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6 SISTEM A DE INTERPRETAÇÃO INTEGRADA DA PAISAGEM

No documento ÍNDICE DO VOLUME IV (páginas 189-196)

STUDY CASE OF RIA FORM OSA NATURAL PARK

6 SISTEM A DE INTERPRETAÇÃO INTEGRADA DA PAISAGEM

No sentido de uma prática interventiva, o Homem não deve ser apenas considerado um actor, que colectiva e socialmente habita a Ria Formosa, mas também um espectador que, de forma individualizada, é juiz dos seus próprios actos (Besse, 2013). Por esta razão, a interpretação integrada desta paisagem pressupõe um conhecimento aprofundado da essência e qualidade intrínseca, não só das suas propriedades biofísicas, mas também dos processos de ocupação humana que, num âmbito relacional, estão associados aos modos de apreciação e valoração da paisagem, os quais determinam as possibilidades e limites do agir humano na paisagem (Serrão, 2011). Do ponto de vista metodológico, a descrição deste tipo de raciocínio, amplo e complexo, exige uma explicação igualmente simples e sintética que só é possível através de uma abordagem simultaneamente morfológica e tipológica de paisagem (Bastian et al., 2006).

190 6.1 - Abordagem M orfológica de Paisagem

Numa abordagem morfológica, isto é, relativa ao estudo das formas do espaço tendo conhecimento dos fenómenos que lhes deram origem (Lamas, 2010), a paisagem poderá ser entendida como um sistema de sistemas resultante das relações estabelecidas entre diferentes componentes (biofísicas, culturais e semióticas, esta última relacionada com o seu conteúdo simbólico), cuja descrição carece de um processo de hierarquização. Contudo, existem elementos dessas componentes considerados fixos que devem ser preservadas para garantir o equilíbrio dinâmico (em constante transformação) e outros de transição que estabelecem o contacto com as componentes externas ao sistema (em permanente interacção), no sentido da sua auto-eco-regulação (M agalhães, 2001).

Com objectivo de garantir a continuidade e regeneração do sistema como um todo, será necessário identificar, de forma relacional, as referidas componentes de acordo com um conceito de estruturas (Rossi, 2001). Neste sentido, os elementos fixos poderão ser representados por uma Estrutura Ecológica - descritiva dos sistemas biofísicos (hidrografia, clima, solo, flora, entre outros) e por uma Estrutura Cultural - constituída por sistemas culturais (sobretudo ocupação e uso do solo), existindo também Áreas Complementares correspondentes aos elementos de transição. Da conjugação dessas Estruturas e Áreas é possível apresentar uma única Estrutura da Paisagem (M agalhães, 2007). Por fim, esta caracterização poderá ser, de forma sintetizada, representada por Unidades de Paisagem, correspondente a áreas mais ou menos homogéneas que identificam os principais sistemas, indispensáveis para a estabilidade do seu sistema funcionamento.

Contudo, associado ao estudo do seu lugar arquitectónico, a possibilidade de integrar as componentes culturais neste tipo de representação, com regras e códigos próprios de leitura, carece de uma simultânea abordagem tipológica de paisagem (M agalhães, 2007; M untañola, 1980).

2.1 - Abordagem Tipológica de Paisagem

Decorrente de um processo de construção cultural com origem no acto de habitar, o qual depende de um dado sistema de valores, a arquitectura encerra em si o lugar a partir do qual o

carácter singular da paisagem se efectiva, funcionando como um enunciado lógico dos modos

de apropriação humana de acordo com os recursos naturais disponíveis para seu usufruto (Jorge, 2007).

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Admitindo a impossibilidade de uma total racionalidade de interpretação desse carácter

singular e, por isso, desprovido de uma hierarquização, a respectiva representação poderá passar por um processo de categorização tipológica das componentes elementares que determinam uma regra comum no modo de ocupação humana da paisagem (Rossi, 2001) e que pode ser morfologicamente indentificada na referida Estrutura Cultural através de Tipologias de

Ocupação (M agalhães, 2007).

Assim, de acordo com os critérios anteriormente descritos e decorrente de uma análise histórico-evolutiva do processo de ocupação urbana no PNRF ao longo de um dado período de tempo - nomeadamente desde que se t ornou Reserva Natural em 1978 (Decreto-Lei nº 45/ 78, 2 de M aio), serão identificados os modos de apropriação humana, pelos quais o lugar

arquitectónico se constitui. Neste contexto, será determinante analisar os pressupostos base de

uma designada arquitectura de tradição erudita - que segue um modelo instituído por uma dada ordem de poder, e arquitectura de tradição vernacular (raiz popular) - sem um modelo instituído, pelo facto de cada uma delas interpretar a condição ecológica de paisagem de forma distinta (Rudofsky, 1964).

Por fim, compreendendo os factores culturais, nomeadamente históricos, que permitiram a perpetuidade de cada uma dessas arquitecturas ao longo do tempo tendo em conta os processos, técnicas e materiais de construção, bem como as condições biofísicas em que estão inseridas e de que dependem, será possível diagnosticar os riscos e impactos que a actual ocupação humana pode causar nos seus sistemas de funcionamento da Ria Formosa, bem como determinar a aptidão para o seu uso múltiplo, segundo as designadas Tipologias de Ocupação (M agalhães, 2013).

Como produto final, poder-se-á constituir o referido Sistema de Interpretação Integrada de uma interface de representação simultaneamente cartográfica (associado à abordagem morfológica) e conceptual (correspondente à abordagem tipológica) com esquemas de leitura de fácil compreensão (Bastian et al., 2006), funcionando como um instrumento de auxílio, não só à gestão territorial, como também de acção social, económica e políticas públicas (Boucault et al., 2015).

7 - CONCLUSÕES

Retomando a questão inicialmente colocada no presente artigo - quais as actividades humanas

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Formosa (PNRF)?, e considerando a referida condição ecológica como a gestão ponderada entre

as necessidades que advêm da instalação das actividades humanas e a capacidade biofísica dos recursos naturais disponíveis em responder a essas necessidades no sentido da sua conservação integrada, poder-se-á referir que a respectiva resposta reside, em parte significativa, na compreensão daquilo a que designamos lugar arquitectónico na paisagem. Trata-se, efectivamente, de um carácter singular da paisagem resultante de um processo de significação que decorre do acto de habitar. Do ponto de vista da arquitectura, esse processo depende de um mecanismo cultural e biológico de apreensão humana de um dado espaço habitado, bem como do contexto espacial e temporal em que esse espaço habitado está inserido. Neste sentido, a arquitectura foi aqui descrita enquanto resultante do lugar e ao mesmo tempo que

dá a resultar o lugar na paisagem, não apenas com o elemento físico seu constituinte, mas sobretudo como símbolo de reconhecimento cultural do seu potencial intrínseco, que num

sentido individual depende do papel societário que cada indivíduo tem numa dada comunidade

e, num plano colectivo, dos fenómenos de ordem social, económica, política e, sobretudo, biofísica que lhe deram origem e determinam valor.

Do pont o de vista metodológico, o desenvolvimento de um Sistema de Interpretação Integrada que contemple a existência e a salvaguarda desse lugar arquitectónico, carece de uma abordagem simultaneamente morfológica e tipológica de paisagem, não só na sua dimensão física, mas também imaterial. Assim, a paisagem pode ser morfologicamente caracterizada como um sistema de sistemas, cujos principais elementos constituintes (biofísicos, culturais e semióticos), em constante interacção, são representados por meio de uma designada Estrutura

da Paisagem. Contudo, a impossibilidade de integrar o referido carácter singular neste tipo de

representação, com regras e códigos culturais próprios de leitura, faz com que seja necessária uma simultânea categorização tipológica de paisagem, através da definição de Tipologias de

Ocupação expressas numa dada arquitectura de tradição.

No caso do PNRF tratar-se-á de um modelo de análise das principais estruturas (funcionais e simbólicas) e de diagnóstico dos impactos causados pela sua ocupação urbana desde que se constituiu de Reserva Natural em 1978. A identificação das potencialidades e fragilidades biofísicas desta paisagem possibilitará, por fim, defenir as actividades mais adequadas a preservação da sua condição ecológica, em concordância com as necessidades das populações que nela habitam.

193 8 - BIBLIOGRAFIA

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