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BUSCA DO “SER MAIS” ATRAVÉS DE PRÁTICAS SOCIAIS NA COMUNIDADE

Paulo Freire (2011) fala de um tempo e lugar bastante conturbado, década de 1960, no exílio, longe de sua pátria, quando nosso país passava por um duro golpe militar. O autoritarismo cerceava a liberdade das mentes brilhantes de nosso país e uma delas era a de Freire. Ele fala de um lugar onde tudo era incerto, movediço e mais para desfechos negativos do que para uma aura positiva, por isso usa o termo “dramaticidade”. No trecho, ele desafia o homem e a mulher a olhar para si e se ver como um problema a ser analisado e refletido, ou seja, a exercer a tomada de consciência de que é um ser humanizado e não meramente um objeto na condição de oprimido. Este agente ontológico precisa entender qual o seu papel no mundo. Conclama esse homem e mulher a enxergar que de si, sabe pouco e que, portanto, precisa saber mais para poder ser mais e nessa autorreflexão se perguntar e se responder de um modo infinito na incompletude desse ser.

Há um sentimento em nós herdado de um processo de colonização pelo qual passamos, que nos deixou marcas profundas até hoje percebidas. Assim, não valorizamos nossa história e só agora temos dado conta do valor que há no percurso em busca do “ser mais”, termo cunhado por Freire que significa a necessidade de superação de uma situação opressora através do reconhecimento crítico e de uma ação transformadora que alimente a busca desse ser mais, de uma transformação de vida indigna para outra mais digna (FREIRE, 2011, p. 46).

Fortalecida pelas palavras de Freire e de tantos outros pensadores que destacam a importância do olhar para dentro de nós e nos perceber no outro e na vida social, é que inicio essa aventura à procura de mim e do “ser mais”.

Nasci no meio da vegetação cinzenta do sertão cearense, numa casa de taipa. Sou filha de Antônio Rodrigues, um vaqueiro, agricultor e pescador e de Luiza Feitosa, dona de casa. Os dois tinham poucos estudos, mas, apesar dessa condição, sobrava muito amor, e esse amor me empurrou para frente. Só aprendi a ler aos dez anos de idade, mas desde que abri meus olhos para ler o mundo, tenho buscado vários saberes.

O nome Ana significa “cheia de graça” e Maria “mulher que ocupa o primeiro lugar”. Este é o meu nome. Quando me entendi por gente, eu não gostava do meu nome, mas se me perguntassem o porquê, eu não saberia responder. Só sei que ficava indagando a mim mesma: “por que não gosto do meu nome?!”. Certa vez, no início da minha adolescência, perguntei a minha mãe por que ela havia me colocado esse nome, ela me respondeu: “minha filha, seu nome é muito

importante! Pois é o nome de duas santas, mãe e filha, Santa Ana, mãe de Maria Santíssima, e essa, a mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Naquele dia, senti certo alumbramento pela satisfação e prontidão com que minha mãe, cheia de certeza, explicava o motivo pelo qual havia me nomeado assim. Com essa explicação, ela tornava o meu nome valoroso e produzia em mim um momento revelador, cercado pela natureza da fé. Depois desse diálogo, fiquei a pensar, e, muito crente, decidi: “preciso gostar do meu nome, pois ele é importante”. Hoje, acho o meu nome muito bonito e gosto dele, pois representa a mim, como sou.

Na figura 23, apresento mamãe, com seu sorriso costumeiro, amoroso, mas meio sério, estava sempre focada em ver o que não estava certo aos seus olhos para corrigir. Exercia sobre mim, na adolescência e tenra juventude, um controle quase exagerado; sempre dizia uma frase que representa bem essa forma de se relacionar comigo: “você é o rabo da minha saia”, ou seja, alguém que não podia despregar dela e que para onde ela fosse, eu estaria junto, e quanto a isso, ela não saía de casa sem mim, sempre dizia que não gostava de andar sozinha; principalmente por isso, me influenciou tanto a ir para a igreja e a me envolver na missão cristã e ter fé em Deus, algo que ficará para o resto de minha vida.

Dessa forma agia talvez pelo fato de eu ser a filha que substituiu o seu caçula que morreu com 01 ano e alguns meses de idade pelas doenças da infância, na época da precariedade quase absoluta do sistema pública de saúde, na década de 197,0 em Pentecoste. Depois desse triste episódio na história de vida de minha mãe, passei a ser a filha caçula da família. Por tudo que ela havia passado em ter perdido três filhos bebês, mamãe tinha muito medo de que eu morresse também.

Figura 23 – Minha mãe, Luiza Feitosa Teixeira

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Nasci em um pequeno sítio no município de Pentecoste, à 88 quilômetros de Fortaleza, local bucólico e tranquilo. Meus pais tiveram onze filhos, sobreviveram sete, três morreram ainda crianças pelas infecções da primeira infância e o outro, já rapaz, desapareceu ao enfrentar o subemprego em Fortaleza, na década de 70, e nunca mais voltou à casa paterna. Tive uma infância embaixo de cajueiros e mangueiras do pequeno lugarejo chamado Tabuleirinho, zona rural distante uns seis quilômetros do centro da cidade interiorana, Pentecoste.

Em minhas lembranças, vêm os momentos que mais marcaram a minha infância, um deles era o de brincar debaixo dos cajueiros grandes e frondosos. Eu e minha prima Rita de Cássia, brincávamos de boneca de pano e, às vezes, simplesmente subíamos bem alto no cajueiro para ter uma visão panorâmica de cima. Lá, conversávamos sobre muitas coisas e assuntos que não lembro para defini-los, mas só sei que eram de tom agradável, positivo e feliz, tudo muito para cima, nada de tristeza, de chatice ou de problemas – era pura felicidade! Talvez porque soubéssemos agradecer pelo que tínhamos ali naquele pequeno pontinho no mapa do Brasil.

Aquele lugar era cheio de árvores localizadas abaixo da parede de um açude, em uma terra molhada e fértil pela vertente de águas que vinham do açude em frente a nossa casa de taipa,

grande por abrigar uma família de oito filhos, mais o papai e a mamãe. Essa casa foi feita por meu pai que era carpinteiro rústico, além de outros ofícios que a vida foi exigindo dele. Ele havia feito as nossas casas anteriores, talvez uma ou duas. Homem moreno bronzeado, cabelos pretos, parecido ao nativo de nossas terras, forte e trabalhador, nascido em Itapipoca, nome de origem indígena, distante 100 quilômetros de Fortaleza; ele me disse que sua bisavó era índia, então o seu porte físico já traz essa informação de sua ancestralidade. Viveu no Sítio dos pais, próximo da Barra do Rio Ceará, em Fortaleza, no tempo de sua adolescência. Saiu de sua cidade natal quando começava a ganhar a vida, vendendo maçã na praça da lagoinha e verduras e bombons no mercado São Sebastião, na década de 1940.

Logo conheceria seu grande amor, quando se mudaria para Pentecoste, após a adolescência, com intuito de ajudar seu pai, João Rodrigues Teixeira, na fazenda dos Carvalhos. Ele, ao conhecer Luiza, minha mãe, nascida em Pentecoste, branca, loira, de olhos verdes, bonita aos olhos de meu pai, que caiu de amores por ela. Namoraram poucos meses, logo casaram e foram morar na fazenda Belém, em um pequeno torrão, próximo à natureza do sertão de duas estações: a de sol e a chuvosa, quando não éramos surpreendidos pela seca avassaladora da verdura, das gentes e dos animais como nos mostraram genialmente, Raquel de Queiroz e Graciliano Ramos, em O Quinze e Vidas Secas, respectivamente.

A (figura 24) é representativa para mim, pois o sonho de se graduar simbolizava que, a partir desse momento, eu poderia ajudar mais, financeiramente, ao papai e mamãe. Consequentemente, consegui melhorar as instalações físicas de sua casa e ajudá-los a cuidar da saúde deles, acompanhando junto com os meus irmãos e irmã que também, como eu, se importam com eles.

Figura 24 – Meu pai Antonio Rodrigues Teixeira, na minha Formatura em Letras

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Voltando a minha infância, na estação chuvosa, vivíamos a tomar banho no açude, nas grotas e riachos, a ver a tirada de leite no curral, a apartação dos bezerros, a ferra do gado, a chegada e estadia dos ciganos que ficavam semanas debaixo do pau branco em frente a nossa casa, e nós, irmãos grandes e pequenos, a ouvir a nossa mãe a nos orientar a não ir para junto deles, pois eles poderiam dar maus presságios na leitura de nossa mão ou poderiam nos levar embora com eles e nem nós e nem ela nunca mais nos veríamos. Em outros dias, no fim da tarde, quando o sol batia naquele pau branco, agora desabitado pela gente andarilha, aquela paisagem tinha outra cor naquele momento tão desolado, e nossa casa se perdia na vastidão do sertão, onde as casas são tão distantes umas das outras.

Eu, ainda pequena, às vezes ficava a olhar de mão em pala para ver se a Júlia e suas bonecas de pano “apontavam” no caminho que dava em nosso terreiro e quando isso deixava de ser uma simples miragem, eu morria de felicidades a brincar o tempo inteiro com minhas bonecas de pano porque na ausência delas, eu usava sabugo de milho. Enfim, ali era o meu paraíso infantil, perdido pela ação do tempo em nossas vidas, que nos jogam para frente, para o futuro, para vivermos novas aventuras.

Nessas experiências, fui me construindo pela aprendizagem na convivência e interação com outras pessoas e lugares. A minha trajetória intelectual iniciou-se tardiamente, devido à distância de minha casa para a escola, mamãe se sentia desconfortável em me deixar ir somente aos cuidados de meus irmãos, por isso, somente aos nove anos de idade, quando nos mudamos para próximo de uma escola chamada José de Anchieta e Silva, localizada na comunidade de Ombreira Esquerda, foi que passei a sentar em um banco de escola pela primeira vez.

Tudo começou quando minha irmã Odete (figura 25) alertou a minha mãe a me matricular, parece que estou vendo a cena do diálogo de outrora: “mãêêee, a senhora não pode deixar essa menina crescer sem ir a uma escola não, ela precisa estudar!”. Odete era mais velha do que eu quinze anos, tinha feito até a oitava série em Fortaleza quando morava na casa do patrão de meu pai e ao voltar para Pentecoste, ganhou um contrato para lecionar na escola citada.

Quando entrei na referida escola me sentia um ET no meio da classe, acanhada, calada e assustada, parecia um bicho do mato, como se dizia na expressão popular, era uma matuta, sem uma cultura escolar prévia, sentia-me como um “peixe fora d’água”, com a autoestima baixa e sem estímulo, e já ao final do primeiro ano, não aprendi a ler. Além disso, a professora não contribuía para o meu aprendizado.

Figura 25 – Minha irmã, Odete Feitosa Teixeira

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Naquela época, o método educacional incluía a tão temida palmatória e eu sofria ameaças dispensadas por Tonete Nasciso6, caso eu não lesse a lição do dia na minha cartilha, no entanto, eu não sabia ler, e, ela me pressionava, e eu apenas ficava calada e tremendo de medo quando ela se aproximava. Certa vez minha mãe se encontrou com Tonete Nasciso na feira e as

duas falavam sobre os porquês de, no fim do primeiro ano, eu ainda não saber ler, o resumo da conversa foi que a professora pôs a culpa em mim.

Minha mãe pediu a nossa vizinha, a grande amiga da família, Rosa Araújo (Rosinha), que era professora particular, para abrir-me os olhos para o mundo fascinante da leitura. Porém, naquele momento, eu estava mais confusa do que antes quanto à importância de ser alfabetizada porque eu havia sofrido uma violência psicológica, uma ameaça sob os últimos anos do castigo da palmatória em minha região e isso me deixou sequelas, provavelmente, pelo resto de minha vida, operadas, talvez, de modo inconsciente. Pressionada, sufocada! “Ufa!” eu não aprendi a ler naqueles nove anos de idade, mas, somente aos dez anos pelo amor da professora Rosinha, minha querida vizinha que no ano de 1981, quando, numa mesa grande em sua sala, eu ouvia suas palavras mágicas e meigas e aprendia a juntar as sílabas na carta de ABC (figura 26) e foi assim que abri meus olhos para a leitura do mundo como diz Paulo Freire.

Figura 26 – Carta de ABC utilizada por Rosinha para me alfabetizar

Se não fosse a redenção do amor de Rosinha não sei se eu teria persistido. Com sua presença carinhosa e meiga abria-me ao diálogo que ela travava comigo, tratando-me como sua amiga do coração, ela me fazia entender que surgia uma nova fase na minha vida quando eu teria que assumir algumas responsabilidades até então inexistentes em minha rotina de pré-adolescente.

Em apenas três meses meus olhos receberam a luz do saber, outrora a mim negado pela palmatória, envolta pela arrogância e autoritarismo de um sistema opressor e por alguém, fruto desse sistema, sem formação humana profissional nenhuma e imersa na cegueira da sua realidade. Assim como o mito do Prometeu que compartilhou o fogo do conhecimento negado pelos Deuses aos humanos, Rosinha foi o meu Prometeu e essa analogia se conformou nela porque ela sempre foi uma pessoa muito cooperativa, caridosa, amável, voluntariosa na comunidade, na sua vizinhança, mas sempre muito sofredora, dentro de uma realidade de pobreza e de ignorância que a cercava por vários lados de sua vida, na época.

Essa situação de Rosinha era imponente devido ela, mesmo amor pelo que fazia por quase nada de dinheiro, não ter as condições para se desenvolver; era impossível, na época, em suas condições, conseguir uma formação de professora, um curso superior que lhe oportunizasse um emprego melhor.

Essa situação só veio mudar em Pentecoste mediante a criação do PRECE, em 1994; com o programa, felizmente, seu filho Antonio Erasmo teve a oportunidade que Rosinha não teve, o de realizar um curso superior. Na figura 27, Rosinha está na idade de quando me alfabetizou; uma mãe, esposa e professora bem jovem e bonita. Hoje guardo gratidão pelo que ela me deu: o melhor presente da vida de uma pessoa – a leitura. Ela é uma amiga que permanecerá sempre no meu coração.

Figura 27 – Minha alfabetizadora Rosinha

Fonte: Arquivo pessoal de Rosa Araújo dos Santos.

Acerca desses dois episódios narrados, viajando pelo túnel do tempo da minha memória, até bem pouco tempo, eu não tinha consciência da importância desses fatos e personagens na minha vida presente. Recentemente, ao contar minha história de vida numa formação de professores, passei por uma epifania, uma descoberta de mim mesmo e do valor das relações empreendidas no decorrer da minha vida. A partir desse revisitar ao meu passado, tomo atitudes mais assertivas, socialmente e emocionalmente, em relação a valorização de minha alfabetizadora na minha história. Rosinha é uma figura muito valiosa para mim, atualmente, procuro visitá-la mais que antes.

Não ter aprendido a ler com nove anos por causa do terror da palmatória, mas apenas com dez anos, pela doçura de Rosinha, me faz uma vencedora por ter conquistado vários êxitos na minha vida estudantil, profissional e pessoal. Isso tudo são questões lembradas por vários estudiosos da pesquisa autobiográfica e uma delas, Isabel López Górriz, diz que:

quando as pessoas começam a se questionar e a desenvolver um processo autobiográfico, as formas que as configuram começam a se demonstrar – atitudes, comportamentos...-. Entram, então, em crise e, sob profundos questionamentos, tomam consciência de suas ações e tomam decisões para gerar mudança. Mudança que lhes permite romper com os moldes nos quais estão aprisionadas e, assim, configurar-se diferentemente. (GÓRRIZ, 2008, p.305).

Desse modo, vejo que tudo que configurou esse momento de minha vida veio à tona e surgiu em mim, um emaranhado de coisas mal resolvidas que, expostas a meu autojulgamento, pareceram superadas, até que um dia, elas resolveram me revisitar. Isso tudo foi se conformando em um novo momento, um tempo mais próximo do presente e fui tomando consciência de tudo que constitui o meu ser e fazer no mundo. Essa autoanálise funciona como uma espécie de balanço da própria vida e requer um processo de retorno, permanência e mudança que culmina no desejo de ser e fazer o melhor para mim e para o mundo. Na mesma tônica, Paulo Freire afirma que:

mais uma vez os homens, desafiados pela dramaticidade da hora atual, se propõem a si mesmos como problema. Descobrem que pouco sabem de si, de seu “posto no cosmos”, e se inquietam por saber mais. Estará, aliás, no reconhecimento do seu pouco saber de si uma das razões desta procura. Ao se instalarem na quase, senão trágica descoberta do seu pouco saber de si, se fazem problema a eles mesmos. Indagam. Respondem, e suas respostas os levam a novas perguntas. (FREIRE, 2011, p.39).

Essa fala de Freire vem me certificar do fato de que pouco olhamos para nós mesmos no mundo, nas nossas andanças e no perscrutar acerca de nós. Passamos nossa vida sem dar conta dos nossos sonhos e feitos. Ele fala do drama humano de cada um, mas principalmente, daquele que está à margem da sociedade. Destaca a possibilidade de um cair em si, entendendo que somos indivíduos históricos, com uma razão de ser no mundo e importantes na construção de uma nova sociedade mais justa e equânime. Nessa busca de nós, indagamos e respondemos esse processo que nos conduz a novas inquirições, mas assim seguimos no curso desta vida terrena, nunca estamos prontos, vivemos nesse constante devir.

Nessa caminhada, desde muito jovem, aos treze anos, convivi com processos de ensino e aprendizagem não formais nos grupos de jovens da Igreja Católica. Essa convivência se deu na cidade onde nasci, Pentecoste, em companhia de minha mãe e meu irmão, ambos militantes da igreja junto com padres, freiras e outros líderes da época.

Todo esse cenário me serviu de estímulo para que eu fosse impulsionada a escolher a área do ensino e a profissão docente. O exemplo de minha família foi o rumo inicial para que eu assumisse a função de professora de religião, catequista de turmas para a primeira comunhão, para

a crisma, e assim, foram surgindo outras funções em que eu continuaria nesse processo de educar- me e formar-me.

Lani-Bayle (2008) discute acerca de conceitos importantes que devemos saber a fim de que compreendamos antes de construirmos nossa história de vida. A autora cria o termo transgeracional, o qual quer dizer que nossa história de vida veio se fazendo antes de nós existirmos, e esse fenômeno é responsável pelo nosso “pré-texto”; assim, a nós é repassado, de nossa geração anterior, alguns legados culturais, sociais ou econômico, transmitidos de geração em geração. Ela diz que “esse interior não é inerte, ele se fez sem nós, mas ele nunca acaba de ter coisas a nos dizer, coisas que contribuem para nossa constituição” (LANI-BAYLE, 2008, p.305). Isso me fala que ao contar minha história de vida não estou pensando somente na esfera do possível, mas, igualmente, abrindo-me à possibilidade do inesperado, ou seja, modos e práticas herdadas que retornam em uma nova roupagem. Isso gera a existência de um eu construído também por heranças culturais de meus ancestrais. E me deixa alterar, me transformar em um processo histórico, social e emocional na grandeza completa de meu ser, num jogo empático, inserindo-me, portanto, em uma dimensão de anterioridade, de contemporaneidade e de posterioridade.

Lani-Bayle apresenta ainda outro conceito, o intergeracional; ela afirma tratar-se de um diálogo entre uma geração antiga e uma geração nova, e nisso, há essa inter-relação de modos de ser, valores, cultura das gerações passadas para as de hoje, e nessa comunicação, a geração atual