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Do Poder Paternal às Responsabilidades Parentais – O Âmbito do Poder-Dever que

O ordenamento jurídico português não tem sido alheio a todas estas majorações ao estatuto da criança, especialmente no que respeita à sua relação com os progenitores e, nessa medida, à caracterização dos direitos em causa.

Cumpre destacar que uma das mais recentes e significativas alterações na matéria relativa às responsabilidades parentais ocorreu com a entrada em vigor da Lei n.º 61/2008, de

31 de Outubro16 que, entre outras mudanças, reformulou o termo “poder paternal”. Até à

entrada em vigor daquela Lei, os nossos diplomas e, em especial, o CC, aludiam ao poder paternal que impendia sobre os pais face à pessoa e aos bens do filho. Com a sua entrada em vigor, o legislador alterou o termo “poder paternal” e “exercício do poder paternal” para o conceito de “responsabilidades parentais” e correspondente “exercício das responsabilidades parentais”17.

O que poderia, à primeira vista, parecer uma alteração subtil traduz, na verdade, a mudança do paradigma jurídico face à perspetiva relacional da criança com os progenitores. “Na mudança de designação está obviamente implícita uma mudança conceptual que se considera relevante. Ao substituir uma designação por outra muda-se o centro da atenção: ele passa a estar não naquele que detém o “poder” – o adulto, neste caso – mas naqueles cujos direitos se

16 Esta Lei entrou em vigor a 1 de dezembro de 2008, sendo que, de acordo com o seu artigo 9.º, o regime nela previsto não se aplicava aos

processos à data pendentes em Tribunal. Para um estudo mais aprofundado acerca das alterações introduzidas por este diploma, vide, entre outros, Guilherme de OLIVEIRA, «A Nova Lei do Divórcio», Lex Familiae, Ano 7 – nº 13 – 2010, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 5 a 32 e Tomé d’

ALMEIDA RAMIÃO, O Divórcio e Questões Conexas. Regime Jurídico Atual, 3.ª ed. revista e aumentada, Quid Juris, 2011.

17 Importa, todavia, ressalvar que a aludida Lei não logrou proceder a essas alterações em todo o diploma, sendo que, nomeadamente nos arts.

122.º ss, manteve a designação anterior. Aliás, não deixa de ser curioso o facto de, com a aprovação da L. n.º 143/2015, de 08 de setembro, que procedeu à mais recente alteração ao CC, o legislador ter demonstrado especial preocupação em alterar a expressão “menor” por “criança” em vários dispositivos legais (cfr., por exemplo, arts. 1976.º e 1978.º) – supomos, por entender que a expressão “menor” poderia, de alguma forma, denotar algum sentido pejorativo – e, naquilo que consideramos demonstrar um contrasenso da sua intenção, não ter procedido à alteração do termo poder paternal naqueles preceitos; este sim, que no nosso entender, transmite uma ideia de posse, de propriedade.

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querem salvaguardar, ou seja, as crianças”. Ademais, refira-se,“[…]sempre se entendeu que o

termo era infeliz pois exprimia logo a ideia (falsa) de um poder-sujeição e de uma clara

ascendência do pai homem”18.

Temos, pois, que esta alteração assume grande relevo não apenas no realce da ideia de

que este instituto traduz uma partilha da responsabilidade entre ambos os progenitores19, mas

ainda, e sobretudo, na consagração das responsabilidades parentais como um poder funcional20

daqueles, o que implica que deve ser exercido para e no interesse da criança21.

Nos termos da Lei portuguesa, “[é] menor quem não tiver ainda completado dezoito anos de idade” – art. 122.º.

Há que salientar que a menoridade se apresenta, no nosso ordenamento jurídico, como uma incapacidade. Não uma incapacidade para a titularidade de direitos – pois que, enquanto pessoa, o menor adquire personalidade jurídica aquando do nascimento e, com ela, a titularidade dos correspondentes direitos inalienáveis – mas uma incapacidade geral para o

18 Helena BOLIEIRO e Paulo GUERRA, A Criança e a Família – Uma Questão de Direito(s). Visão Prática dos Principais Institutos do Direito da Família

e das Crianças e dos Jovens, 2.ª ed. (actualizada), Coimbra, Coimbra Editora, 2014, p. 176. No mesmo sentido, Guilherme deOLIVEIRA, «Transformações do direito da família» in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 da Reforma de 1977, Volume I. Direito da Família e das Sucessões, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 763 a 779, p. 776. Exemplificando outra das alterações concetuais que emergiram com esta Lei, Maria Clara SOTTOMAYOR, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 6.ª ed. revista, aumentada e

atualizada, Coimbra, Almedina, 2014, pp. 24 e 25, destaca, “[…] o abandono da noção de guarda prevista no art. 1905.º, n.º 2, […] e a sua substituição pela noção de residência utilizada no art. 1906.º[…]”. Todavia, a autora tende a esvaziar o conteúdo desta particular alteração, fazendo equivaler os conceitos, na medida em que, no seu entender,“[a] determinação da residência da criança junto de um dos pais não pode significar apenas o estabelecimento do local e da pessoa com que a criança coabita no dia-a-dia. Tem que significar, também, a prestação de cuidados básicos e o exercício dos direitos-deveres de educação e de protecção da criança no quotidiano […]”.

19 Como bem salienta Tomé d’ALMEIDA RAMIÃO, O Divórcio…, cit., p. 243, “[…] impôs um regime de exercício conjunto das responsabilidades

parentais em questões de particular importância, aquando do divórcio, da separação judicial de pessoas e bens, de declaração de nulidade e anulação de casamento, regime extensível aos filhos de pais não unidos pelo casamento”.

20 Sobre a noção do poder funcional enquanto direito subjetivo de conteúdo altruísta, vide Eduardo Santos SILVA, Introdução ao Estudo do Direito, I

Volume, Sintra, 1998, pp. 341 e 342. Também A. SANTOS JUSTO, Introdução ao Estudo do Direito, 6.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2012,

p. 53 define poder(es) funcional(ais) como “[…] direitos acompanhados de deveres: o seu titular não é livre de exercer as inerentes faculdades ou poderes; é também obrigado a actuar, porque em causa estão interesses que não são apenas seus”, deles dando de exemplo as responsabilidades parentais. No mesmo sentido, realçando o dever de boa fé a que estão sujeitos os titulares destes poderes, Pedro PAIS DE

VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 7.ª edição, Coimbra, Almedina, 2012, p. 226.

21 Tomé d’ALMEIDA RAMIÃO, O Divórcio…, cit., p. 142, reforçando a ideia de que esta alteração tem na sua génese uma necessidade de se proteger

primeiramente os Direitos da Criança, explica, “[e]sta mudança pareceu essencial por vários motivos. […] a designação anterior supõe um modelo implícito que aponta para o sentido de posse, manifestamente desadequado num tempo em que se reconhece cada vez mais a criança como um sujeito de direitos”. Vide, no mesmo sentido, Jorge DUARTE PINHEIRO, O Direito da Família Contemporâneo, Lisboa, AAFDL, 2008, pp.

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exercício dos mesmos22. Com efeito, postula o art. 123.º, que, “[s]alvo disposição em contrário,

os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos”23.

Ora, verificada esta incapacidade e assente a necessidade de se atribuir à criança um estatuto próprio dotado de especiais características, a Lei busca a promoção e proteção dos direitos que, enquanto pessoa, lhe assistem, privilegiando o instituto das responsabilidades

parentais, nos termos que (infra) melhor analisaremos24.

2.1.1. Conteúdo das responsabilidades parentais

Em primeira linha, e decalcando os ensinamentos que a doutrina coloca à nossa disposição, importa destacar que nas responsabilidades parentais se incluem, genericamente, o “poder-dever de guarda”, o “poder-dever de dirigir a educação”, o “poder-dever de

representação”, o “poder-dever de administração dos bens” e o “dever de prover ao sustento”25.

22 Acerca da distinção entre capacidade de gozo e capacidade de exercício de direitos, vide, entre outros, Inocêncio GALVÃO TELLES, Introdução ao

Estudo do Direito, Volume II, 10.ª edição (refundida e actualizada), Coimbra, Coimbra Editora, 2000, pp. 158 ss; Pedro PAIS DE VASCONCELOS,

Teoria…, cit., p. 80, faz referência à capacidade de gozo como a “capacidade de direito” e à capacidade de exercício como a “capacidade de agir”. No mesmo sentido, Heinrich Ewald HORSTER, A Parte Geral do Código Civil Português. Teoria Geral do Direito Civil, (reimpressão da edição

de 1992), Coimbra, Almedina, p. 310, realça ainda, relativamente à capacidade de exercício de direitos, o caráter negocial que se lhe encontra associado.

23 O estado de incapacidade geral de exercício de direitos associado à menoridade cessa assim que o menor atinja a maioridade ou se emancipe

através do casamento – cfr. arts. 130.º, e 132º. Existem, todavia, para além dos atos puramente pessoais, atos para os quais o menor dispõe, nos termos legais, de plena capacidade de exercício, entre os quais, os previstos no artigo 127.º, aos quais acrescem a capacidade para perfilhar prevista no artigo 1850.º, e ainda a capacidade sucessória prevista no artigo 2033.º. Para uma análise mais pormenorizada acerca das chamadas “maioridades especiais” do menor, recomendamos a leitura do artigo de Sónia MOREIRA, «A capacidade dos menores para o

consentimento em atos médicos», texto apresentado no Colóquio Informação e Consentimento na Prestação de Cuidados de Saúde, realizado na Escola de Direito da Universidade do Minho, no dia 22 de novembro de 2013, pp. 1 a 15, donde se destacam as referências aos arts. 1289, n.º 2, (capacidade para adquirir por usucapião), 1266.º, (capacidade para adquirir a posse), 263.º, (capacidade natural do menor no âmbito da representação voluntária), 1600.º, (capacidade para casar), 1901.º, n.º 2, (capacidade para ser ouvido pelo tribunal no âmbito de decisões acerca de questões de particular importância), 1981.º, n.º 1, al. a), (capacidade do maior de 12 para consentir na adoção), e ao art. 1957.º, n.º1, (capacidade do maior de 16 para convocar o conselho de família) – (pp. 4 a 9).

24 Neste sentido, leia-se o Preâmbulo da Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º

20/90, a qual, expondo os motivos e os fundamentos daquele diploma, refere expressamente ser o mesmo aprovado “[t]endo presente que, como indicado na Declaração dos Direitos da Criança, adotada em 20 de Novembro de 1959 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, «a criança, por motivo da sua falta de maturidade física e intelectual, tem necessidade de uma proteção e cuidado especiais, nomeadamente de proteção jurídica adequada, tanto antes como depois do nascimento»”.

25 Jorge DUARTE PINHEIRO, O Direito…, cit., pp. 297 a 307. Para uma análise profunda acerca do âmbito de cada um destes poderes-deveres,

leiam-se, entre outros, João de CASTRO MENDES, Direito da Família, edição revista e ampliada por Miguel Teixeira de Sousa, Lisboa, AAFDlL,

1990/1991, pp. 341 a 352; Armando LEANDRO, Poder…, cit., pp. 124 a 127; Eduardo dos SANTOS, Direito…, cit., pp. 515 a 537; José Carlos

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Analisemos, então, o âmbito de cada um deles.

a) Poder-dever de guarda26

O poder-dever de guarda dos pais contende, conforme a própria expressão indica, com o ato de “guardar” os filhos, mantê-los junto a si, velando pela sua saúde e segurança. É neste sentido que o art. 36.º, n.º 6, da CRP estatui que “os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre

mediante decisão judicial”. Como “garantia de não privação dos filhos”27, o legislador estipulou

que os filhos deverão residir com os pais, encontrando-se sob “reserva de lei” e “reserva de

decisão judicial”28 as situações em que poderão deles ser afastados – cfr. arts. 1915.º e 1918.º–

, situações cuja análise remetemos para o ponto 3.3., infra.

b) Poder-dever de manutenção e educação

Devendo os filhos residir com os pais, sobre estes recaem naturalmente o direito e o

dever de educação e manutenção daqueles – art. 36.º, n.º 5, da CRP. Nas palavras de GOMES

CANOTILHO e de VITAL MOREIRA “[o] dever de educação e manutenção dos filhos, além de um

dever ético-social, é um dever jurídico, nos termos estabelecidos na lei civil (arts. 1877.º e ss) e

em convenções internacionais (cfr. Protocolo n.º 7 à CEDH, art. 5.º)”29.

Este poder funcional deve ser tido por referência ao art. 1885.º, nos termos do qual aos

pais incumbe, de acordo com as suas possibilidades, a obrigação de promover o

desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos (n.º 1), bem como de lhes proporcionar

Fátima DUARTE, O Poder Paternal. Contributo para o estudo do seu actual regime, Lisboa, AAFDL, 1989, pp. 49 a 145 e Helena BOLIEIRO e Paulo GUERRA, A Criança…, cit., pp. 181 a 183.

26 A este propósito parece-nos oportuno frisar que mesmo em sede de cooperação internacional, a questão alusiva ao poder-dever de guarda dos

pais assume grande relevo, tendo, aliás, dado origem à celebração de várias convenções acerca da guarda dos menores, de que são exemplos o Decreto n.º 136/82, de 21 de Dezembro (aprovou a Convenção Europeia sobre o Reconhecimento e a Execução das Decisões Relativas à Guarda de Menores e sobre o Restabelecimento da Guarda de Menores) e o Decreto do Governo n.º33/83, de 11 de Maio (aprovou a Convenção Sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças).

27 GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p.

566. Como corolário desta garantia, resulta da conjugação entre os arts. 1887.º, n.º 2, do CC, e o art. 49.º, n.º1, do RGPTC, a possibilidade de se requerer a entrega judicial do menor sempre que este “[…] abandone a casa paterna ou aquela que os pais lhe destinaram, ou se se encontrar fora do poder da pessoa ou do estabelecimento a quem esteja legalmente confiado”.

28 Expressões veiculadas por GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA,Constituição…, cit., p. 566.

29 Idem, p. 566. Diogo LEITE DE CAMPOS, Lições de Direito da Família e das Sucessões, 2.ª edição revista e actualizada (reimpressão da edição de

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adequada instrução geral e profissional, correspondente, na medida do possível, às aptidões e

inclinações de cada um (n.º 2)30.

Não se mostra despiciendo equacionar, nesta sede, o eventual reconhecimento do poder-dever de correção, não raras vezes tido como o direito de castigar ou direito ao castigo. De facto, embora reconhecendo aos pais o poder de dirigir a educação dos filhos – o qual, naturalmente, implica a necessidade de disciplina – certo é que foi o próprio legislador quem aboliu o conceito de “poder de correção”, anteriormente consagrado no art. 1884.º, do CC de 1966, pois que, compreendendo então o direito ao castigo, poderia, em certos casos, legitimar

um abuso de poder por parte dos pais31.

c) Poder-dever de representação

Quanto ao poder-dever de representação da criança, nos termos do disposto no art.

1881.º, n.º1, e socorrendo-nos dos ensinamentos de SÓNIA MOREIRA, podemos identificá-lo com

as situações em que,“[…] não podendo o menor exercer por si os direitos de que é titular […], ver-se-á substituído em tal exercício pelo seu representante legal, sendo este, geralmente, o pai,

ou a mãe, ou ambos, dependendo de quem é o detentor do poder paternal, rectius, de quem

exerce o poder paternal”32. Deste modo, com exceção do exercício de direitos para os quais a lei

lhes reconhece capacidade plena33, os menores são representados pelos seus pais em qualquer

negócio jurídico que celebrem, cabendo também a estes a sua representação perante quaisquer

30 Assim, Jorge DUARTE PINHEIRO, O Direito…, cit., pp. 300 e 301. O autor menciona também a individualização vincada pelo art. 1886.º,

relativamente ao poder de educação religiosa dos pais face aos filhos menores de 16 anos, remetendo, ainda, para o art. 11.º, da Lei n.º 16/2001, de 22 de junho (Lei da Liberdade Religiosa).

31 Para maiores desenvolvimentos acerca do âmbito jurídico-penal do “direito de castigo”, leiam-se, entre outros, Paula Ribeiro deFARIA, «A Lesão

da Integridade Física e o Direito de Educar. Uma questão também jurídica» in Nos 20 anos da Faculdade de Direito da U.C.P. Porto, Juris et de Jure, Porto, 1998, pp. 901 a 929; Filipe Silva MONTEIRO, O Direito de Castigo ou O Direito dos Pais Baterem nos Filhos. Análise Jurídico-Penal,

Livraria Minho, Braga, 2002 ; Armando LEANDRO, «A Problemática da Criança Maltratada em Portugal. Aspectos Jurídicos e Judiciários», Revista

do Ministério Público, ano 9.º, 1988, n.º 35 e 36, pp. 62 e 63; e ainda Fausto AMARO, «Aspectos Socioculturais dos Maus Tratos e Negligência de Crianças em Portugal», Revista do Ministério Público, ano 9.º, 1988, n.ºs 35 e 36, pp. 85 a 90 (p. 88).

32 Cfr. «A Autonomia do Menor no Exercício dos seus Direitos», Scientia Ivridica, Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Setembro-

Dezembro, 2001 – Tomo L – N.º 291, pp. 159 a 169, p. 160. A autora alerta ainda para o facto de, em certos casos, mesmo enquanto representantes legais do filho menor, os progenitores se encontrarem sujeitos à prévia autorização do Tribunal para a prática de certos atos relativamente à administração dos bens do menor, conforme dispõem os arts. 1889.º, e 1892.º. Todavia, ressalve-se, e embora o CC não tenha sido alterado nestas disposições, a competência exclusiva para esta autorização corresponde ao MP, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 2.º, n.º 1, al. b), do DL n.º 272/2001, de 13 de Outubro, o qual veio operar a transferência de competência decisória em determinados processos de jurisdição voluntária dos tribunais judiciais para o Ministério Público e as conservatórias do registo civil.

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entidades, sejam elas públicas ou privadas – ou seja, estão sujeitos ao instituto da representação, quer para efeitos patrimoniais, quer para efeitos pessoais.

É então possível afirmar que o poder-dever de representação da criança pelos pais, por

um lado, traduz o modo de suprimento da já aludida incapacidade de exercício34 e, por outro,

evidencia a função protetiva que lhe subjaz. Isto é, só se justifica o reconhecimento daquela incapacidade e correspetivo suprimento na medida em que estes sirvam os interesses do

menor35. Aliás, parece ser também este o sentido da disposição do art. 125.º, que comina com a

anulabilidade os negócios jurídicos praticados pelo menor para os quais seja considerado

incapaz, quando esta incapacidade não seja suprida pelo representante legal36.

d) Poder-dever de administração dos bens

Este poder-dever traduz um dos corolários dos efeitos patrimoniais das

responsabilidades parentais. Cabe aos pais, em regra37, prover à administração dos bens em

nome dos filhos menores com o mesmo cuidado com que administram os seus bens – cfr. arts. 1878, n.º 1, e 1897.º. A esta regra excecionam-se os bens previstos no art. 1878.º, e alguns atos que, conforme já salientado, apenas poderão ser praticados mediante autorização do Ministério Público – vide arts. 1889.º, e 1892.º do CC e 2.º, n.º 1, al. b), e 3.º, do Decreto-Lei

n.º 272/2011, de 13 de Outubro38.

e) Dever de sustento

O dever de sustento, desde logo merecendo especial destaque por consubstanciar um dever no sentido restrito (isto é, por não assumir a natureza de poder funcional que até agora se verificou) consiste na obrigação de alimentos que recai sobre os pais face aos filhos. Atento o disposto no art. 1878.º, os pais são obrigados a prover ao sustento dos filhos, assumindo as

34 Cfr. arts. 16.º, n.ºs 2 e 3, e art. 18.º, do CPC.

35 Como tal, na hipótese de conflito entre os interesses dos pais e os interesses do filho, será este representado por um curador nomeado pelo

tribunal – cfr. art. 1881.º, n.º 2.

36 Note-se, porém, que de acordo com o art. 126.º, por razões que se prendem com a proteção dos interesses do terceiro de boa fé, “[…] não

tem o direito de invocar a anulabilidade o menor que para praticar o ato tenha usado de dolo com o fim de se fazer passar por maior ou emancipado”.

37 De acordo com os arts. 1913.º, e 1915.º, nos casos em que seja decretada a inibição das responsabilidades parentais relativamente a

qualquer um ou a ambos os progenitores, cessa este poder de administração.

38 Assim, Jorge Duarte PINHEIRO, O Direito…, cit., p. 304. Para uma leitura mais aprofundada acerca desta matéria, recomendamos Eduardo dos

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despesas que respeitem à sua segurança, saúde e educação, obrigação esta que é corroborada

pela CRP, no artigo 36.º, n.º 539.

Como ensina JORGE DUARTE PINHEIRO, este dever “[…] compreende a habitação, o

vestuário, a alimentação e todas as prestações conexas […] (v.g., prestações com a saúde e a segurança, exigidas pelo poder-dever de guarda, ou com a educação, decorrentes do poder-dever de educar)”40.

A acrescer, e partindo daquele que vem sendo o entendimento da doutrina e da jurisprudência, os pais encontram-se obrigados não só a prover ao sustento dos filhos, nos termos ora descritos, como ainda a proporcionar-lhes um estilo de vida idêntico àquele de que

eles próprios disponham41.