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2 CENÁRIOS NA FORM AÇÃO

No documento ÍNDICE DO VOLUME IV (páginas 101-105)

LANDSCAPE, ARCHITECTURE, DESIGN AND EDUCATION

2 CENÁRIOS NA FORM AÇÃO

2.1 - Formação

Neste contexto, segundo Kenneth Frampton, o ensino da Arquitetura deveria ajustar os seus objetivos, nomeadamente, quanto ao “ equilíbrio entre o treino profissional e a responsabilidade

de dar aos alunos uma educação suficientemente ampla” , sendo essencial admitir que a Arquitetura, pese embora muitos dos seus processos “ possam ser qualificados como métodos e

aplicações técnico-científicos” , a sua prática ainda é em última instância um ofício, situação que explica a razão por que “ a Arquitetura como disciplina sempre esteve desconfortável no interior

da universidade”55. Esta formação simultaneamente instrumental e abrangente corresponde a

53 Cf. Kennet h Frampt on (2000:27): “ est ou convencido que as escolas de Arquit et ura e planeament o em t odo o m undo deveriam dar uma muit o maior

enfâse à cult ivação da paisagem com o um sist ema de referência em vez de se concent rarem exclusivam ent e, como t êm t ido t endência a fazer at é agora, ao desenho de edifícios com o objet os aut ónomos” , (t radução livre).

54 Kennet h Frampt on (2000:27-28), (t radução livre).

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uma conceção do arquiteto como “ especialista na não-especialização” ,56 como agente com capacidade para interrelacionar os diversos elementos e disciplinas que concorrem em cada nova experiência de edificação.

A discussão e construção deste “ lugar-forma” , simultaneamente objeto em si e “ acupuntura” de um sistema urbano e de paisagem em crise, exigem um posicionamento crítico e uma capacidade de descodificação e de comunicação permanentes. Nesta circunstância, o processo de Projeto não pode ser entendido como um ato produzido de forma isolada no atelier, mas antes como um processo de negociação e colaboração sucessivas, em que o Projeto enquanto instrumento da Arquitetura apresenta sucessivas hipóteses relacionais, agindo sobre uma ampla gama problemas, mais práticos ou mais filosóficos e oferecendo cenários de transformação suscetíveis de serem aferidos.

Fig. 1: Duart e Cabral de Mello, imagem da apresent ação “ Projecto: Da ét ica & da Gest ão da Ignorância” , ISCTE-IUL, 13 de Novembro de 2012, arquivo pessoal do aut or. Nest a imagem-apresent ação, Cabral de Mello referia-se à necessidade de se avançar mais além da organização burocrática e ensaiarmos uma convergência de conheciment o e uma recuperação dos valores ét icos do 1º modernismo do século XX.

56 Kennet h Frampt on 2000:27-30 (t radução livre). A respeit o do “especialist a na não-especialização” , cit a Álvaro Siza: “ Const ruir envolve t ant os

elem ent os, t ant as t écnicas, e problemas t ão diversos, que é impossível possuir t odo o conhecim ent o necessário. O que é requerido é a habilidade para int erelacionar element os e disciplinas diversas. Porque os arquitet os t êm uma visão panorâmica e não est ão const rangidos por conheciment o concret o, são capazes de conect ar vários fatores e mant er a capacidade sint ét ica da não especialziação. Nest e sent ido o arquit ect o é ignorant e, mas é capaz de t rabalhar com muit as pessoas e coordenar e int egrar um vast o número de part iculares. Est as são compet ências que se adquirem apenas at ravés da experiência. Com elas podemos encarar novas sit uações que acompanham cada Projet o” . Cf. Álvaro Siza and Peéra Goldman in Technology, Place and Archit ect ure (New York, Rizzoli, 1998:155), t radução livre.

103 2.2 - Projeto

A este respeito, Jeremy Till,57 refere que para se alcançar uma nova relação entre a Arquitetura e as transformações sociais do mundo atual é necessário reconsiderar a própria ideia de “ Projeto” , de “ design” , alterando a ideia de produção de objeto para uma ideia de processo e de assunto. Trata-se de uma mudança cultural para os projetistas, porque implica que se definam não apenas pelo resultado final, pelo edifício no caso da Arquitetura, mas por t odo o processo de Projeto, entendido enquanto “ pensamento” (design thinking), como modo de re- imaginar o futuro da sociedade, como um “ modo de fazer sentido, de fazer conexões, de

trabalhar de maneira relacional” , 58 adquirindo uma múltipla dimensão perante a realidade.

Esta reconcepção do Projeto ampliaria o próprio campo de ação da profissão, oferecendo à sociedade outras maneiras de ser produtivo, para além do resultado final edificado. É ainda um a revalorização metodológica para além do âmbito interno da “ reflexão-em-ação” referida por Donald Schön,59 colocando-o como um processo de utilidade social, que oferece uma metodologia de negociação e cenários de síntese, que representam transformações da realidade que podem ser lidas e aferidas, simultaneamente como um todo (um “ quase-objeto” , diria Vittorio Gregotti60) e parcialmente em todas as suas subcomponentes, permitindo uma visão de conjunto, que ret ome o panorama do jogo dialético entre cultura e civilização que Kenneth Frampton afirma ter sido quebrado nas últimos décadas do século XX.

2.3 - Investigação

O Projeto como processo aproxima-se da ideia de investigação, negociando circunstâncias e apresentando cenários aferíveis de transformação, valorizando um procedimento sobre um resultado final. No entanto, e na medida em que consideramos o seu reduto operativo como artesanal e cultural,61 mesmo que integrando processos e aplicações técnico-científicas, é dificilmente entendível como investigação de acordo com os protocolos das áreas de conhecimento mais próximas das ciências.62 M as, não obstante a dificuldade em classificar e delimitar o que é e o que pode ser investigação em Projeto de Arquitetura, há uma convergência no debate da profissão e da Universidade em redor de uma necessidade de legitimação social, incentivada pelo clima cultural pós 2008, mas que pode ser lido no próprio processo de transformação da Universidade desde o final dos anos 1990, e que no caso do Projeto passa por

57 Jerem y Till em ent revist a a Leonardo Novelo, em Dezembro de 2014, por ocasião da exposição “Scarcit y” na Cent ral Saint M art ins, Londres. 58 Idem.

59 Veja-se a est e respeit o a crít ica às met odologias de Donald Schön ef ect uada por Jam es Benedict Brown (2013). 60 Vit t orio Gregot t i 1972:16.

61 Cf. Kennet h Fram pt on (2000:22).

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uma reformulação do seu papel cultural e instrumental, criando uma expectativa de utilidade operativa no seio da própria Universidade.

Ou seja, o Projeto de Arquitetura pode ser utilizado na Universidade como processo cognitivo, com uma utilidade metodológica para a investigação, permitindo uma dupla legitimação: da Arquitetura e dos seus instrumentos no interior da Universidade e para com a sociedade em geral, desenvolvendo um almejado círculo virtuoso, em que a academia e a prática se legitimam reciprocamente.

2.4 - Universidade

No seio da Universidade, as transformações estruturais e conceptuais operadas com o “ Processo de Bolonha” são convergentes com este quadro geral. Por um lado, representam uma expectativa de eficácia e de legitimação da Universidade e propõem, à semelhança dos modelos liberais empresariais, uma abertura das instituições universitárias às expectativas da sociedade.63 Por outro, suscitam a alteração de um sistema de ensino baseado na transmissão de conhecimentos, para um modelo baseado numa educação que favoreça métodos, princípios e instrumentos para a aquisição de conhecimentos e de competências que possam vir a ser utilizados ao longo da vida pelos formandos, numa situação de constante desenvolvimento e adaptação, que permita um entendimento e operacionalização de saberes teóricos- instrumentais, que se transformam em “ ferramentas praticas” , significantes segundo determinadas condições de operabilidade, face a uma realidade fragmentada e contingencial. As ideias de conhecimento, investigação, prática e teoria ganham um sentido operativo, pedagógico e estabelecem-se em complementaridade, podendo ser experimentadas pela prática do Projeto.

Em sentido oposto, a prática projetual inclui, ou relaciona-se, também, com as “ práticas

teóricas” e com as “ práticas críticas” ,64 quer quanto aos seus processos, quer quanto às suas propostas.

Trata-se portanto de uma hipótese de operacionalização conjunta das tradicionalmente afastadas “ práticas arquitetónicas” e “ práticas teóricas” ou “ criticas” , ou seja, de uma

63 M as, t al como a Arquit et ura, a Universidade receia que um excesso de dependência de crit érios de produt ividade a afast e da finalidade int rínseca

de preservar o conheciment o com o benefício independent e.

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aproximação das “ práticas materiais” e das “ prática discursivas” , segundo a conceção proposta por Stan Allen.65

A proliferação de arquitetos com obra construída e com doutoramento, incentivados pela reforma do Estatuto Carreira Docente Universitário (ECDU)66 que acompanhou o quadro normativo do “ Processo de Bolonha” , é um exemplo deste cenário e instiga uma leitura para além de uma simples separação entre práticos e académicos. Este cenário favorece a construção de uma narrativa da relegitimação profissional-social em torno do Projeto como forma cognitiva, tentando aproximar a prática da Arquitetura à categoria das disciplinas da investigação.

Situação que acresce ao Projeto como meio pedagógico, o Projeto como modalidade de pensamento, ao serviço da resolução de problemas do mundo, alcançando um significado múltiplo, incluindo o apoio à investigação em meio universitário.

Kenneth Frampton referia que a Arquitetura deveria equilibrar o treino profissional com uma responsabilidade ética e cultural, proporcionando um a formação mais abrangente aos futuros profissionais, essa aparenta ser também a inexorável tendência dada pelo desenrolar dos factos do mundo. Como veremos de seguida, estes múltiplos fatores são ensaiados na última unidade curricular do curso de Arquitetura do ISCTE-IUL, onde múltiplas influências67 são convocadas para a síntese de projeto, sendo a noção de paisagem, enquanto uma parte do território, cujo carácter resulta da ação e da interação de fatores nat urais e/ ou humanos, serve de catalisador de leituras integradas e garantia de uma abordagem morfológica e integradora aos projetos de edificação ensaiados.

No documento ÍNDICE DO VOLUME IV (páginas 101-105)