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Vimos que para fazer funcionar o instituto da responsabilidade civil, será sempre necessário demonstrar que um sujeito praticou um facto ilícito e culposo, do qual resultou um

dano219. A acrescer, daqui se depreende que o dano tem necessariamente de ter tido origem

naquele facto, tem de ser a sua consequência. É esta a essência do nexo de causalidade, da relação causa-consequência que se exige.

Nos termos do art. 563.º, “[a] obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Significa isto que se

exige uma relação de causa-consequência entre a lesão e o dano220, motivo pelo qual o nexo de

216 Salvaguardem-se, contudo, alguns casos em que tal não sucede, nomeadamente por a Lei apenas permitir a indemnização dos danos

emergentes. Estas situações encontram-se plasmadas nos arts. 899.º, e 909.º, configurando, assim, casos de responsabilidade contratual.

217 Cfr. Direito…, cit., p. 299.

218 Assim, Mário ALMEIDA COSTA, Direito…, cit., p. 547. Por outro lado, em sede de determinação do quantum indemnizatório, a Lei prevê, no art.

609.º, n.º 2, do CPC, a possibilidade de, não existindo ainda elementos suficientes para fixar o objeto ou a quantidade do pedido, o Tribunal condenar no que vier a ser liquidado, sem prejuízo da condenação imediata relativamente à parte que já seja líquida. Assim, leia-se também o Acórdão do STJ, de 30/04/2014 (Mário Belo Morgado), proferido no âmbito do processo n.º 593/09.7TTLSB.L1.S1, consultado em setembro de 2015, “[e]m face da insuficiência de elementos para determinar o montante indemnizatório, nada obsta a que se profira condenação ilíquida, com a consequente remissão do apuramento da responsabilidade para momento posterior, desde que essa segunda oportunidade de prova não incida sobre a existência de danos, mas apenas sobre o respectivo valor”.

219 Nas palavras de Jorge SINDE MONTEIRO, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Colecção Teses, Coimbra,

Almedina, 1999, p. 472, “[q]ualquer que seja o fundamento da responsabilidade, é sempre necessária a verificação de um nexo de causalidade, não bastando que alguém se tenha comportado em correspondência com a informação, sofrendo um dano”.

220 Assim, António MENEZES CORDEIRO, Tratado…, cit., p. 535; Fernando PESSOA JORGE, Ensaio…, cit., p. 388; João ANTUNES VARELA, Das

Obrigações…, cit., p. 617; Luís MENEZES LEITÃO, Direito…, cit., pp. 309 e 310; Mário ALMEIDA COSTA, Direito…, cit., p. 605; Francisco PEREIRA

COELHO, O problema…, cit., p. 187, evidenciando esta necessária relação, “[a]o lado do problema da causalidade não há pois lugar para o

problema da extensão do dano a indemnizar como um problema autónomo: o dano a indemnizar é o dano causado pelo facto, apenas cumprindo avaliar este dano”.

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causalidade tem uma dupla função de “[…] pressuposto da responsabilidade civil e de medida

da indemnização”221.

A este propósito, alguns autores222 tendem a considerar que, numa primeira leitura, o

normativo em causa estaria em conformidade com a teoria da equivalência das condições ou da conditio sine qua non, a qual, em linhas gerais, “[…] considera causa de um evento toda e qualquer condição que tenha concorrido para a sua produção, em termos tais que a sua não

ocorrência implicaria que o evento deixasse de se verificar”223. Deste modo, todas as condições

mostrar-se-iam equivalentes para a produção do resultado e todas seriam causa do evento, uma

vez que, falhando uma delas, este não mais se produziria224.

Todavia, embora o cerne deste entendimento se encontre de acordo com aquele normativo legal, não pode ser considerado de modo literal, uma vez que, a assim ser, obteríamos resultados absurdos, traduzidos numa ilícita extensão da responsabilidade do devedor225.

Por estes motivos, impõe-se uma interpretação corretiva daquela teoria, por forma a aditar-lhe um elemento objetivo, aliando-se, desse modo, o caráter concreto à suavização interposta pelas ideias de generalidade e abstração. Foi desta necessidade que nasceu a teoria

que é hoje unanimemente aceite no nosso ordenamento, a da causalidade adequada226.

Nas palavras de JOÃO ANTUNES VARELA, a teoria da causalidade adequada tem como

pressuposto a ideia de que “[…] para impor a alguém a obrigação de reparar o dano sofrido por

outrem, não basta que o facto praticado pelo agente tenha sido, no caso concreto, condição

221 Vide Mário ALMEIDA COSTA, Direito…, cit., p. 605;

222 Assim, Fernando PESSOA JORGE, Ensaio…, cit., pp. 408 e 409 e João ANTUNES VARELA, Das Obrigações…, cit., pp. 898 e 899. 223 Cfr. Luís MENEZES LEITÃO, Direito…, cit., p. 310. No mesmo sentido, António MENEZES CORDEIRO, Tratado…, cit., p. 533; 224 Assim, Inocêncio GALVÃO TELLES, Direito…, cit., pp. 398 ss.

225 A título de ilustração, atentemos na seguinte hipótese, trazida até nós por Fernando PESSOA JORGE, “[…] por força do estipulado em certo

arrendamento, é no domicílio do senhorio que o arrendatário deve satisfazer a renda. O arrendatário não procede em conformidade com essa estipulação, deixando passar o vencimento sem ir ou mandar alguém ao domicílio do senhorio entregar o dinheiro devido. Perante este facto, o senhorio, necessitando urgentemente desse dinheiro, vai à procura do arrendatário, que vive noutra localidade; súbita rajada de vento ciclónico atira para um precipício o senhorio, que morre. O facto de o arrendatário ter deixado de cumprir a sua obrigação foi condição da morte do senhorio porque, se não fora esse facto, o senhorio não se teria deslocado ao sítio onde o ciclone o surpreendeu e lhe tirou a vida. Mas também aqui chocaria o sentimento jurídico responsabilizar o arrendatário pela morte do senhorio”. Cfr. Ensaio…, cit., p. 400.

226 E que, reitere-se, é aceite mesmo por aqueles autores que chamavam a atenção para o facto de a redação do artigo 563.º, não ser muito feliz

e poder sugerir, aos olhos menos atentos, a ideia da teoria da equivalência das condições. Importa, ainda assim, dar nota da posição original de FernandoPESSOA JORGE que, não obstante reconheça a consagração da teoria da causalidade adequada, entende que a mesma se encontra, na verdade, consagrada no artigo 562.º – Idem, p. 409.

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(s.q.n.) do dano; é necessário ainda que, em abstracto ou em geral, o facto seja uma causa

adequada do dano”227.

Em suma, esta doutrina defende que em ordem a averiguar se determinado facto é causa adequada para a produção de determinado evento danoso, não basta que, no caso em concreto, tenha efetivamente contribuído para a sua produção, é ainda necessário que, em geral e segundo as regras da experiência, numa outra situação semelhante, o mesmo facto fosse

também considerado idóneo a produzir aquele resultado228. Vale isto por dizer, como bem explica

LUÍS MENEZES LEITÃO, que esta teoria “[…] aceita que essa avaliação tome por base não apenas

as circunstâncias normais que levariam um observador externo a efectuar um juízo de previsibilidade, mas também circunstâncias anormais, desde que recognoscíveis ou conhecidas pelo agente”229.

Assim, se o comportamento ilícito do agente for conditio sine qua non, quer em sentido

concreto230, quer em sentido abstrato, nos termos vindos de referir, incluir-se-á no escopo

normativo do art. 563.º, e, por isso, será contabilizado para efeitos de cálculo da obrigação

227 Cfr. Das Obrigações…, cit., p. 889.

228 Numa formulação negativa da questão, conclui Inocêncio GALVÃO TELLES, Direito…, cit., p. 405, “[…] uma condição deixará de ser causa

adequada, tornando-se pois juridicamente indiferente, desde que seja irrelevante para a produção do dano segundo as regras da experiência, dada a sua natureza e atentas as circunstâncias conhecidas do agente, ou susceptíveis de ser conhecidas por uma pessoa normal, no momento da prática da acção”. Já António MENEZES CORDEIRO, Tratado…, cit., p. 549, entende existir não só este plano negativo, mas também um plano

positivo da causalidade. Assim, sustenta o autor, “[n]o primeiro plano, opera, como filtro negativo, a conditio sine qua non. Se o facto ilícito for indiferente para a produção do dano, não há como imputá-lo ao agente. Mas não chega: pela positiva, haverá que formular um juízo humano de implicação; dadas as condições existentes, era compaginável, para a pessoa normal, colocada na situação de agente, que a conduta deste teria como resultado razoavelmente provável ou, simplesmente, possível, a produção do dano”.

229 Cfr. Direito…, cit., p. 312. Também com este entendimento, exemplifica João ANTUNES VARELA, Das Obrigações…, cit., p. 892, “[u]m indivíduo

agrediu outro com uma bofetada. Porque o agredido padecia de grave doença cardíaca, a bofetada provocou a sua morte. Deverá a doença de que o agredido era portador ser ou não tomada em linha de conta no juízo que o julgador tem de fazer sobre a adequação da causa? […] A doutrina mais acertada é a que entende que na tal prognose confiada ao julgador, ou no juízo abstracto da adequação, se devem tomar em consideração apenas as circunstâncias reconhecíveis à data do facto por um observador experiente; mas que, além dessas, devem ainda ser incluídas as circunstâncias efectivamente conhecidas do lesante na mesma data, posto que ignoradas das outras pessoas”. Em sentido ligeiramente diverso, Juan Gisbert CALABUIG, «Nexo de causalidad en valoración del daño corporal», Revista Portuguesa do Dano Corporal, Ano VI,

N,º 7, Novembro 1997, AP, ADAC, pp. 9 a 35, defende, “[e]sta teoria de la causalidad adecuada excluye de la responsabilidad los hechos excepcionales o anormales, que hayan sido subsiguientes a un determinado comportamiento” (p. 12).

230 Esta necessidade de concretização da causa está bem latente na seguinte hipótese: “[n]ão basta, por exemplo, que o facto seja em princípio

capaz de produzir a morte de alguém, para que o falecimento da vítima seja forçosamente considerado como um efeito adequado desse facto. Suponhamos que A agrediu B em termos de ter podido provocar a sua morte. Graças, porém, à sua excepcional robustez física, B salva-se dos efeitos da agressão, mas vem a morrer quando, à saída do hospital, é atropelado por um veículo ou agredido a tiro por um enfermeiro. O facto de a lesão ter carácter mortal e de ter sido mesmo condição da lesão que veio a vitimar o agredido, não significa que ela tenha sido a causa adequada da morte dele”. Cfr. João ANTUNES VARELA, Das Obrigações…, cit., p. 897.

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indemnizatória. Será, portanto, a prova desta cadeia de acontecimentos que o lesado terá, nos

termos do art. 342.º, de demonstrar em juízo para poder sustentar a indemnização pretendida231.

Contudo, importa salientar, “[o] nosso sistema jurídico consagra a vertente ampla da causalidade adequada, não se exigindo a exclusividade do facto condicionante do dano, sendo configurável a concorrência de outros factores condicionantes, contemporâneos ou não, ao mesmo tempo que se admite também a causalidade indirecta, bastando que o facto

condicionante desencadeie um outro que suscite directamente o dano”232.

231 Assim, Acórdão do STJ, de 12/03/2015 (Helder Roque), proferido no âmbito do processo n.º 1212/08.4TBBCL.G2.S1, consultado em

setembro de 2015, “[o] facto só deixará de ser causa adequada do dano, desde que o mesmo se mostre, por sua natureza, de todo inadequado à sua verificação, e tenha sido produzido, apenas, em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais, o que não acontece quando o comportamento do lesante foi determinante, ao nível da censura ético-jurídica, para desencadear o resultado danoso”.

232 Vide Acórdão do STJ de 08/10/2014 (António Leones Dantas), processo n.º 4028/10.4TTLSB.L1.S1, consultado em setembro de 2015. Esta

formulação jurisprudencial serve de introdução às ideias de causalidade cumulativa e de causalidade virtual – rectius, da relevância negativa da causa virtual. Sobre este tema, vide, entre outros, Paulo MOTA PINTO, «Sobre Condição e Causa na Responsabilidade Civil (Nota a Propósito do

Problema de Causalidade da Causa Virtual» in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves, Vol.III, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pp. 929 a 967.

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CAPÍTULO 3

O DANO DA PERDA DE CHANCE – Caracterização e Análise