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5 ESTUDO DE CASO DO PARQUE NATURAL DA RIA FORM OSA

No documento ÍNDICE DO VOLUME IV (páginas 186-189)

STUDY CASE OF RIA FORM OSA NATURAL PARK

5 ESTUDO DE CASO DO PARQUE NATURAL DA RIA FORM OSA

A Ria Formosa, localizada no sotavento algarvio, a sul de Portugal, é hoje constituída por um braço de rio que separa a terra do mar ao longo de 60 Km de costa, através de um sistema dunar com 2 penínsulas e 5 ilhas separadas por 6 barras. Devido ao seu ecossistema de transição, constituído sobretudo por dunas, areias e sapais, sensíveis aos processos de ocupação humana inadequada, foi classificada como Reserva Natural em 1978 e como Parque Natural em 1987 (Fig. 1).

Fig. 1: Delimit ação cart ográfica do Parque Nat ural da Ria Formosa (ICNF)

De fact o, a Ria Formosa apresenta recursos naturais que desde sempre apelaram para o estabelecimento sazonal de povoações, com vestígios de salgas datadas do período romano e do cultivo de figueirais da época medieval ao longo da sua costa (Fig. 2), sobretudo junt o às entradas saídas da ria, constituídas por barras (Guerreiro et al., 1993).

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Fig. 2: Carta Corográfica do Reino do Algarve, 1841 (Campo Arqueológico de Tavira)

Contudo, no decurso da sua urbanidade104, os primeiros assentamentos urbanos de que há registo apresentavam um carácter efémero, dependentes dos diferentes ciclos de marés com recorrentes inundações (Coelho, 2008). A par das condições biofísicas e decorrente de um a disputa do território português pelo mar que era frequente no período de domínio filipino (século XVII), o assolamento da costa algarvia por piratas também contribuiu para um generalizado sentimento de insegurança, condicionando a sua ocupação consolidada (M agalhães, 1993). Por esta razão, foi construído um conjunto de fortalezas nos extremos de cada uma das barras, com a função de controlar o acesso à ria. A importância simbólica destas construções foi desde logo culturalmente reconhecida pelas entidades de poder, sobretudo religioso e militar (Vasconcelos, 1983). Contudo, devido à acentuada dinâmica de formação das dunas, os respectivos canais de acesso rapidamente mudaram de local, deixando as fortalezas de desempenhar a função para a qual estavam pensadas (Callixto, 1981). M ais tarde, já no século XVIII, a solução mais viável encontrada para este problema resultou da confiança depositada pela rainha D. M aria I nas comunidades locais que à época viviam junto às barras, as quais avisavam, de imediato, as entidades de controlo acerca das invasões (Cavaco, 1976). A partir de então e de forma progressiva, a fixação consolidada dessas comunidades acabou por se concretizar devido a um processo de compreensão e adaptação às condições de transformação

104 Numa perspect iva evolut iva do próprio t ermo, urbanidade corresponde aqui à qualidade daquilo que é urbano, ist o é, que est á relacionado com a

vida na cidade, sendo essa qualidade dependent e das t ransformações ocorridas a nível social, económico e polít ico, det erminadas pela ocupação humana ao longo do t em po, de acordo com as suas necessidades de apropriação cult ural e biológica, bem com o das caract eríst icas biofísicas da paisagem em que est á inserida (Coelho, 2015).

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biofísica da ria e, ao mesmo tempo, pelo reconhecimento do seu potencial intrínseco para satisfazer necessidades elementares, garantindo-se assim a sua perpetuidade ao longo do tempo. À mercê dos meios que disponham, a arquitectura que aqui se edificou tornou-se a expressão singular e ao mesmo tempo colectiva do valor qualitativo desses factos. No caso da

arquitectura de tradição, esta foi sofrendo uma constante adaptação construtiva, através da

aplicação de técnicas tradicionais e do uso de recursos disponíveis na região (Fig. 3).

Fig. 3: Evolução da arquit ect ura habit acional na Ria Formosa (Arquivo M unicipal de Olhão)

Tratava-se, inicialmente, da cabana de colmo, com cerca de 5-6m de comprimento e 3-5m de largura, constituída por uma armação com varas de madeira enterradas obliquamente no solo, nas quais assentavam longitudinalmente ripas de cana. Toda a estrutura, incluindo a cobertura de duas águas, era revestida com junco, estorno, barrão ou palha atada com cordas de piteira ou palma, matéria-prima vegetal, disponível na envolvente da ria. No interior, uma divisão funcionava para habitação e outra para arrumos onde se guardavam as redes e utensílios da pesca. No conjunto, a estrutura e materialização física da casa estava não só adaptada às proporções humanas da época, mas também às condições biofísicas adversas em que se inseria (Vasconcelos, 2007).

M ais tarde, a cabana foi gradualmente substituída pela casa construída em alvenaria de pedra, igualmente térrea e com um quintal na parte de trás. A cobertura de duas águas era feita de caniçado sobre traves de madeira forrado com telha de meia cana, embora o compartimento mais importante da habitação, a “ casa de fora” (a sala de estar), pudesse ter um telhado de tesouro (de quatro águas). Romba (2008) descreve-nos que esta habitação incluía um pequeno quarto com uma ou duas esteiras (camas) no chão para a família dormir e nos fundos encontrava-se a cozinha composta por uma pequena bancada e, a um canto, pela chaminé onde se fazia o fogo (o lume).

A partir do século XIX, devido à obtenção de mais riqueza e consequente crescimento demográfico, verificaram-se alterações profundas na estrutura e modos de construção dest e tipo de arquitectura. O lote passou a ser totalmente ocupado ao nível do logradouro e a

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edificação de um piso superior assentava na soteia, estrutura que permitia a sua expansão em altura sem fundações (Romba, 2008). Este modelo de construção arquitectónica e de ocupação urbana, desenraizada do contexto local e sem limites formalmente defenidos, verificou-se incompatível com os processos naturais de transformação da paisagem da Ria Formosa, resultando numa progressiva perda de identidade por parte das suas comunidades locais. Acontece que, o carácter singular desta paisagem, que outrora tinha origem num processo identitário estabelecido através do acto de habitar a que designamos lugar, foi-se perdendo pelo facto das respetivas memórias passarem a ser distituídas de fronteiras temporais e de experiência espacial (Peralta, 2008). Perante esta situação, a sua classificação como Parque Natural (PNRF), legislado por um Plano Especial de Ordenamento do Território desde 1987 (Decreto-Lei nº 373/ 87, 9 de Dezembro) que pret endia garantir a conservação dos seus ecossistemas restringido a intervenção humana neste território, não evitou a sua ocupação urbana de carácter clandestino, por não considerar o conceito de paisagem em toda a sua plenitude.

De acordo com o entendimento que fazemos de paisagem, relacionado com a sua condição

ecológica, o maior ou menor sucesso das medidas a aplicar no PNRF dependerá de uma gestão

ponderada entre as necessidades que advêm da instalação das actividades humanas e a capacidade biofísica dos recursos naturais disponíveis para responder a essas necessidades. Contudo, associado ao estudo do lugar arquitectónico, essa ponderação carece de um Sistema de Interpretação Integrada de Paisagem que considere a análise não só da sua dimensão física, mas também imaterial, sendo a arquitectura o testemunho e ao mesmo tempo a condição do

lugar na paisagem.

No documento ÍNDICE DO VOLUME IV (páginas 186-189)