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Ana Margarida Pinto Moura. Os Maus Tratos Parentais e o Dano da Perda de Chance Uma Via Alternativa de Responsabilidade Civil?

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Ana Margarida Pinto Moura

outubro de 2015

Os Maus Tratos Parentais e o Dano

da Perda de Chance – Uma Via Alternativa

de Responsabilidade Civil?

Ana Mar garida Pint o Mour a Os Maus T ratos P arent ais e o Dano da P erda de Chance – Uma V ia Alternativ a de R esponsabilidade Civil? UMinho|20 15

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Ana Margarida Pinto Moura

outubro de 2015

Os Maus Tratos Parentais e o Dano

da Perda de Chance – Uma Via Alternativa

de Responsabilidade Civil?

Trabalho efetuado sob a orientação da

Professora Doutora Sónia Moreira

Dissertação de Mestrado

Mestrado em Direito dos Contratos e da Empresa

Universidade do Minho

Escola de Direito

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Nome: Ana Margarida Pinto Moura

Endereço eletrónico: ana.moura642@gmail.com Número de Cartão de Cidadão: 13774496 Título da dissertação:

“Os Maus Tratos Parentais e o Dano da Perda de Chance – Uma Via Alternativa de Responsabilidade Civil?”

Orientadora: Professora Doutora Sónia Moreira Ano de Conclusão: 2016

Designação do Mestrado: Direito dos Contratos e da Empresa

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO PARCIAL DESTA DISSERTAÇÃO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

Universidade do Minho, ___/___/______

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AGRADECIMENTOS

Abraçar este projeto foi, sem dúvida, uma das jornadas que maior impacto teve sobre mim, tanto a nível profissional, como pessoal. Entre certezas e incertezas, a única constante ao longo de todo o percurso foi a segurança de saber que sempre tive para onde voltar.

Por esse motivo e muitos outros, aqui deixo o mais sincero agradecimento às pessoas que o tornaram possível.

Ao meu Pai, porque por causa dele vivo num mundo onde os super-heróis ainda derrotam os vilões e aos olhos de quem, às vezes, me sinto uma super-heroína. Obrigada.

À Rita e ao Miguel, porque mais do que irmãos, são quem me ensinou o que é a verdadeira cumplicidade, são as “minhas pessoas”, hoje e para sempre.

Ao Tiago, pela paciência, incentivo e apoio incondicionais, mas, acima de tudo, por todos os dias dar verdadeiro significado à palavra companheiro.

À Isabel e à Sofia, porque, perto ou longe, se tornaram amigas que levo para a vida. Ao meu Patrono, Dr. Severino Santos, porque, há muitos anos, foi quem me deu esperança e hoje ainda norteia o caminho que, enquanto profissional, luto por (per)seguir.

Finalmente, um especial agradecimento à Exma. Professora Doutora Sónia

Moreira, não apenas por ter aceitado o meu pedido para orientar este projeto, mas por tê-lo

feito concedendo-me total liberdade criativa e, sobretudo, pelas palavras de incentivo e conselhos nas horas de maior dúvida, sem os quais, estou certa, não teria sido possível conduzi-lo a bom porto.

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vii

Os Maus Tratos Parentais e o Dano da Perda de

Chance

– Uma

Via Alternativa de Responsabilidade Civil?

A completude de uma dissertação no segundo ciclo de estudos constitui, mais do que um projeto de investigação, a afirmação da vontade de dar os primeiros passos num caminho que se pretende rico em novas perguntas e na busca de novas soluções. Porque o mundo não se pinta de preto e branco, antes é colorido por uma enorme paleta, não podemos manter-nos alheios àquilo que a realidade da vida de novo nos traz.

Assim, através deste estudo, será nosso propósito equacionar um diferente paradigma na relação entre as responsabilidades parentais e a responsabilidade civil, concretamente, entre os maus tratos parentais e o – tão em voga – dano da perda de chance.

Até que ponto é possível construir uma ponte entre estas duas figuras? Poder-se-á, à luz das regras da causalidade do nosso ordenamento jurídico, responsabilizar os pais que, durante anos, violaram os seus deveres, maltratando os filhos, pela perda de chance de estes, já adultos, não conseguirem prover ao seu próprio sustento? Por outras palavras, poderá um filho responsabilizar os seus progenitores pela perda da oportunidade de entrar no mercado de trabalho? Existe nesta sede uma relação causal passível de conduzir à obrigação de indemnização nos termos gerais da responsabilidade civil?

Estas são algumas das questões que com maior ênfase nos ocuparão ao longo do presente estudo.

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Parental child abuse and the damage of loss of a

chance

– is it

an alternative via to civil liability?

A postgraduate study aims to go beyond the limits of a research project. It intends to take the first steps in a path that is full of new questions, and to search for novel solutions. As the world is not black and white but a diverse and colourful place, we need to be aware of the new developments brought by our daily life.

Through our study, we aim to propose a new paradigm for the relationship between parental liability and civil liability, more specifically, for the relationship between child abuse and the loss of a chance.

How can we build a bridge between these two liabilities? According to the causation law of our legal system could we charge the abusive parents for the loss of a chance of their adult sons and daughters in case they are unable to be economically self-sufficient? Could a son or a daughter charge their parents for the lack of opportunity to enter the job market? Is there a cause and effect relationship that could lead for a compulsory compensation according to the civil liability laws?

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ÍNDICE

PRINCIPAIS SIGLAS/ABREVIATURAS E INDICAÇÕES DE LEITURA ... xvii

1. Lista de Siglas e Abreviaturas ... xvii

2. Indicações de Leitura ... xviii

INTRODUÇÃO ... 1 §

PARTE I

RESPONSABILIDADES PARENTAIS

§ Sequência metodológica ... 5 CAPÍTULO 1 ... 7

GÉNESE DA FIGURA – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DA CRIANÇA ... 7

CAPÍTULO 2 ... 13

AS RESPONSABILIDADES PARENTAIS COMO UM PODER-DEVER ... 13

2.1. Do Poder Paternal às Responsabilidades Parentais – O Âmbito do Poder-Dever que Impende Sobre os Pais ...13

2.1.1. Conteúdo das responsabilidades parentais ...15

a) Poder-dever de guarda ...16

b) Poder-dever de manutenção e educação ...16

c) Poder-dever de representação ...17

d) Poder-dever de administração dos bens ...18

e) Dever de sustento ...18

2.2. O Exercício das Responsabilidades Parentais ...19

2.3. O Critério do Superior Interesse da Criança ...22

(13)

xii

CAPÍTULO 3 ... 37

INCUMPRIMENTO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS ... 37

3.1. Restrição e Inibição do Exercício ...37

3.2. Os Maus Tratos Parentais ...39

3.2.1. O conceito de Criança ou Jovem em perigo – os diferentes tipos de maus tratos ...42

a) Abuso físico ...43

b) Abuso psicológico...44

§ As particularidades da negligência/abandono e do abuso sexual ...44

A negligência e o abandono ...44

O abuso sexual ...45

3.3. A Proteção das Crianças em Perigo ...47

a) Apoio junto dos pais ...51

b) Apoio junto de outro familiar ...52

c) Confiança a pessoa idónea ...52

d) Apoio para a autonomia de vida ...52

e) Acolhimento familiar ...53

f) Acolhimento em instituição ...53

g) Confiança judicial com vista a futura adoção ...54

CAPÍTULO 4 ... 59

CONCLUSÕES PARCIAIS ... 59

§

PARTE II

O DANO DA PERDA DE

CHANCE

§ Sequência metodológica ...61

CAPÍTULO 1 ... 63

ENQUADRAMENTO GERAL DA FIGURA ... 63

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xiii

A PERDA DE CHANCE NO CONTEXTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL... 67

2.1. A Reponsabilidade Civil – Breve Apontamento ...67

2.2. O Dano ...71

a) Dano patrimonial e dano não patrimonial ...73

b) Dano emergente e lucro cessante. ...74

c) Dano Presente. Dano Futuro. ...75

2.3. O Nexo de Causalidade ...75

CAPÍTULO 3 ... 79

O DANO DA PERDA DE CHANCE – Caracterização e Análise ... 79

3.1. Caracterização da Figura ...79

a) Dano emergente ...79

b) Dano atual ...81

c) Dano autónomo ...81

d) Dano certo ...85

3.2. O Receio de uma Utilização Abusiva – A (In)certeza do Nexo de Causalidade ...87

3.3. Critérios e Condições de Admissibilidade ...92

§ A seriedade da chance ...94

3.4. O Cálculo do Quantum Ressarcitório ... 100

CAPÍTULO 4... 107

CONCLUSÕES PARCIAIS ... 107

§

PARTE III

A PERDA DE

CHANCE

LABORAL COMO CONSEQUÊNCIA DOS MAUS

TRATOS PARENTAIS

§ Sequência Metodológica ... 109

(15)

xiv

OS NOVOS CAMINHOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL – A SOCIALIZAÇÃO DO

INSTITUTO ... 111

CAPÍTULO 2 ... 115

A IMPOSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO TOUT COURT DO DANO DA PERDA DE CHANCE LABORAL NO CONTEXTO DOS MAUS TRATOS PARENTAIS ... 115

a) A natureza das responsabilidades parentais ... 116

b) A dificuldade de prova do nexo de causalidade ... 118

§ A eventual “culpa do lesado” ... 119

c) Ausência da definitividade da perda ... 120

CAPÍTULO 3 ... 123

NECESSIDADE DE ALTERAÇÃO DO PARADIGMA – A URGÊNCIA DO RECONHEICMENTO DO DANO DA PERDA DE CHANCE LABORAL EM SITUAÇÕES-LIMITE ... 123

a) Pré-existência de uma oportunidade ... 124

b) Definitividade da frustração do resultado final ... 125

c) Incerteza do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano final ... 125

d) Certeza do nexo de causalidade entre o facto ilícito e a perda de oportunidade ... 125

e) Razoável seriedade ... 126

3.1. O Conceito de Dano Biológico ... 126

§ Chance à segunda potência? ... 129

3.2. Incapacidade Laboral Permanente como Dano Biológico – O Lugar Paralelo ... 131

CAPÍTULO 4 ... 135 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 135 NOTAS CONCLUSIVAS ... 139 BIBLIOGRAFIA ... 143 WEBGRAFIA ... 154 JURISPRUDÊNCIA CONSULTADA ... 157

(16)

xv

I. SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ... 157

II. TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA ... 159

III. TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO ... 161

IV. TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA ... 162

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xvii

PRINCIPAIS SIGLAS/ABREVIATURAS E INDICAÇÕES DE

LEITURA

1. Lista de Siglas e Abreviaturas

 Ac. - Acórdão

 art. / arts. – artigo/ artigos  al./als. – alínea/ alíneas  CC – Código Civil  cfr. – Confrontar  cit. – citada  CP – Código Penal

 CPC – Código de Processo Civil

 CPCJP – Comissão de Proteção das Crianças e Jovens em Perigo  CRP – Constituição da República Portuguesa

 i.e. – isto é

 LPCJP – Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo  LTE – Lei Tutelar Educativa

 n.º – número

 p. /pp.– página/ páginas  proc. - processo

 RGPTC – Regime Geral do Processo Tutelar Cível  s.n.q. – sine qua non

 ss. – seguintes

 STJ – Supremo Tribunal de Justiça  TRC – Tribunal da Relação de Coimbra  TRG – Tribunal da Relação de Guimarães  TRL – Tribunal da Relação de Lisboa  TRP – Tribunal da Relação do Porto  vs. – versus

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xviii

2. Indicações de Leitura

A fim de facilitar a tarefa do leitor, aqui deixamos algumas indicações a levar em conta ao longo de todo o texto:

- Sempre que seja feita referêcia a algum artigo sem específica menção do diploma legal a que respeita, deve entender referir-se ao Código Civil.

- Todos os Acórdãos mencionados foram retirados e encontram-se disponíveis para consulta no endereço electrónico www.dgsi.pt.

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xix

“You cannot possibly love a child – your own or anothers – until you see him as a separate being with the inalienable right to grow into the person he was meant to be.”

(21)
(22)

1

INTRODUÇÃO

O mundo vem mudando rapidamente. Onde em 1990 havia cinco bilhiões de pessoas, em 2050 haverá nove bilhiões – aproximadamente 2,7 bilhiões com menos de 18 anos. Muitas crianças nascidas hoje desfrutarão de imensas oportunidades não disponíveis há 25 anos. Mas nem todas terão a mesma chance de crescer saudáveis, de receber educação e de conseguir realizar o seu potencial, tornando-se cidadãos plenamente participantes, como prevê a Convenção sobre os Direitos da Criança.

Com estas palavras se inicia o relatório anual Situação Mundial da Infância 2015:

Resumo Executivo emitido pela UNICEF1 e com estas palavras se resume, grosso modo, o

propósito do nosso trabalho.

Num mundo globalizado, acelerado pela expansão de novos mercados e pela emergência de novas potências, muitas vezes se negligencia a função social e, sobretudo, se desprotege aqueles que, em razão da idade e da especial debilidade, se encontram nas situações em que mais carecem dessa proteção – as crianças.

Neste sentido, cremos ser quase desnecessário justificar a relevância teórica, e sobretudo prática, do tema aqui seguido. Atento o flagelo dos abusos que, infelizmente, em pleno século XXI, ainda persiste e, em especial, o facto de grande parte desses abusos ter lugar naquele que deveria ser o porto de abrigo de cada criança e por parte daqueles que, seria de esperar, assumissem como primordial preocupação a sua saúde e desenvolvimento, a escolha da nossa temática não poderia ter sido outra.

É certo que já hoje se reconhece no nosso ordenamento – a par dos demais sistemas jurídicos – um alargado número de medidas que visam precisamente salvaguardar a criança e o seu bem-estar, mesmo que, por vezes, seja necessário afastá-las do seu normal ambiente,

1 Disponível para consulta em https://www.unicef.pt/situacao-mundial-infancia-2015/files/SOWC2015_ExecSummary_Portuguese_BR_web.pdf,

(23)

2

quando este se apresente de tal maneira nocivo que outra forma não exista de velar pelos seus interesses.

Por outro lado, movemo-nos pela regra geral segundo a qual a ninguém é lícito violar o direito de outrém, pelo que, ocorrendo tal violação, e verificado um conjunto de pressupostos, se chama à colação o instituto da responsabilidade civil.

No entanto, também é verdade que o dinamismo da realidade da vida não nos permite prever e solucionar todas as questões que a este propósito se apresentam e, nessa medida, emergem novos problemas, que exigem ovas soluções.

Nesse sentido, retomando as palavras da UNICEF, “[p]ara finalizar assuntos inacabados, é preciso inovar. E inovar significa criar sistemas interligados e novas redes de solucionadores de problemas, que sejam transversais a setores, gerações e geografia; significa ampliar soluções locais para resolver desafios globais – e adaptá-los a novos contextos; significa formatar novos mercados e estimular o setor privado e planear com vista ao desenvolvimento; significa criar soluções com a participação das comunidades, com vistas à inclusão de todos os seus membros, impedindo que inovações ampliem diferenças; significa fazer as coisas de forma diferente, orientando as mudanças em favor da criança”.

À semelhança do que ocorre noutros ordenamentos, Portugal tem vindo a assistir a uma gradual readaptação do conceito clássico de dano e das regras por que tradicionalmente se rege a responsabilidade civil.

Com efeito, novas conceções de dano são trazidas à vida em sociedade e, entre elas,

destaca-se o dano da perda de chance. Este traduz-se na perda da oportunidade de alcançar

determinado resultado, em virtude de um facto ilícito e culposo provindo de um terceiro. Por via do recurso às regras gerais da responsabilidade civil extracontratual, impõe-se o reconhecimento desta nova vertente, nos termos da qual alguém provoca, não a perda de legítimas expectativas, mas, mais do que isso, a perda da oportunidade de alcance de determinado resultado, sendo certo que essa oportunidade se encontrava previamente na sua esfera jurídica e à sua disposição.

Logo apetece questionar: em que medida esta figura se interliga com os Direitos da Criança e as responsabilidades parentais? Pois bem, na senda daquela ideia de inovação e de exponencial necessidade de alargamento da teia protetora dos direitos das crianças, importa saber até que ponto os comportamentos dos progenitores, a quem incumbe o dever de educar e de zelar pela sua segurança, não poderão, por vezes, culminar numa perda de oportunidades

(24)

3

por parte daquelas. Concretamente, em que medida podemos responsabilizar os pais que reiterada e irremediavelmente violem os deveres a que se encontram adstritos pela perda de oportunidades futuras dos filhos? Como compatibilizar o reconhecimento de tal dano com o âmbito dos poderes que aqueles, enquanto responsáveis pela educação e desenvolvimento dos filhos, detêm na sua esfera jurídica? Existe uma linha delimitadora do conteúdo desse poder e do círculo de autonomia da vontade própria da criança? E se formos ainda mais longe e, em virtude dos maus tratos ou abusos por parte dos pais, se verificar que a criança sofreu lesões tais que conduziram à preclusão da sua oportunidade de entrada no mercado de trabalho? Podemos responsabilizá-los ao abrigo daquela ideia de perda de chance? Encontrar-se-ão preenchidos os pressupostos exigíveis pelas regras gerais da responsabilidade civil?

Como bem se percebe, esta é uma área melindrosa, uma vez que, não só contende com uma matéria especialmente sensível do Direito, a matéria relativa às responsabilidades parentais e aos Direitos da Criança, mas principalmente porque a interliga com uma figura que nem sempre é bem aceite no nosso ordenamento, a do dano da perda de chance.

Todavia, porque cremos que novos problemas exigem a capacidade de equacionar novas soluções e de ultrapassar barreiras pré-concebidas – barreiras estas que, em bom rigor, e nas mais das vezes, se prendem tão só com preconceitos e com uma certa incapacidade de adotar uma perspetiva mais atualista –, será nosso propósito, ao longo destas páginas, encontrar respostas (ainda que, como veremos, muitas delas nos possam conduzir a novas perguntas) que visem, em primeira linha, perseguir a justiça material do caso concreto e a tão aclamada necessidade de eticização da ciência humana e social que é o Direito.

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5

PARTE I

RESPONSABILIDADES PARENTAIS

§ Sequência metodológica

A Parte I do presente estudo encontra-se dividida em quatro capítulos, ao longo dos quais levantaremos as principais questões a propósito da matéria das responsabilidades parentais, concedendo especial ênfase ao estatuto jurídico da criança e aos seus direitos.

No Capítulo 1 destaca-se uma breve resenha da evolução histórica da figura da criança e dos seus direitos ao longo dos vários séculos – desde os primórdios clássicos até aos dias de hoje –, de modo a que nos seja possível compreender verdadeiramente as implicações contidas hoje no nosso sistema jurídico, no ramo que apelidamos de Direitos da Criança.

A partir do Capítulo 2 abordaremos em concreto a matéria das responsabilidades parentais, principiando por uma breve análise da sua natureza de poder-dever, bem como do seu conteúdo e modo de exercício. A acrescer, e porque se reveste de especial importância nesta sede, procederemos quer ao estudo do conceito de superior interesse da criança, para tal recorrendo ao auxílio da doutrina e da jurisprudência nesta área, quer ao enquadramento da problemática da conjugação do poder-dever dos pais sobre a criança no contexto da autonomia desta enquanto sujeito de direitos.

No que concerne ao Capítulo 3, podemos afirmar que ele será um dos pontos-chave desta primeira parte, já que é através dele que serão abordadas as questões contendentes com os maus tratos parentais, designadamente, as suas diversas categorias, as consequências jurídicas do seu incumprimento e, ainda, os mecanismos legais ao dispor em sede de proteção do Direito das Crianças. Todavia, importa desde já alertar para o facto de não nos ser possível, em razão de economia espacial e temporal, analisar em pormenor o regime jurídico atinente a cada um daqueles mecanismos, motivo pelo qual nos debruçaremos sobre aquelas que consideramos serem as questões mais relevantes para efeitos do nosso objeto de estudo central.

Finalmente, por razões que se prendem com a facilidade sistemática e de exposição, reservaremos o Capítulo 4 para as nossas conclusões parciais acerca do tema das responsabilidades parentais, de forma a destacarmos as considerações que entendemos serem especialmente relevantes para a compreensão da essência da nossa posição, a adotar na Parte III da presente dissertação.

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7

CAPÍTULO 1

GÉNESE DA FIGURA – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS

DA CRIANÇA

Para sermos capazes de compreender a dimensão que os termos “poder parental” e

“responsabilidades parentais” acarretam hoje em dia, mostra-se necessário, a priori,

compreender a evolução que a figura “Criança” e o instituto “Direitos da criança” sofreram desde os primórdios da História da Humanidade.

Com efeito, importa ter presente que nem sempre o menor foi visto como um sujeito de direitos, ao abrigo dos princípios da dignidade humana e do livre desenvolvimento da personalidade, princípios hoje expressa e indubitavelmente consagrados na nossa Lei

Fundamental2. Na verdade, remontando aos primórdios da civilização e, concretamente, à

Antiguidade Clássica, verificamos que o conceito “criança” acarretava um cariz negativo, na medida em que esta era vista como um ser inferior, incapaz, dotado de uma fragilidade que obstava a que pudesse ser levada em consideração como um verdadeiro sujeito de direitos. Pela falta de maturidade e racionalidade que lhe é inerente, à época, o menor não despertava grande

interesse na sociedade3.

Esta visão totalmente patriarcal, tributária das conceções clássicas que perduraram ao

longo de vários séculos4 – e que só recentemente têm vindo a ser verdadeiramente alteradas –

tinha na figura do pai a imagem de absoluta dignidade política, social e familiar5.

2 Vide, entre outros, os arts. 12.º, 13.º, 26.º, e 69.º da CRP.

3 Nesta medida, “[a] criança era considerada um ser imperfeito mas um ser em potência”. O pai era o responsável pelas tarefas de a educar e de

a conduzir à vida adulta; como ser superior, o progenitor detinha o poder – em grande medida, por ser quem provia ao seu sustento e quem lhe deu a vida – de hierarquicamente reger e definir o rumo da vida do filho. Vide, Rosa MARTINS, «Responsabilidades Parentais no Século XXI: a tensão entre o direito de participação da criança e a função educativa dos pais», Lex Familiae, Ano 5 – n.º 10 – 2008, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 25 a 40, p. 26. Aliás, ilustrando esta realidade, refere ainda a autora, “[…] Aristóteles concebia a criança como ser inacabado, destituído de pensamento racional, incapaz de tomar decisões, dominado pelos sentidos e pelo impulso e, portanto, infeliz na medida em que era incapaz de praticar actos nobres”.

4 Neste sentido, Gerda LERNER, The Creation of the Patriarchy, New York, 1986, p. 89, relata, “[…] as crianças, na antiguidade, na Mesopotâmia,

eram objecto de autoridade absoluta do pai, que detinha o poder de vida ou de morte sobre os filhos, podia dar as suas filhas em casamento em troca do preço da noiva mesmo durante a infância desta ou consagrá-las a uma vida de virgindade no templo. Um homem podia, ainda, oferecer a sua mulher, concubinas e filhos como garantias das suas dívidas e no caso de falta de pagamento, estas podiam ser transformadas em escravas”.

5 Aliás, o próprio direito romano que, pela influência religiosa que sofreu através da expansão do Cristianismo, começou a transparecer alguma

vontade de evolução quanto à conceção de criança, não deixou de ser totalmente concordante com aquela ideologia. O paterfamilias ainda detinha um poder quase ilimitado sobre o filho – patria potestas –, o qual, no limite, se traduzia no poder de dispor e decidir sobre a vida ou a

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8

Foi com a aproximação da Idade Média, associada à expansão do Cristianismo e, sobretudo, com a condenação do infanticídio pela Igreja Católica, que começou a ter-se em consideração que o poder absoluto do pai sobre a criança não podia mais assumir os contornos que até então haviam sido os seus.

No entanto, a verdade é que embora começando a emergir a tentativa de desentranhamento daquela autoridade absoluta, nem por isso a criança ganhou um estatuto adequado às suas necessidades e especificidades. Não, na verdade, em vez de continuar a ser vista como um ser incapaz, débil e cuja fragilidade a impedia de desenvolver tarefas de cariz social e económico, tanto a nível intelectual, como a nível físico, passou a ser encarada à medida de um qualquer adulto. Isto é, não existiam a preocupação nem a consciência relativas ao significado e ao sentimento de infância; para qualquer tipo de tarefas e de trabalho, a criança era tida como um adulto, pelo que a carga e o nível de responsabilidades que lhe eram exigidos e imputados em nada diferenciavam dos que eram exigidos e imputados àqueloutro. Temos então que, uma vez mais, não adquiriu qualquer estatuto próprio devidamente adequado à sua realidade6.

Apenas aquando do advento renascentista e a partir dos séculos XVI, XVII e XVIII surgiu uma nova perspetiva desta questão. Baseada na conceção da criança como um ser cuja natureza implica diferentes necessidades das de um adulto, pela primeira vez surge o tema “sentimento de infância”.

Ora, se inicialmente era vista, pela sua natureza infantil e imatura, como um simples elemento de distração e de divertimento dos mais velhos, com o tempo – e com o desenvolver de ideias humanistas, cuja tónica assentava nas preocupações morais e éticas –, a sociedade passou a conceber a criança como um ser cuja fragilidade física, intelectual e emocional exigia uma abordagem distinta, à qual não era indiferente a urgência de investimento na sua disciplina

morte daquele. Assim, pese embora com o desenvolvimento da sociedade romana tenha vindo a assumir maior interesse e preocupação, nem por isso a criança adquiriu um estatuto próprio enquanto sujeito de direitos em pé de igualdade com os restantes cidadãos. Continuava, outrossim, na dependência da dignidade e do poder de autoridade de seu pai, enquanto líder da família. Neste sentido, Maria Clara SOTTOMAYOR, «O poder paternal como cuidado parental e os direitos da criança» in Cuidar da Justiça de Crianças e dos Jovens, A Função dos Juízes Sociais, Actas do Encontro, Coimbra, Almedina, 2003, p. 10. Ainda a este propósito, A. Reis MONTEIRO, A Revolução dos Direitos da Criança, Campo das

Letras – Editores, S.A., 2002, p. 82, salienta “[o] conceito de patria potestas, de origem indiana talvez, fora definido pela Lei das XII Tábuas (450 a.c.) e tinha a sua mais extrema expressão no vitae necisque potestas (direito de vida e de morte) sobre os filhos. Por isso, entre os romanos, o verdadeiro nascimento não era o biológico, mas o simbólico”.

6 Corroborando esta questão, Maria Clara SOTTOMAYOR, «O poder…, cit., p. 11, salienta, “ […] as crianças eram tratadas como adultos em

miniatura e começavam a trabalhar aos 6-7 anos, nas fainas agrícolas e domésticas. A demografia da época, caracterizada por altas taxas de fecundidade e de mortalidade infantil, enfraquecia os vínculos afectivos entre pais e filhos”.

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e educação. Porém, embora se denotassem as primeiras preocupações com a natureza especial e específica do menor, o “[…] sentimento da infância”, enquanto consciência das particularidades da criança em relação ao adulto, é, no entanto, uma consciência da sua

incapacidade. A criança continuou a ser encarada numa perspectiva negativa”7.

Um lento progresso começou a notar-se nesta temática, em grande medida devido ao contributo de filósofos como Locke e Rousseau. Ainda assim, e apesar de estes autores conceberem a criança como um sujeito de direitos em posição paritária à dos adultos, não lhe reconhecem esse estatuto desde o nascimento. Deste modo, na esteira do que vem dito, a criança continuou a ser encarada como incapaz até atingir a idade adulta, mantendo-se necessariamente sujeita ao poder e autoridade do pai, sobre quem, nessa qualidade, impendia o

dever de a educar e de a disciplinar8.

É somente durante o século XIX9 e com o aproximar do século XX que a conceção da

vida infantil e a atribuição de um estatuto especial como verdadeiro sujeito de direitos à criança

começa verdadeiramente a adquirir relevo social10. A primeira vez que o conceito “Direitos da

Criança” foi utilizado remonta a 1924, com a Declaração dos Direitos da Criança – Declaração

de Genéve11. Porém, apenas a 20 de novembro de 1959 foi aprovada pela Assembleia Geral das

Nações Unidas, por unanimidade, a Declaração Universal dos Direitos da Criança que, no preâmbulo, enuncia expressamente os princípios pelos quais se rege, os quais, embora não vinculativos, visam proteger e desenvolver o potencial destes sujeitos. Ainda assim, e como frisa

7 Rosa MARTINS, «Responsabilidades…, cit., p. 28.

8 Apesar de tudo, a filosofia que aqueles personagens históricos introduziram revestiu-se de extrema importância, uma vez que tanto Locke como

Rosseau foram pioneiros no sentido de alertar para o facto de o poder do pai sobre o filho não dever ser absoluto e arbitrário. Esta nova perspetiva consubstancia um prenúncio daquilo em que, séculos mais tarde, viriam a tornar-se os Direitos da Criança, pois que denota, embora superficialmente, o emergir da conceção de que educar um filho não passa apenas por um direito do(s) pai(s), mas essencialmente por um dever que tem de ser cumprido de modo razoável e proporcional. Como explica Rosa MARTINS, «Responsabilidades …, cit., p. 29, “[e]m consonância

com esta concepção de infância, Rosseau também defende um exercício pelos pais da autoridade que lhes é conferida sobre os filhos de modo a protegê-los e educá-los, para que venham a ser adultos livres, responsáveis e autónomos”.

9 Como constata DEMAUSE, apud A. Reis MONTEIRO, A Revolução…, cit., p. 92, “[…] foi no século XIX que os poderes públicos começaram a

pensar nas crianças como tais, com necessidades especiais, dada a sua vulnerabilidade e desamparo e não como adultos pequenos, com direito a prestar os seus serviços durante dezasseis horas por dia ou como escravos dos pais” (DeMause, 1974:470,471)”.

10 De facto, ainda no rescaldo do fim da Primeira Guerra Mundial, foi aprovada pela Organização Internacional do Trabalho, em 1919, uma

Convenção “[…] que limitava a idade para o início da vida economicamente ativa dos jovens”. Cfr. Gustavo Campos MONACO, A Declaração Universal dos Direitos da Criança e seus Sucedâneos Internacionais (Tentativa de Sistematização), Stvdia Ivridica, 80, BFDC, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, p. 103.

11“Esta Declaração enunciava, numa linguagem simples, cinco princípios, com vocação de universalidade, que traduziam o assumir da

responsabilidade de proporcionar a cada criança o desenvolvimento normal (tanto a nível material como a nível espiritual), a alimentação adequada, os cuidados de saúde necessários, a protecção contra a exploração e a educação num espírito de solidariedade para com os outros”. Vide Rosa MARTINS, «Responsabilidades…, cit., p. 30.

(31)

10

MARIA CLARA SOTTOMAYOR,“[n]este documento, a criança era vista como objecto de preocupação e

de uma política social de protecção, mas não como uma pessoa autónoma, capaz de decidir o seu próprio destino”. Na verdade, o reconhecimento à criança de “[…] capacidade de auto-determinação e direito a participar e a ser ouvida em todos os processos que lhe digam

respeito"12, ficou a dever-se, em 1989, à aprovação pela Assembleia Geral das Nações Unidas,

da Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Aliás, importa salvaguardar que, além do reconhecimento pioneiro destes direitos, este diploma teve ainda outro significado igualmente relevante pois que, por se tratar de um verdadeiro Tratado Internacional, tornou-se vinculativo para os Estados que o ratificaram. Ora, nessa medida, impôs àqueles “[…] a obrigação de

adequar o Direito Nacional aos princípios e normas da Convenção”13, motivo pelo qual os

Estados-Parte assumiram a responsabilidade de transporem para os ordenamentos internos os valores e os princípios postulados naquelas normas.

Desta forma, foi impresso um caráter materialmente objetivo à Convenção Internacional dos Direitos de Criança, traduzido na sua nova concetualização, através da atribuição ao menor

de verdadeiros direitos próprios14. Neste sentido, e conforme sublinha ROSA MARTINS, “[é] de

destacar que, por um lado, a Convenção não estabelece uma lista única e exaustiva dos direitos da criança e que, por outro lado, contém uma cláusula geral que permite a aplicação de outras disposições (constantes da legislação nacional ou do Direito Internacional aplicável) mais

favorável à realização destes direitos”15.

Pelo exposto, verifica-se que a aprovação daquele diploma traduz um relevante ponto de viragem na consciencialização social do estatuto da criança. Com efeito, não só este diploma foi pioneiro na atribuição do poder de participação nas decisões que influam na sua vida, como ainda, e mais importante, denota um elevado grau de preocupação com a efetivação da promoção e proteção dos seus direitos. Isto é, a estatuição de uma cláusula geral, porque permite a cada Estado-Parte adotar outros princípios (com ela consentâneos) que constem do

12 Cfr. «O poder…, cit., p. 12.

13 Rosa MARTINS, «Responsabilidades …, cit., p. 32.

14 Neste sentido, a Convenção atribui expressamente ao menor “[…] cinco categorias de direitos: “direitos gerais” – o direito à vida, a proibição

contra a tortura, a liberdade de expressão, pensamento e religião, o direito à informação e à privacidade –; “direitos que requerem medidas de protecção” – medidas de protecção contra a exploração económica e sexual, medidas de prevenção do consumo de drogas e outras formas de negligência e maus tratos –;”direitos relativos ao estado civil da criança” – direito à nacionalidade, direito à identidade pessoal, direito a não ser separada dos seus pais e direito à reunificação familiar –; “direitos relativos ao desenvolvimento e bem – estar da criança” – direito à saúde, direito à segurança social, direito à educação e ao lazer –; “direitos das crianças em circunstâncias particularmente difíceis” – direitos das crianças com necessidades educativas especiais, crianças refugiadas e crianças órfãs”. Idem, p. 34.

(32)

11

seu sistema jurídico, demonstra que o principal objetivo deste Tratado é, ao lado de estabelecer as regras e valores que devem nortear todos os Estados, conferir-lhes a máxima amplitude legal possível. Somente deste modo pode ser assegurada a proteção por qualquer outra via interna e juridicamente exequível.

(33)
(34)

13

CAPÍTULO 2

AS RESPONSABILIDADES PARENTAIS COMO UM

PODER-DEVER

2.1. Do Poder Paternal às Responsabilidades Parentais – O Âmbito do

Poder-Dever que Impende Sobre os Pais

O ordenamento jurídico português não tem sido alheio a todas estas majorações ao estatuto da criança, especialmente no que respeita à sua relação com os progenitores e, nessa medida, à caracterização dos direitos em causa.

Cumpre destacar que uma das mais recentes e significativas alterações na matéria relativa às responsabilidades parentais ocorreu com a entrada em vigor da Lei n.º 61/2008, de

31 de Outubro16 que, entre outras mudanças, reformulou o termo “poder paternal”. Até à

entrada em vigor daquela Lei, os nossos diplomas e, em especial, o CC, aludiam ao poder paternal que impendia sobre os pais face à pessoa e aos bens do filho. Com a sua entrada em vigor, o legislador alterou o termo “poder paternal” e “exercício do poder paternal” para o conceito de “responsabilidades parentais” e correspondente “exercício das responsabilidades parentais”17.

O que poderia, à primeira vista, parecer uma alteração subtil traduz, na verdade, a mudança do paradigma jurídico face à perspetiva relacional da criança com os progenitores. “Na mudança de designação está obviamente implícita uma mudança conceptual que se considera relevante. Ao substituir uma designação por outra muda-se o centro da atenção: ele passa a estar não naquele que detém o “poder” – o adulto, neste caso – mas naqueles cujos direitos se

16 Esta Lei entrou em vigor a 1 de dezembro de 2008, sendo que, de acordo com o seu artigo 9.º, o regime nela previsto não se aplicava aos

processos à data pendentes em Tribunal. Para um estudo mais aprofundado acerca das alterações introduzidas por este diploma, vide, entre outros, Guilherme de OLIVEIRA, «A Nova Lei do Divórcio», Lex Familiae, Ano 7 – nº 13 – 2010, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 5 a 32 e Tomé d’

ALMEIDA RAMIÃO, O Divórcio e Questões Conexas. Regime Jurídico Atual, 3.ª ed. revista e aumentada, Quid Juris, 2011.

17 Importa, todavia, ressalvar que a aludida Lei não logrou proceder a essas alterações em todo o diploma, sendo que, nomeadamente nos arts.

122.º ss, manteve a designação anterior. Aliás, não deixa de ser curioso o facto de, com a aprovação da L. n.º 143/2015, de 08 de setembro, que procedeu à mais recente alteração ao CC, o legislador ter demonstrado especial preocupação em alterar a expressão “menor” por “criança” em vários dispositivos legais (cfr., por exemplo, arts. 1976.º e 1978.º) – supomos, por entender que a expressão “menor” poderia, de alguma forma, denotar algum sentido pejorativo – e, naquilo que consideramos demonstrar um contrasenso da sua intenção, não ter procedido à alteração do termo poder paternal naqueles preceitos; este sim, que no nosso entender, transmite uma ideia de posse, de propriedade.

(35)

14

querem salvaguardar, ou seja, as crianças”. Ademais, refira-se,“[…]sempre se entendeu que o

termo era infeliz pois exprimia logo a ideia (falsa) de um poder-sujeição e de uma clara

ascendência do pai homem”18.

Temos, pois, que esta alteração assume grande relevo não apenas no realce da ideia de

que este instituto traduz uma partilha da responsabilidade entre ambos os progenitores19, mas

ainda, e sobretudo, na consagração das responsabilidades parentais como um poder funcional20

daqueles, o que implica que deve ser exercido para e no interesse da criança21.

Nos termos da Lei portuguesa, “[é] menor quem não tiver ainda completado dezoito anos de idade” – art. 122.º.

Há que salientar que a menoridade se apresenta, no nosso ordenamento jurídico, como uma incapacidade. Não uma incapacidade para a titularidade de direitos – pois que, enquanto pessoa, o menor adquire personalidade jurídica aquando do nascimento e, com ela, a titularidade dos correspondentes direitos inalienáveis – mas uma incapacidade geral para o

18 Helena BOLIEIRO e Paulo GUERRA, A Criança e a Família – Uma Questão de Direito(s). Visão Prática dos Principais Institutos do Direito da Família

e das Crianças e dos Jovens, 2.ª ed. (actualizada), Coimbra, Coimbra Editora, 2014, p. 176. No mesmo sentido, Guilherme deOLIVEIRA, «Transformações do direito da família» in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 da Reforma de 1977, Volume I. Direito da Família e das Sucessões, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 763 a 779, p. 776. Exemplificando outra das alterações concetuais que emergiram com esta Lei, Maria Clara SOTTOMAYOR, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 6.ª ed. revista, aumentada e

atualizada, Coimbra, Almedina, 2014, pp. 24 e 25, destaca, “[…] o abandono da noção de guarda prevista no art. 1905.º, n.º 2, […] e a sua substituição pela noção de residência utilizada no art. 1906.º[…]”. Todavia, a autora tende a esvaziar o conteúdo desta particular alteração, fazendo equivaler os conceitos, na medida em que, no seu entender,“[a] determinação da residência da criança junto de um dos pais não pode significar apenas o estabelecimento do local e da pessoa com que a criança coabita no dia-a-dia. Tem que significar, também, a prestação de cuidados básicos e o exercício dos direitos-deveres de educação e de protecção da criança no quotidiano […]”.

19 Como bem salienta Tomé d’ALMEIDA RAMIÃO, O Divórcio…, cit., p. 243, “[…] impôs um regime de exercício conjunto das responsabilidades

parentais em questões de particular importância, aquando do divórcio, da separação judicial de pessoas e bens, de declaração de nulidade e anulação de casamento, regime extensível aos filhos de pais não unidos pelo casamento”.

20 Sobre a noção do poder funcional enquanto direito subjetivo de conteúdo altruísta, vide Eduardo Santos SILVA, Introdução ao Estudo do Direito, I

Volume, Sintra, 1998, pp. 341 e 342. Também A. SANTOS JUSTO, Introdução ao Estudo do Direito, 6.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2012,

p. 53 define poder(es) funcional(ais) como “[…] direitos acompanhados de deveres: o seu titular não é livre de exercer as inerentes faculdades ou poderes; é também obrigado a actuar, porque em causa estão interesses que não são apenas seus”, deles dando de exemplo as responsabilidades parentais. No mesmo sentido, realçando o dever de boa fé a que estão sujeitos os titulares destes poderes, Pedro PAIS DE

VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 7.ª edição, Coimbra, Almedina, 2012, p. 226.

21 Tomé d’ALMEIDA RAMIÃO, O Divórcio…, cit., p. 142, reforçando a ideia de que esta alteração tem na sua génese uma necessidade de se proteger

primeiramente os Direitos da Criança, explica, “[e]sta mudança pareceu essencial por vários motivos. […] a designação anterior supõe um modelo implícito que aponta para o sentido de posse, manifestamente desadequado num tempo em que se reconhece cada vez mais a criança como um sujeito de direitos”. Vide, no mesmo sentido, Jorge DUARTE PINHEIRO, O Direito da Família Contemporâneo, Lisboa, AAFDL, 2008, pp.

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15

exercício dos mesmos22. Com efeito, postula o art. 123.º, que, “[s]alvo disposição em contrário,

os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos”23.

Ora, verificada esta incapacidade e assente a necessidade de se atribuir à criança um estatuto próprio dotado de especiais características, a Lei busca a promoção e proteção dos direitos que, enquanto pessoa, lhe assistem, privilegiando o instituto das responsabilidades

parentais, nos termos que (infra) melhor analisaremos24.

2.1.1. Conteúdo das responsabilidades parentais

Em primeira linha, e decalcando os ensinamentos que a doutrina coloca à nossa disposição, importa destacar que nas responsabilidades parentais se incluem, genericamente, o “poder-dever de guarda”, o “poder-dever de dirigir a educação”, o “poder-dever de

representação”, o “poder-dever de administração dos bens” e o “dever de prover ao sustento”25.

22 Acerca da distinção entre capacidade de gozo e capacidade de exercício de direitos, vide, entre outros, Inocêncio GALVÃO TELLES, Introdução ao

Estudo do Direito, Volume II, 10.ª edição (refundida e actualizada), Coimbra, Coimbra Editora, 2000, pp. 158 ss; Pedro PAIS DE VASCONCELOS,

Teoria…, cit., p. 80, faz referência à capacidade de gozo como a “capacidade de direito” e à capacidade de exercício como a “capacidade de agir”. No mesmo sentido, Heinrich Ewald HORSTER, A Parte Geral do Código Civil Português. Teoria Geral do Direito Civil, (reimpressão da edição

de 1992), Coimbra, Almedina, p. 310, realça ainda, relativamente à capacidade de exercício de direitos, o caráter negocial que se lhe encontra associado.

23 O estado de incapacidade geral de exercício de direitos associado à menoridade cessa assim que o menor atinja a maioridade ou se emancipe

através do casamento – cfr. arts. 130.º, e 132º. Existem, todavia, para além dos atos puramente pessoais, atos para os quais o menor dispõe, nos termos legais, de plena capacidade de exercício, entre os quais, os previstos no artigo 127.º, aos quais acrescem a capacidade para perfilhar prevista no artigo 1850.º, e ainda a capacidade sucessória prevista no artigo 2033.º. Para uma análise mais pormenorizada acerca das chamadas “maioridades especiais” do menor, recomendamos a leitura do artigo de Sónia MOREIRA, «A capacidade dos menores para o

consentimento em atos médicos», texto apresentado no Colóquio Informação e Consentimento na Prestação de Cuidados de Saúde, realizado na Escola de Direito da Universidade do Minho, no dia 22 de novembro de 2013, pp. 1 a 15, donde se destacam as referências aos arts. 1289, n.º 2, (capacidade para adquirir por usucapião), 1266.º, (capacidade para adquirir a posse), 263.º, (capacidade natural do menor no âmbito da representação voluntária), 1600.º, (capacidade para casar), 1901.º, n.º 2, (capacidade para ser ouvido pelo tribunal no âmbito de decisões acerca de questões de particular importância), 1981.º, n.º 1, al. a), (capacidade do maior de 12 para consentir na adoção), e ao art. 1957.º, n.º1, (capacidade do maior de 16 para convocar o conselho de família) – (pp. 4 a 9).

24 Neste sentido, leia-se o Preâmbulo da Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º

20/90, a qual, expondo os motivos e os fundamentos daquele diploma, refere expressamente ser o mesmo aprovado “[t]endo presente que, como indicado na Declaração dos Direitos da Criança, adotada em 20 de Novembro de 1959 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, «a criança, por motivo da sua falta de maturidade física e intelectual, tem necessidade de uma proteção e cuidado especiais, nomeadamente de proteção jurídica adequada, tanto antes como depois do nascimento»”.

25 Jorge DUARTE PINHEIRO, O Direito…, cit., pp. 297 a 307. Para uma análise profunda acerca do âmbito de cada um destes poderes-deveres,

leiam-se, entre outros, João de CASTRO MENDES, Direito da Família, edição revista e ampliada por Miguel Teixeira de Sousa, Lisboa, AAFDlL,

1990/1991, pp. 341 a 352; Armando LEANDRO, Poder…, cit., pp. 124 a 127; Eduardo dos SANTOS, Direito…, cit., pp. 515 a 537; José Carlos

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16

Analisemos, então, o âmbito de cada um deles.

a) Poder-dever de guarda26

O poder-dever de guarda dos pais contende, conforme a própria expressão indica, com o ato de “guardar” os filhos, mantê-los junto a si, velando pela sua saúde e segurança. É neste sentido que o art. 36.º, n.º 6, da CRP estatui que “os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre

mediante decisão judicial”. Como “garantia de não privação dos filhos”27, o legislador estipulou

que os filhos deverão residir com os pais, encontrando-se sob “reserva de lei” e “reserva de

decisão judicial”28 as situações em que poderão deles ser afastados – cfr. arts. 1915.º e 1918.º–

, situações cuja análise remetemos para o ponto 3.3., infra.

b) Poder-dever de manutenção e educação

Devendo os filhos residir com os pais, sobre estes recaem naturalmente o direito e o

dever de educação e manutenção daqueles – art. 36.º, n.º 5, da CRP. Nas palavras de GOMES

CANOTILHO e de VITAL MOREIRA “[o] dever de educação e manutenção dos filhos, além de um

dever ético-social, é um dever jurídico, nos termos estabelecidos na lei civil (arts. 1877.º e ss) e

em convenções internacionais (cfr. Protocolo n.º 7 à CEDH, art. 5.º)”29.

Este poder funcional deve ser tido por referência ao art. 1885.º, nos termos do qual aos

pais incumbe, de acordo com as suas possibilidades, a obrigação de promover o

desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos (n.º 1), bem como de lhes proporcionar

Fátima DUARTE, O Poder Paternal. Contributo para o estudo do seu actual regime, Lisboa, AAFDL, 1989, pp. 49 a 145 e Helena BOLIEIRO e Paulo GUERRA, A Criança…, cit., pp. 181 a 183.

26 A este propósito parece-nos oportuno frisar que mesmo em sede de cooperação internacional, a questão alusiva ao poder-dever de guarda dos

pais assume grande relevo, tendo, aliás, dado origem à celebração de várias convenções acerca da guarda dos menores, de que são exemplos o Decreto n.º 136/82, de 21 de Dezembro (aprovou a Convenção Europeia sobre o Reconhecimento e a Execução das Decisões Relativas à Guarda de Menores e sobre o Restabelecimento da Guarda de Menores) e o Decreto do Governo n.º33/83, de 11 de Maio (aprovou a Convenção Sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças).

27 GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p.

566. Como corolário desta garantia, resulta da conjugação entre os arts. 1887.º, n.º 2, do CC, e o art. 49.º, n.º1, do RGPTC, a possibilidade de se requerer a entrega judicial do menor sempre que este “[…] abandone a casa paterna ou aquela que os pais lhe destinaram, ou se se encontrar fora do poder da pessoa ou do estabelecimento a quem esteja legalmente confiado”.

28 Expressões veiculadas por GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA,Constituição…, cit., p. 566.

29 Idem, p. 566. Diogo LEITE DE CAMPOS, Lições de Direito da Família e das Sucessões, 2.ª edição revista e actualizada (reimpressão da edição de

(38)

17

adequada instrução geral e profissional, correspondente, na medida do possível, às aptidões e

inclinações de cada um (n.º 2)30.

Não se mostra despiciendo equacionar, nesta sede, o eventual reconhecimento do poder-dever de correção, não raras vezes tido como o direito de castigar ou direito ao castigo. De facto, embora reconhecendo aos pais o poder de dirigir a educação dos filhos – o qual, naturalmente, implica a necessidade de disciplina – certo é que foi o próprio legislador quem aboliu o conceito de “poder de correção”, anteriormente consagrado no art. 1884.º, do CC de 1966, pois que, compreendendo então o direito ao castigo, poderia, em certos casos, legitimar

um abuso de poder por parte dos pais31.

c) Poder-dever de representação

Quanto ao poder-dever de representação da criança, nos termos do disposto no art.

1881.º, n.º1, e socorrendo-nos dos ensinamentos de SÓNIA MOREIRA, podemos identificá-lo com

as situações em que,“[…] não podendo o menor exercer por si os direitos de que é titular […], ver-se-á substituído em tal exercício pelo seu representante legal, sendo este, geralmente, o pai,

ou a mãe, ou ambos, dependendo de quem é o detentor do poder paternal, rectius, de quem

exerce o poder paternal”32. Deste modo, com exceção do exercício de direitos para os quais a lei

lhes reconhece capacidade plena33, os menores são representados pelos seus pais em qualquer

negócio jurídico que celebrem, cabendo também a estes a sua representação perante quaisquer

30 Assim, Jorge DUARTE PINHEIRO, O Direito…, cit., pp. 300 e 301. O autor menciona também a individualização vincada pelo art. 1886.º,

relativamente ao poder de educação religiosa dos pais face aos filhos menores de 16 anos, remetendo, ainda, para o art. 11.º, da Lei n.º 16/2001, de 22 de junho (Lei da Liberdade Religiosa).

31 Para maiores desenvolvimentos acerca do âmbito jurídico-penal do “direito de castigo”, leiam-se, entre outros, Paula Ribeiro deFARIA, «A Lesão

da Integridade Física e o Direito de Educar. Uma questão também jurídica» in Nos 20 anos da Faculdade de Direito da U.C.P. Porto, Juris et de Jure, Porto, 1998, pp. 901 a 929; Filipe Silva MONTEIRO, O Direito de Castigo ou O Direito dos Pais Baterem nos Filhos. Análise Jurídico-Penal,

Livraria Minho, Braga, 2002 ; Armando LEANDRO, «A Problemática da Criança Maltratada em Portugal. Aspectos Jurídicos e Judiciários», Revista

do Ministério Público, ano 9.º, 1988, n.º 35 e 36, pp. 62 e 63; e ainda Fausto AMARO, «Aspectos Socioculturais dos Maus Tratos e Negligência de Crianças em Portugal», Revista do Ministério Público, ano 9.º, 1988, n.ºs 35 e 36, pp. 85 a 90 (p. 88).

32 Cfr. «A Autonomia do Menor no Exercício dos seus Direitos», Scientia Ivridica, Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro,

Setembro-Dezembro, 2001 – Tomo L – N.º 291, pp. 159 a 169, p. 160. A autora alerta ainda para o facto de, em certos casos, mesmo enquanto representantes legais do filho menor, os progenitores se encontrarem sujeitos à prévia autorização do Tribunal para a prática de certos atos relativamente à administração dos bens do menor, conforme dispõem os arts. 1889.º, e 1892.º. Todavia, ressalve-se, e embora o CC não tenha sido alterado nestas disposições, a competência exclusiva para esta autorização corresponde ao MP, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 2.º, n.º 1, al. b), do DL n.º 272/2001, de 13 de Outubro, o qual veio operar a transferência de competência decisória em determinados processos de jurisdição voluntária dos tribunais judiciais para o Ministério Público e as conservatórias do registo civil.

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18

entidades, sejam elas públicas ou privadas – ou seja, estão sujeitos ao instituto da representação, quer para efeitos patrimoniais, quer para efeitos pessoais.

É então possível afirmar que o poder-dever de representação da criança pelos pais, por

um lado, traduz o modo de suprimento da já aludida incapacidade de exercício34 e, por outro,

evidencia a função protetiva que lhe subjaz. Isto é, só se justifica o reconhecimento daquela incapacidade e correspetivo suprimento na medida em que estes sirvam os interesses do

menor35. Aliás, parece ser também este o sentido da disposição do art. 125.º, que comina com a

anulabilidade os negócios jurídicos praticados pelo menor para os quais seja considerado

incapaz, quando esta incapacidade não seja suprida pelo representante legal36.

d) Poder-dever de administração dos bens

Este poder-dever traduz um dos corolários dos efeitos patrimoniais das

responsabilidades parentais. Cabe aos pais, em regra37, prover à administração dos bens em

nome dos filhos menores com o mesmo cuidado com que administram os seus bens – cfr. arts. 1878, n.º 1, e 1897.º. A esta regra excecionam-se os bens previstos no art. 1878.º, e alguns atos que, conforme já salientado, apenas poderão ser praticados mediante autorização do Ministério Público – vide arts. 1889.º, e 1892.º do CC e 2.º, n.º 1, al. b), e 3.º, do Decreto-Lei

n.º 272/2011, de 13 de Outubro38.

e) Dever de sustento

O dever de sustento, desde logo merecendo especial destaque por consubstanciar um dever no sentido restrito (isto é, por não assumir a natureza de poder funcional que até agora se verificou) consiste na obrigação de alimentos que recai sobre os pais face aos filhos. Atento o disposto no art. 1878.º, os pais são obrigados a prover ao sustento dos filhos, assumindo as

34 Cfr. arts. 16.º, n.ºs 2 e 3, e art. 18.º, do CPC.

35 Como tal, na hipótese de conflito entre os interesses dos pais e os interesses do filho, será este representado por um curador nomeado pelo

tribunal – cfr. art. 1881.º, n.º 2.

36 Note-se, porém, que de acordo com o art. 126.º, por razões que se prendem com a proteção dos interesses do terceiro de boa fé, “[…] não

tem o direito de invocar a anulabilidade o menor que para praticar o ato tenha usado de dolo com o fim de se fazer passar por maior ou emancipado”.

37 De acordo com os arts. 1913.º, e 1915.º, nos casos em que seja decretada a inibição das responsabilidades parentais relativamente a

qualquer um ou a ambos os progenitores, cessa este poder de administração.

38 Assim, Jorge Duarte PINHEIRO, O Direito…, cit., p. 304. Para uma leitura mais aprofundada acerca desta matéria, recomendamos Eduardo dos

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19

despesas que respeitem à sua segurança, saúde e educação, obrigação esta que é corroborada

pela CRP, no artigo 36.º, n.º 539.

Como ensina JORGE DUARTE PINHEIRO, este dever “[…] compreende a habitação, o

vestuário, a alimentação e todas as prestações conexas […] (v.g., prestações com a saúde e a segurança, exigidas pelo poder-dever de guarda, ou com a educação, decorrentes do poder-dever de educar)”40.

A acrescer, e partindo daquele que vem sendo o entendimento da doutrina e da jurisprudência, os pais encontram-se obrigados não só a prover ao sustento dos filhos, nos termos ora descritos, como ainda a proporcionar-lhes um estilo de vida idêntico àquele de que

eles próprios disponham41.

2.2. O Exercício das Responsabilidades Parentais

Isto assente, importa agora analisar o modo como as responsabilidades parentais são exercidas no nosso ordenamento jurídico.

Pelo caráter prático e quotidiano que assume, analisaremos brevemente o regime legal das responsabilidades parentais, quer na constância do matrimónio, quer em caso de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens.

39 Saliente-se, no entanto, que nos termos do art. 1879.º, “[…] ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas

relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho, ou outros rendimentos, aqueles encargos”.

40 Cfr. O Direito…, cit., p. 302. A iniciativa legislativa do nosso ordenamento não ficou indiferente à necessidade de regulamentação desta

obrigação por parte dos pais, de tal sendo comprovativo a aprovação dos seguintes diplomas: Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, (Regime Jurídico da Garantia de Alimentos Devidos a Menores); Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, (Regulamentação da Garantia de Alimentos Devidos a Menores). Já em sede de cooperação internacional, atente-se nos Decreto - Lei n.º 45 942, de 28 de Setembro de 1964, (Convenção para a Cobrança de Alimentos no Estrangeiro); Decreto - Lei n.º 48 495, de 22 de Julho de 1968, (Convenção Relativa à Lei Aplicável em Matéria de Prestação de Alimentos a Menores); Decreto-Lei n.º 246/71, de 3 de Junho, (Convenção Relativa ao Reconhecimento e Execução de Decisões em Matéria de Prestação de Alimentos a Menores); Decreto n.º 339/75, de 2 de Julho, (Convenção Sobre a Lei Aplicável às Obrigações Alimentares) e Decreto n.º 338/75, de 2 de Julho, (Convenção Sobre o Reconhecimento e Execução de Decisões Relativas a Obrigações Alimentares).

41 Neste sentido, idem, p. 302; João de CASTRO MENDES, Direito da Família, edição revista e ampliada por Miguel Teixeira de Sousa, AAFDL,

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20

Cumpre desde já destacar que, a acrescer às supra mencionadas alterações

introduzidas pela Lei 61/2008, também nesta matéria o legislador “[…] manifestou vontade de

generalizar o exercício em comum das responsabilidades […]”42.

Relativamente ao exercício na constância do matrimónio, e atentando no disposto nos

arts. 1901.º, e 1902.º, verifica-se que o critério legal é o exercício conjunto, existindo uma

presunção de acordo do outro sempre que um dos progenitores pratique, por si só, um qualquer

ato que integre o exercício das responsabilidades parentais – cfr. art. 1902.º, n.º 2.43

Embora não os excecionando da regra geral do exercício conjunto, a Lei concede uma

especial tutela aos atos que traduzam “questões de particular importância”44, na medida em

que, nestas matérias, não se logrando alcançar um acordo entre os pais, “qualquer um deles pode recorrer ao tribunal, que tentará a conciliação” – art. 1901.º, n.º 2.

Assim, apenas na eventualidade de a algum dos progenitores não ser possível este exercício, em virtude de “ausência, incapacidade ou outro impedimento decretado pelo tribunal” não serão as responsabilidades parentais exercidas em conjunto, antes se concentrando o seu exercício no outro progenitor, em conformidade com o preceituado no art. 1902.º.

Por outro lado, também em sede de divórcio dos progenitores se denota esta preocupação de tutela do exercício conjunto das responsabilidades parentais, porquanto foi expressamente consagrado que relativamente às “questões de particular importância” para a

vida da criança o exercício é comum45, com exceção dos “casos de urgência manifesta, em que

42Vide, Maria Clara SOTTOMAYOR, Regulação..., cit., p. 28; Tomé d’Almeida RAMIÃO, O Divórcio…, cit., pp. 160 ss. Para uma análise mais

detalhada acerca desta manifestação de vontade legislativa, sugerimos a leitura da Exposição de Motivos do Projecto de Lei n.º 509/X (Deputados do PS) – Alterações ao Regime Jurídico do Divórcio.

43 Todavia, a última parte do normativo excetua desta presunção os atos para os quais “a lei expressamente exija o consentimento de ambos os

progenitores” ou aqueles que configurem “atos de particular importância”.

44 Para um estudo aprofundado acerca da noção de “questões de particular importância” leia-se, entre outros, Hugo Manuel RODRIGUES, Questões

de Particular Importância no Exercício das Responsabilidades Parentais, 1.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pp. 123 ss. Fazendo nossas as palavras de HelenaBOLIEIRO e Paulo GUERRA, A Criança…, cit., pp. 196 e 197 (nota 24), podemos tomar como exemplos destas

questões, entre outras, os seguintes: “[d]ecisão sobre intervenções cirúrgicas no filho; [s]aída do filho para o estrangeiro, não em turismo mas em mudança de residência, com algum carácter duradouro; [o]btenção de licença de condução de ciclomotores; [e]scolha de ensino particular ou oficial para a escolaridade do filho; [d]ecisões de administração que envolvam oneração; [e]ducação religiosa do filho (até aos seus 16 anos); [p]rática de actividades desportivas que representem um risco para a saúde do filho; [a]utorização parental para o filho contrair casamento; [o]rientação profissional do filho; [u]so de contracepção ou interrupção de uma gravidez; [p]articipação em programas de televisão que possam ter consequências negativas para o filho”. No mesmo sentido, Tomé d’Almeida RAMIÃO, O Divórcio…, cit., p. 165.

45 Com algumas reservas face à estipulação legal do critério de exercício conjunto, Maria Clara SOTTOMAYOR, Regulação…, cit., p. 284 e pp. 325

ss, defende que a mesma não deve perder de vista o respeito pela autonomia da família e do superior interesse da criança, de forma a que seja reconhecida a possibilidade de homologação de acordos entre ambos os progenitores que fixem o exercício das responsabilidades parentais de modo singular. Nas suas palavras, a previsão deste critério pelo legislador “[…] impõe apenas que, nos casos em que um dos pais o pede contra a vontade do outro, o/a juiz/a investigue qual é a melhor solução para a criança, podendo impor o exercício conjunto contra a vontade de um

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