhos, a linguagem do jornal encontrada em fotografias jornalísticas (reportagens e notícias com fotos), além de gráficos, mapas e infográficos, entre outros.

Ainda entre as linguagens visuais-verbais, podemos identificá-las em poemas concretos, nos quais as linguagens envolvidas são apresentadas com grande ênfase ao visual, podendo:

chegar ao limite da perda de relevo do aspecto sonoro das palavras porque a própria palavra se impõe na sua natureza de imagem até o ponto de quase se transformar em linguagem visual com leves reminiscências do verbal. (SANTAELLA, 2001, p. 384)

As modalidades específicas das linguagens visuais-verbais são aquelas em que os elementos visuais são predominantes em relação aos elementos verbais, enquanto nas linguagens verbais-visuais a autora considera a modalidade verbal como predominante.

Em seguida, apresentamos outra linha de discussão acerca da semiótica que contribui para a reflexão sobre o objeto a ser investigado nessa pesquisa, sobretudo durante o processo de análise de natureza qualitativa.