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Cenários futuros possíveis de regimes de mitigação

1980-1999) Caso estimativaMelhor provávelFaixa

2.7. Cenários futuros possíveis de regimes de mitigação

O problema geral de mitigação da mudança do clima pode ser decomposto conceitualmente em duas partes: a) a decisão sobre as emissões globais, e b) em seu aspecto distributivo, as emissões por países ou grupos de países.

A decisão sobre emissões pode ser abordada em curto, médio e longo prazo. Em curto prazo toma a forma de metas de limitação e redução em relação ao nível inicial de emissões. Em longo prazo trata- se de estabelecer um limite para as emissões como forma de estabilizar as concentrações na atmosfera dos GEE. Em médio prazo trata-se de

buscar trajetórias de estabilização de longo prazo com base em ações incrementais sobre as emissões presentes.

Com relação a futuros regimes de mitigação, um cenário possível, o mais simples, é um regime idêntico em tudo ao regime de Quioto, com novas metas quantitativas para os países do Anexo I.

Nesse cenário, haverá pressão para que os países em desenvolvimento acedam ao Anexo I quando algum limiar for ultrapassado, ou para que os países em desenvolvimento adotem metas de inflexão, isto é, metas quantitativas de limitação não das emissões, mas da taxa de crescimento de suas emissões (MEIRA FILHO, 2005).

Por outro lado, é possível que um futuro regime tenha por base a adoção de determinadas políticas e medidas pelos países, como considerado no Mandato de Berlim, no lugar de metas quantitativas para as emissões nacionais, como o Protocolo de Quioto. Nesse cenário, os países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, supostamente adotariam pelo menos algumas dessas políticas e medidas (MEIRA FILHO, 2005).

Pode ser também que tenhamos no futuro mais de um regime. De fato, é o que está ocorrendo hoje, com a Europa, o Japão e o Canadá no regime de Quioto, e os EUA com seu regime próprio, buscando parceiros para um sistema de promessa e revisão. Nesse cenário, haveria que se buscar uma forma de negociação entre os dois regimes, o que interessa ao Brasil, para permitir a aceitação mútua de créditos do tipo do MDL (MEIRA FILHO, 2005).

De qualquer forma, se confirmada a tendência de se buscar no futuro regime aprofundar as medidas de mitigação, é inevitável que se coloque a questão da repartição do ônus entre os países. Nesse sentido, “a presença da China – o maior emissor mundial – no grupo de países em desenvolvimento nos é desfavorável porque a atenção sobre a China deverá arrastar também Índia e Brasil, e outros” (MEIRA FILHO, 2005).

A Convenção prevê que o esforço de mitigação nos países em desenvolvimento seja feito pela inflexão da curva de crescimento de suas emissões. Como as emissões per capita desses países tendem a crescer, a mitigação consistiria em fazer com que elas crescessem mais lentamente, sendo importante nesse momento o estudo do papel das cidades como

um dos principais focos para a mitigação das mudanças climáticas e principal local afetado por elas. A adoção de metas quantitativas para as emissões nacionais foi considerada conveniente pelos países industrializados pelo fato de facilitar a minimização dos custos de mitigação. Ocorre que as emissões desses países estão associadas principalmente a atividades de geração de energia e outras atividades econômicas que tornam a afirmativa verdadeira. No caso dos países em desenvolvimento, em particular no caso das emissões associadas ao desflorestamento no Brasil e o metano de arroz irrigado na China e na Índia, a afirmativa não pode ser comprovada com facilidade, exceto se forem admitidas certas premissas de racionalidade econômica nessas atividades. Há, portanto, que se pensar de forma criativa em novos mecanismos para tratar desses setores no regime pós-Quioto.

É possível que o melhor tratamento para o desflorestamento e para o metano de arroz seja diferente. No caso do desflorestamento, e levando em conta a posição da Rússia, que tem repetidamente colocado na mesa de negociações o fato de possuir muitas florestas, um possível encaminhamento seria

um subregime para o controle do estoque de carbono na biosfera no território de cada país, com o correspondente mecanismo específico de transferência de recursos para auxiliar a implementação de políticas nacionais visando à proteção desse estoque. No caso do metano, a dificuldade de separação entre os efeitos naturais e os efeitos antrópicos faz com que seja difícil manter o sistema de equivalência com emissões de CO2. Além disso, o sistema de equivalência adotado no Protocolo de Quioto penaliza erroneamente as emissões de metano, o que convém seja corrigido nas futuras negociações (MEIRA FILHO, 2005, p. 78).

A dificuldade na separação dos efeitos diretos da substituição de cobertura vegetal de efeitos indiretos, especialmente a deposição de nitrogênio, a fertilização por CO2 e o efeito de práticas passadas de manejo, faz com que a somatória das emissões declaradas pelos países não coincida com as emissões globais utilizadas nos modelos e que, estas sim, sejam compatíveis com os aumentos observados da concentração atmosférica do CO2.

A decisão sobre as emissões globais é tomada consensualmente entre todos os países e, portanto, cada um terá alguma influência sobre o tema, mas o resultado será aquele ditado pelo consenso. O problema da distribuição dos compromissos globais pelos países é o ponto central das negociações internacionais, no caso atual, das negociações incipientes sobre o regime pós-Quioto. Há hoje três abordagens independentes sobre o critério a ser adotado para a distribuição entre os países do esforço global de mitigação (IPCC, 2008):

Grand-fathering – é um critério para a alocação de licenças de emissão, as quais são concedidas de acordo com os níveis atuais das emissões. É um critério de curto prazo para o controle, mas que restringiria o atendimento da necessidade dos países em desenvolvimento de aumentar suas emissões per capita, o que seria politicamente inaceitável;

Contração e convergência – consiste, fundamentalmente, em estabelecer uma cota de emissões per capita igual para todos os países, de forma que as emissões globais diminuam gradativamente. Para o Brasil, se considerarmos que as emissões devidas ao desflorestamento deverão cessar em algum momento, esse critério nos colocaria em boa situação em longo prazo, devido às vantagens naturais associadas à matriz energética, com emissões per capita menores do que a média mundial, pelo menos a atual. No entanto esse critério é de muito difícil aceitação geral. Por outro lado, a aprovação do novo código florestal brasileiro, que sinaliza para um cenário de redução da área protegida da floresta para 20% da área atualmente protegida, teria um efeito complicador para o Brasil; • Poluidor-pagador – proposto originalmente pelo Brasil em 1997,

como contribuição para a negociação do Protocolo de Quioto, consiste em que o ônus relativo de mitigação de cada país do Anexo I seja proporcional à sua contribuição para o aumento da temperatura média global da superfície a cada período de 5 anos. Tal aumento seria determinado por meio de um modelo acordado com base em suas emissões durante o período e no efeito da concentração no início do período devido às suas emissões anteriores. Na época, o argumento foi utilizado com êxito para defender o conceito da Convenção de que os países industrializados deveriam assumir a liderança do esforço global de mitigação contra o argumento utilizado por alguns de que as emissões dos países em desenvolvimento ultrapassariam as emissões dos países industrializados no futuro próximo. Esse

conceito está hoje amplamente incorporado e disseminado entre os formadores de opinião no âmbito nacional. Por falta de informação naquele momento, admitiu-se sem prova que o custo marginal de mitigação é idêntico em todos os países do Anexo I, o que conduz à simplificação de repartir o percentual de redução de emissões a partir do ano-base de 1990 na proporção do aumento de temperatura devido a cada um, em vez de se estimar o ônus de mitigação por país, o que exige conhecimento daqueles custos. O cerne da Proposta Brasileira vem merecendo alguma atenção como um critério a ser utilizado no desenho do regime pós-Quioto, mas cabe observar que um eventual recurso a esse conceito deveria necessariamente incluir, como na proposta original, uma estimativa do custo marginal de mitigação, diferenciado por país.