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2 HISTÓRIA DO PROGRAMA DE EDUCAÇÃO EM CÉLULAS COOPERATIVAS

2.2 Cenário da experiência inicial: Cipó

A comunidade de Cipó onde o PRECE começou localiza-se a 17 km da cidade de Pentecoste, é parte da microrregião Vale do Médio Curu a 89 km de Fortaleza (figura 7). Destaco

alguns dados sobre o IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) de 1991 a 2010 de Pentecoste com o intuito de mostrar como era a realidade econômica e social do espaço dessa experiência nessas duas décadas:

De 1991 a 2010, o IDHM do município passou de 0,307, em 1991, para 0,629, em 2010, enquanto o IDHM da Unidade Federativa (UF) passou de 0,405 para 0,682. Isso implica em uma taxa de crescimento de 104,89% para o município e 68% para a UF; e em uma taxa de redução do hiato de desenvolvimento humano de 53,54% para o município e 53,85% para a UF. No município, a dimensão cujo índice mais cresceu em termos absolutos foi Educação (com crescimento de 0,472), seguida por Longevidade e por Renda. Na UF, por sua vez, a dimensão cujo índice mais cresceu em termos absolutos foi Educação (com crescimento de 0,358), seguida por Longevidade e por Renda. (IDH, 2019).

Apesar dessa evolução na educação de Pentecoste, causada pela ação do PRECE, nessas duas décadas, diante do contingente populacional de 35.400 habitantes (XIMENES, 2017), ainda não é o bastante. Diante dessa análise, importa complementar que a experiência atinge seu ápice de resultados quantitativos e qualitativos, na primeira metade da sua terceira década, de 2006 a 2020. Levando em conta, as análises da pesquisa de Ximenes (ibidem), mostrada abaixo, ainda não mudou muito os índices quantitativos de avanço educacional no município.

Figura 7 – Comunidade de Cipó

Fonte: Arquivo pessoal da autora

A professora Verônica Morais Ximenes (ibidem), em pesquisa realizada pelo NUCOM (Núcleo de Psicologia Comunitária), publicada em 2017, sob sua coordenação, conforme dito, afirma que a população de Pentecoste é de 35.400 habitantes. Desses, 14.006 moram na zona rural. A pesquisa destaca ainda que a pobreza ou pobreza extrema se faz presente em 5.204 famílias do município. Quanto a economia, esta se baseia na agricultura de subsistência das culturas de milho,

feijão e mandioca e ainda a banana e o côco nas áreas irrigadas pelo açude Pereira de Miranda. O clima é semiárido na maioria da região e subúmido na parte sul, nas proximidades da serra de Baturité. A vegetação que predomina é a caatinga.

Ximenes (2017) analisa áreas básicas da vida social, econômica e política da população de Pentecoste e expõe vários dados importantes para entendermos mais profundo a realidade do município nessas áreas. Acerca das condições de renda e benefícios 85,9% recebem até um salário mínimo, 48,9% recebem o benefício do Bolsa Família e 12,9% recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Quanto ao grau de escolaridade, a pesquisadora verificou que 27,4% concluíram o ensino médio ou cursaram o ensino superior (12 anos ou mais de estudo), 37,8% não concluíram o ensino fundamental e 7,4 % nunca frequentaram a escola.

A partir desses dados, entendo que muito ainda precisa ser feito quanto à escolarização da população de Pentecoste, porque se de 35.400 habitantes, apenas 27,4% desse total, se escolarizou ou concluiu um curso superior, mesmo com a existência do PRECE, tem-se um cenário educacional difícil, ainda com um bom número de pessoas que não concluíram o ensino fundamental e outro bom número que nem frequentou a escola. Com isso, principalmente, os gestores públicos do município precisam avaliar e olhar com mais atenção e seriedade para os entraves que empatam o crescimento da educação no município.

Um dado importante para entendermos a realidade de Pentecoste hoje, sobre o quesito moradia, Ximenes (2017) concluiu que 84,4% moram em casa de alvenaria. Em relação a saúde, 34% da população diz que nunca, ou poucas vezes, consegue atendimento quando precisa, 20,5% das famílias tem morrido alguma criança na família e 37% já não utilizam mais algum serviço de saúde por não ter recurso para pagar o transporte.

A questão do transporte sempre foi um problema para a população rural. Esses dados precisam ser revertidos para um quadro mais positivo porque, quando concluímos que ainda há um contingente de mais de 70% da população sem perspectivas de formação profissional para obter melhores posições no mercado de trabalho, dentre outras possibilidades de inclusão social, ficamos nos interrogando para onde estão indo os investimentos em educação? Como está sendo feito que não surtem bons resultados, dentre outros questionamentos.

O PRECE trouxe oportunidade para essa população, mas a demanda foi e continua sendo muito alta, levando em conta a possibilidade do movimento em Pentecoste e, principalmente, as comunidades rurais como Cipó, ainda precisam de mais apoio e ações práticas, cooperativas e

solidárias para se obter crescimento qualitativo dos resultados educacionais que garantam uma nova realidade, de transformação e desenvolvimento.

Ao longo de quase cem anos, Cipó tem crescido muito lentamente em população, digo isso porque, durante uns 28 anos, tenho passado parte do meu tempo nessa comunidade devido possuir família lá. Por outro lado, ela tem crescido em conhecimento e organização comunitária. Inicialmente, surgiu a família do primeiro proprietário das terras de Cipó do qual se dá conta, Manoel Sabino que vendeu parte dessa terra, em 1921, ao Senhor Alfredo Vicente de Andrade, bisavô de Manoel Andrade Neto.

No decorrer desses anos até a década de 1990, foram construídas algumas casas e bens sociais não governamentais como uma igreja (Presbiteriana Independente do Brasil) um grupo escolar e uma casa de fazer farinha. Cipó foi crescendo e ficou conhecida pelo Ceará, Brasil e por outros países. Isso por ser o espaço onde têm ocorrido mudanças de vida de centenas de Jovens que estariam submetidos ao fracasso escolar e profissional, porém através da relevância vinculada aos impactos e repercussão do PRECE, o seu destino passou a ser outro. Hoje, a comunidade de Cipó se destaca no cenário educacional de Pentecoste por ser a comunidade onde nasceu o PRECE. Na História recente de Cipó, o papel social das famílias, principalmente das mulheres, no apoio aos estudantes do PRECE e suas iniciativas foi primordial para que eles tivessem sucessos em seus estudos, provas e exames seletivos.

Hoje, em Cipó residem em torno de 20 famílias. Essas famílias foram se estabelecendo em um período de mais ou menos três décadas para cá, pois no início, a comunidade foi constituída por outras famílias que acabaram migrando por causa da seca. A principal atividade econômica dessas famílias é a plantação em tempos de chuva e a criação de ovinocaprinocultura, e, alguns deles cuidam de gado. Em sua maioria, as mulheres e os homens das famílias de Cipó são semianalfabetos dos conhecimentos históricos e científicos de seu país, estado e município, mas dono de um vasto conhecimento do seu microespaço de vivência e de suas atividades de trabalhador rural, criador de animais, e pescador, dentre outras funções que a vida rural exige.

Poucos têm comércio (bodega, bar) ou carro para transporte de pessoas. Percebo como características dessa mulher e homem, a pacatez, a religiosidade, a resignação e pouca consciência crítica da sua realidade. Acreditam que o seu futuro está nos filhos. A mulher, em alguns aspectos, é mais escolarizada, por isso acompanha os filhos na escola e exerce o papel de cuidar da casa e

dos filhos. Somente algumas são professoras ou merendeiras na escola pública. Outras cuidam da família, da casa e ainda ajudam o marido na agricultura e criação de animais.

Os filhos homens estudam parte do tempo, em outra, ajudam o pai no roçado e no cuidado com os animais. Outros, só estudam e se divertem nos campos de futebol ou no celular, na internet rural. As moças estudam e ajudam as mães em casa, ou se divertem como os meninos em redes sociais e na torcida nos campos de futebol. Os filhos e filhas estudam no ensino básico nas escolas públicas de três comunidades vizinhas a Cipó, a Escola Sebastiana Rodrigues de Sousa em Capivara, a escola Nossa Senhora da Conceição em Irapuá e a escola Manoel Félix Gomes em Mulungu.

Alguns desses estudantes continuam o Ensino Médio em núcleos existentes nessas escolas, certificadas pelas escolas da sede de Pentecoste. Outros, com mais condições para deslocamento, preferem enfrentar as distancias e vão diariamente 17 quilômetros para as outras escolas de ensino médio da cidade. E ainda há aqueles que são selecionados pela a escola de educação profissional Alan Pinho Tabosa também no centro de Pentecoste que hoje utiliza a metodologia do PRECE, a Aprendizagem Cooperativa.

Como cidadã de Pentecoste e conhecedora de parte das realidades dessas comunidades rurais e urbanas, considero importante a história de cada comunidade e que dessa forma, cada moradora e morador podem perceber o valor que há em suas histórias de vida para a construção da sua identidade e da memória coletiva de suas comunidades.

A partir dessa ideia e inspirada na história do PRECE foi que criamos o Projeto Memorial do PRECE no qual tenho dedicado um pouco do meu tempo e que tem sido fundamental para valorizar, organizar e divulgar histórias de protagonismo estudantil cooperativo e solidário de estudantes e professores agentes da experiência. Com essa iniciativa, vejo que teremos mais condições para preservar a memória e a cultura da comunidade e da região onde temos construído tantas práticas educativas e transformadoras da nossa realidade.