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Análise qualitativa dos gêneros uni-, multi e intersemióticos nos LDP

2. Análise qualitativa da coleção Linguagem Nova (LN)

2.4 Quarto exemplo

Nosso quarto exemplo ilustra uma abordagem de leitura a partir do modelo Interativo para texto em gênero intersemiótico. O processo de escolha deste exemplo levou em consideração o fator da construção de conhecimento acerca da língua portuguesa a partir das possibilidades permitidas pelo gênero intersemiótico associado ao texto proposto na seção de leitura. Além disso, o exemplo deveria explorar os elementos da imagem de maneira que abordasse estratégias de leitura que estariam para além do modelo de Decodificação e que, ao mesmo tempo, não contemplasse elementos discursivos.

Eleger o presente exemplo não foi tarefa fácil, uma vez que a coleção apresenta apenas 21 casos que foram classificados como sendo os mais próximos a essas categorias (gênero intersemiótico com abordagem Interativa), por outro lado, o exemplo ilustra com representatividade outras abordagens semelhantes.

Mais uma vez, o quarto exemplo foi extraído da seção Abertura de Unidade, lugar comum na maioria dos casos em que a imagem predomina como linguagem dos textos/gêneros, com finalidade de alimentação temática para os textos propostos para leitura – em geral, apresentados logo após a abertura de cada unidade. Neste caso, temos dois cartazes publicitários para divulgação do filme “O Pagador de Promessas”, o primeiro cartaz produzido para circulação no Brasil e o segundo, para divulgação do mesmo filme no Japão. As atividades não chegam a explorar os elementos discursivos próprios da publicidade ou mesmo do gênero cinematográfico. Em seu lugar, a proposta é voltada para introduzir o tema para a leitura da peça teatral de Dias Gomes que foi transposta para o filme. O exemplo foi extraído do volume destinado à 8ª série, ilustrado a seguir (vol. 8, pp. 164-165):

Figura 10: Abertura de unidade – col. LN (vol. 8, pp. 164-165)

Embora o gênero publicitário pudesse permitir leituras mais complexas e discursivas, as questões propostas foram limitadas para estratégias de identificação, comparação entre as imagens e de verificação/justificativa de poucas hipóteses, conforme descrevemos a seguir, após a transcrição das questões 1 a 4:

1. Comparando os dois cartazes, o que salta aos nossos olhos de imediato uma vez que se trata do mesmo filme?

2. Observe o cartaz brasileiro. O que se pode deduzir sobre o enredo do filme olhando-se apenas para a imagem e para o título?

3. Como se chama o diretor do filme?

4. Quais são os principais atores que participam do filme?

1. As 4 primeiras questões exploram a identificação de informações, ora encontrados nas imagens, ora no texto verbal do cartaz brasileiro. Classificamos essas questões no modelo da Decodificação. Na primeira questão, o leitor é orientado para comparar os aspectos visuais mais imediatos dos dois cartazes, sem que haja aprofundamento ou justificativa para as possíveis hipóteses. Apenas a questão 2 encaminha a leitura para

que o leitor relacione a imagem com o texto escrito, entretanto as hipóteses não passam por uma verificação ou, ainda, pela sugestão de conferir sua resposta se o filme fosse assistido. Já as questões 3 e 4 solicitam a localização de informações relacionadas apenas à linguagem verbal do cartaz brasileiro. No caso da questão 3, caberia ao leitor realizar uma leitura inferencial para reconhecer que o nome do diretor é apresentado isoladamente dos outros nomes e que, com as informações contidas no próprio enunciado da questão 4, a dedução é facilitada pela informação de que o conjunto de nomes refere-se aos principais atores do filme. Contudo, não há orientações explícitas para chegar a essa conclusão como, por exemplo a noção de hierarquia na disposição do texto na composição do cartaz. A seguir, apresentamos as questões 5 e 6:

5. Por que você acha que o nome de uma das atrizes está com maior destaque no cartaz?

6. No cartaz japonês, a imagem superior antecipa o final da história. O que se pode concluir a respeito?

2. As questões 5 e 6 são tomadas como pertencentes ao grupo das propostas de leitura do modelo Interativo. Embora não sejam questões que permitam elaborações mais complexas em suas respostas, solicitam ao leitor a presença de justificativa para as hipóteses levantadas. A questão 5 é sustentada pela noção de destaque que é dado ao nome da atriz Norma Bengell no cartaz brasileiro e solicita ao leitor uma explicação do porquê desse destaque. Infelizmente, a única informação oferecida pelo texto de abertura, antes das questões, e que poderia ser utilizada para responder à questão é a de que o filme foi produzido em 1962 e o leitor poderia deduzir que, naquela época, a atriz fosse mais famosa. Já a questão 6 elabora a hipótese de que o cartaz antecipa o final da história e solicita ao leitor que elabore uma conclusão (justificativa) para a escolha desta cena no cartaz japonês.

Em síntese, as atividades poderiam ter explorado com maior complexidade esses dois textos publicitários selecionados para a coletânea. Não houve elaborações explícitas nos enunciados que permitissem ao leitor reconhecer, por exemplo, a tonalidade escura do cartaz brasileiro que poderia oferecer uma conotação sombria e dramática sobre o tema ao ser comparado com as tonalidades pastéis do cartaz japonês. Por essa razão, enfatizamos que as linguagens em si não são, em geral, analisadas pelas atividades, que priorizam trabalhar apenas com o significado dos conteúdos. Além disso, as atividades não

solicitam (nem oferecem) qualquer exercício de contextualização histórico-cultural entre os dois países ou, em outras palavras, a necessidade de reconhecer o público alvo para cada um dos cartazes do mesmo filme: no caso brasileiro, a referência ao cristianismo é mais evidente por tratar-se de um público majoritariamente cristão (ou católico) enquanto no caso japonês (com minoria cristã/católica), o cartaz apresenta duas posições principais: do homem aparentemente morto ao lado de uma cruz envoltos por uma população curiosa e, em um plano sobreposto, a imagem da briga46 de duas mulheres (cena esta que, aliás, dura

poucos segundos e não representa o tema central do filme).

Essas discussões, entre outras, poderiam ter sido exploradas em abordagens discursivas ao encaminhar a leitura para questões relacionadas ao funcionamento dos gêneros que, no presente caso, seriam 3: o gênero publicitário (cartaz), o gênero cinematográfico e o gênero teatral. Em nenhum desses casos, as atividades oferecem a possibilidade ao leitor para que este reconheça as particularidades de cada gênero e, além disso, das diferentes representações desses gêneros nos dois países (Brasil e Japão).

Para concluir nosso terceiro exemplo, salientamos que uma seleção relativamente boa de gêneros para a coletânea não garante a qualidade de sua abordagem na formação de leitores, que poderiam ser capazes de reconhecer, com maior complexidade o funcionamento desses gêneros em sociedade, uma vez que tratamos de um caso extraído do volume destinado à 8ª série.