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A importância das cidades para a governança das mudanças climáticas globais

1980-1999) Caso estimativaMelhor provávelFaixa

3.4. A importância das cidades para a governança das mudanças climáticas globais

A urbanização é um processo que ocorre desde a revolução do Neolítico, quando a agricultura permitiu aos homens fixarem-se em um local definido e criarem uma divisão laboral nos assentamentos. De lá para cá as cidades cresceram rapidamente, utilizando combustíveis fósseis como fonte primária de energia.

Por sua natureza transversal e multinível, o desafio imposto pelas mudanças climáticas exige o reposicionamento do foco da ação do nível global para o local, e a análise das formas pelas quais processos sociais e políticos interagem com diferentes níveis e sistemas de governança (ADGER et al., 2005). Nesse aspecto, a Conferência do Rio-92 representou um dos primeiros passos para uma ação global sobre a questão das mudanças climáticas, já que os compromissos estabelecidos recaíram principalmente sobre os governos nacionais.

A maioria dos estudos relativos à governança do clima sinaliza para o desenvolvimento de um “regime climático” internacional (OKEREKE et al., 2009) e muitos países os encaram como uma oportunidade para promover padrões mais sustentáveis de urbanização e melhoria da qualidade de vida de sua população (LANKAO, 2007a). Mas esses processos possuem uma dimensão local muito importante, já que as cidades concentram grande parte das atividades humanas relacionadas às crescentes emissões de GEE (PUPPIM DE OLIVEIRA, 2009).

Apesar das negociações internacionais cumprirem importante papel na governança global do clima, cidades e centros urbanos são cada vez mais reconhecidos como importantes locais de governança. Esta opinião também é defendida nos trabalhos de Bulkeley et al. (2009), sendo crescente o pensamento das mudanças climáticas como um problema urbano (BETSILL; BULKELEY, 2007), a partir do surgimento e da expansão de redes internacionais de cidades, como, por exemplo, a CCPTM e a C40 (BULKELEY et al., 2009). A ideia de inserir o tema das mudanças climáticas na agenda política local e nacional tem como marco inicial as negociações do Protocolo de Quioto e se reflete atualmente nas iniciativas de cidades que desenvolveram estratégias próprias de enfrentamento às mudanças climáticas, mesmo em países que não apoiam as propostas internacionais de controle de emissões de GEE (ADGER et al., 2005).

O tema das mudanças climáticas, apesar de sua complexidade de interações, relaciona-se com a discussão de cidades e governos locais de modos distintos. Conforme Satterthwaite et al. (2009) e Bulkeley et al. (2009):

• Parte significativa das emissões de GEE é gerada em centros urbanos como resultado do modo de vida urbano, sendo necessárias urgentes medidas de mitigação;

• Os impactos das mudanças climáticas têm implicações diretas sobre centros urbanos e suas infraestruturas mesmo com esforços enormes de mitigação;

• Há sinergias entre medidas relacionadas às mudanças climáticas e o desenvolvimento urbano sustentável que resultam na busca de inovações sociais e tecnológicas por parte dos governos;

• Países aumentaram a autoridade e jurisdição de seus governos locais para melhorar a efetividade de políticas públicas pelo fato de eles estarem mais próximos aos cidadãos e, consequentemente, de seus anseios e problemas;

• Governos locais já estão familiarizados com ações locais de desenvolvimento sustentável, como, por exemplo, a Agenda 21.

De acordo com recentes relatórios do ICLEI118 que apresentam o papel das cidades no cenário das mudanças climáticas globais, constata- se que:

• Aproximadamente metade da população mundial está em cidades e, até 2030, 2/3 dela viverão em áreas urbanas;

• Mais de 75% de toda a energia são consumidos em cidades; • Cidades são o foco das atividades consumidoras de energia e,

portanto, principais emissoras de GEE (80% das emissões globais) e por 2/3 de toda emissão de CO2, com tendência de aumento (geração de CO2 por meios de transporte, atividade industrial, queima de combustíveis fósseis e biomassa para consumo doméstico). Há também uma intensa geração de GEE resultantes do lixo;

• De 60 a 90% das emissões de CO2 das cidades vêm do uso de combustível fóssil em geração de energia e transporte;

• Como impacto indireto da ocupação desordenada e do desmatamento há a redução de sumidouros de CO2;

• Cidades, especialmente aquelas com rápido crescimento em países

118 ICLEI – International Council for Local Environmental Initiatives – Local Governments

for Sustainability. Mais informações podem ser obtidas em: <Mais informações podem ser obtidas em: <http://www.iclei.org/lacs/ portugues>. Acesso em: 2009.

em desenvolvimento, são altamente vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas;

• Prefeitos e governos locais são o nível de governança mais próximo dos cidadãos.

Segundo o ICLEI, se as cidades são o foco da geração dos problemas relacionados às mudanças climáticas, elas certamente também fazem parte da solução, pelos seguintes motivos:

• Possibilidade da “ação de fato” − envolvimento direto na implementação de medidas que afetam o dia a dia dos cidadãos; • Oportunidades para intercâmbio de informações, participação

pública e envolvimento dos principais atores sociais;

• Grande potencial de projetos de pequena e média escala elegíveis para o MDL – redução efetiva de GEE – como, por exemplo, planejamento urbano sustentável (para mitigação e adaptação); novas fontes de energia renovável e eficiência energética (regulamentação local, arquitetura etc.); transporte urbano sustentável (caminhada, bicicleta, melhoria de transporte público); compras públicas sustentáveis de bens e serviços (atividades neutras em carbono nas cidades); ação local pela biodiversidade (para melhorar a proteção do clima); mudança de padrões (consumo, transporte, despejo de dejetos etc.) dos cidadãos.

O foco nas cidades como o endereço principal das questões ambientais surgiu inicialmente nos EUA em seu Quarto Plano de Ação Ambiental e especificamente no Papel Verde do Ambiente Urbano (FUDGE, 1999). Um grupo de especialistas em meio ambiente urbano estabeleceu uma série de iniciativas para encorajar as cidades dos EUA a praticar o desenvolvimento sustentável. Mas somente na ECO-92 as cidades foram amplamente reconhecidas como a arena por meio da qual a sustentabilidade poderia e deveria ser perseguida. Esse reconhecimento deveu-se, em grande parte, à atuação articuladora do ICLEI durante a Conferência. Estabelecido em 1990 pela União Internacional de Autoridades Locais (IULA) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), o ICLEI, aqui conhecido como Governos Locais para a Sustentabilidade, é uma associação democrática de governos locais (ONG) com sede em Londres, que tem por objetivo promover o desenvolvimento sustentável das cidades. Possui 1.000 membros entre cidades e associações de governos locais no mundo e os representou na ECO-92. Como principais atividades do ICLEI na América Latina, temos:

Agenda 21 local − Agenda local para a Segurança Cidadã (ALoS); Comunidades Justas, Pacíficas e Seguras (JustaPAZ);

Cidades pela Proteção do Clima (CCPTM) – Compras Públicas Sustentáveis (CPS-Brasil); Rede de Comunidades Modelo em Energias Renováveis Locais (ELO-Brasil); Políticas Estaduais pelo Clima (PEClima); Construções Sustentáveis (PoliCS); Metano e Mercados (M2M); Biogás para Energia Local (REEEP):

Ação Local pela Biodiversidade (LAB);

Rede Latino-Americana de Prevenção e Gestão de Sítios Contaminados (RELASC).

Para que haja desenvolvimento sustentável, o desempenho ambiental das cidades

[...] tem que ser aperfeiçoado não somente em termos da melhoria da qualidade ambiental dentro de suas fronteiras, mas também em termos de reduzir a transferência dos custos ambientais para outras pessoas (locais), outros ecossistemas ou para o futuro (SATTERTHWAITE, 1997, p. 1.669).

Tal afirmação sugere que a correta localização da questão das mudanças climáticas poderia ser o componente chave para o desenvolvimento urbano sustentável. Concorrem para isso quatro razões principais (WILBANKS; KATES, 1999):

1. Cidades representam locais de alto consumo de energia e produção de dejetos. A influência das autoridades locais sobre esses processos varia de acordo com circunstâncias nacionais, mas pode incluir: suprimento e manejo de energia, demanda e suprimento de transporte, planejamento do uso do solo, normas de construção, manejo de dejetos e aconselhamento à comunidade local;

2. Autoridades locais têm se engajado nas questões do desenvolvimento sustentável e estão atentas para traduzir a retórica global em práticas locais por meio de suas Agendas 21, de modo a mitigar as implicações de uma mudança climática global;

3. As ações de outros atores em resposta às mudanças climáticas globais podem ser facilitadas pelas autoridades locais mediante lobby com os governos estaduais e nacionais, bem como pelo desenvolvimento de projetos de pequena escala que venham demonstrar os custos e benefícios do controle dos GEE;