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2 AMERICANOS QUEM SÃO OS AMERICANOS?

2.1 Cena nova-iorquina

Era um movimento de massas com uma mensagem, revivalista em fervor, militante em humor, unido pela solidariedade de classe. O CIO marca o surgimento de uma nova classe trabalhadora (...). Essa nova classe trabalhadora foi criada pelas migrações de milhões de pessoas de uma periferia agrícola que incluía Quebec, Escandinávia, Rússia europeia, Hungria, Croácia-Eslovênia, Grécia, Itália, Sicília, os estados confederados derrotados, centro e norte do México e partes do Japão e da China até um núcleo industrial no nordeste e no centro-oeste dos Estados Unidos. Esse "salto proletário pelo mundo" criara as metrópoles multirraciais e multiétnicas do modernismo. Em 1930, dois terços das pessoas eram nascidos no exterior ou eram filhos de pessoas nascidas no exterior, e as "metrópoles negras" nessas cidades haviam se formado quando muitos americanos negros

46 Geralmente, se chama dança revolucionária ou radical o tipo de produção coreográfica

feita por bailarinos treinados, que tem como objetivo educar a classe trabalhadora a respeito da luta de classes. Dança de massa se refere, geralmente, às aulas oferecidas para grupos grandes de trabalhadores e às produções amadoras. Esse movimento durou pouco e sua história foi ativamente apagada durante o período da Guerra Fria. Quanto à terminologia, não há um consenso entre os autores. Acreditamos, entretanto, que esses procedimentos e as obras produzidas por esses grupos, assim como as disputas teóricas que fervilhavam na imprensa, mesmo sendo pouco conhecidos, sejam parte integrante da história da dança moderna norte-americana.

imigraram do sul segregacionista do arrendamento de terras para as cidades industriais do norte do país.47

Michael DENNING, em The Cultural Front: The Laboring of American Culture

in the Twentieth Century (2010, p.7)

Quando Graham se mudou para a cidade de Nova Iorque, na metade da década de 1920, o universo do teatro comercial da Broadway estava crescendo rapidamente. Além dos musicais e shows de variedades, eram encenados também diversos dramas de origem europeia com produções caríssimas. Como esperado, qualquer tipo de teatro experimental estava excluído desse universo, o que não quer dizer que não existisse. Na verdade, a partir da década de 1910, começou a surgir um movimento nas bordas e brechas desse circuito. COSTA (2001) nos conta que alguns empresários com dinheiro, inspirados pelo teatro moderno europeu, começaram a abrir pequenos teatros com intuito de produzir espetáculos mais baratos, com mais espaço para experimentação. A ideia era criar companhias com elencos fixos, montar textos de dramaturgos modernos que já estavam fazendo algum sucesso na Europa, como Ibsen e Tchekhov, e ainda investigar o trabalho de dramaturgos locais que estivessem alinhados com as ideias do modernismo. Esse novo circuito teatral, que Costa chama de ‘movimento dos teatrinhos’, constituiu um solo fértil para formas de teatro de agitação e propaganda (agitprop) que se desenvolveram naquela cidade nas décadas seguintes.

Já nos anos 1920, começaram a surgir em Nova Iorque grupos de teatro com propostas de educação política para trabalhadores, inicialmente a partir das comunidades de imigrantes. É bom lembrar que, entre a década de 1880 e o início

47 No original: “It was a mass movement with a message, revivalist in fervor, militant in mood,

joined together by class solidarity. The CIO marks the emergence of a new working class, what I will call the CIO working class. This new working class had been created by the migrations of millions of people from an agricultural periphery that included Quebec,

Scandinavia, European Russia, Hungary, Croatia-Slovenia, Greece, Italy, Sicily, the defeated Confederated States of America, central and northern Mexico, and parts of Japan and China to an industrial core in the Northeast and Middle West of the United States. This “proletarian globe-hopping” had created a multi-racial, multi-ethnic metropolises of modernism. By 1930, two-thirds of the people were foreign-born or the children of the foreign-born, and the “black- metropolises” within those cities had formed as many black Americans migrated from the segregated, sharecropping South to the northern cities of industry.”

A CIO, Congresso de Organizações Industriais, foi criada em 1935 para organizar os trabalhadores dos sindicatos industriais dos Estados Unidos.

dos anos 1920, algo em torno de doze milhões de pessoas haviam imigrado para os Estados Unidos. Como a cidade de Nova Iorque era uma das principais portas de entrada do país, muitos dos imigrantes se fixavam na parte sul de Manhattan, geralmente no Lower East Side. O ARTEF (Teatro dos Trabalhadores Iídiche) e o

Círculo Dramático Ucraniano são alguns exemplos de grupos que se formaram na

região, com grande adesão do público de trabalhadores de origem estrangeira.

A Neighborhood Playhouse surgiu nos anos 1920 e fez parte do movimento dos teatrinhos. Originalmente localizada na Henry Street Setlement House, a Playhouse era comandada pelas irmãs Alice e Irene Lewisohn e tinha um forte compromisso com a comunidade de imigrantes e trabalhadores do Lower East Side. A Henry Street

Setlement House havia sido fundada em 1893 por uma jovem enfermeira chamada

Lilian Wald. No início, seu objetivo era criar um serviço de enfermagem em domicílio a preços muito baixos para cuidar e ensinar práticas de higiene e cuidado pessoal para as classes baixas. Com o tempo, o grupo de mulheres que comandava a casa começou a oferecer outros serviços sociais, desde orientação para imigrantes recém- chegados até espaço para reunião de organizações políticas ligadas à classe trabalhadora. Com o crescimento do número de grupos de teatro, coral e dança entre os moradores da região, a casa decidiu acolher as propostas e incentivar a produção artística. Daí surgiu a Neighborhood Playhouse, que funcionou na Henry Street a partir de 1915. Em 1928, as irmãs Lewisohn decidiram aumentar a estrutura e transformar a Playhouse em uma escola de teatro completa. Para isso, a escola se mudou para um novo endereço (um pouco mais ao norte da ilha) e contratou uma equipe de professores que incluía, entre outros, Martha Graham e Louis Horst.

Martha Graham, em 1929, em anúncio de um espetáculo da companhia da Neighborhood Playhouse.

Graham trabalhou na Neighborhood Playhouse durante décadas e, sem dúvida, a experiência aproximou-a do teatro feito pela e para a classe trabalhadora. Além disso, lá ela ensinou gerações de atores a se moverem a partir do impulso interno do corpo, a buscar o movimento consciente e a experimentar as sensações e emoções que o próprio movimento é capaz de desencadear. Recursos como a contração pélvica, a sincronização da respiração com o gesto e o uso de deslocamento de peso no espaço mostraram-se valiosos para atores de diversas gerações. A Neighborhood

Playhouse era, e talvez ainda seja, um importante espaço de experimentações em

artes cênicas e um ponto de encontro de artistas da classe trabalhadora, a maioria filhos ou netos de imigrantes. Foram alunas da escola algumas das mais importantes coreógrafas do movimento de dança política, entre elas, Edith Segal, Miriam Blecher, Sophie Maslow e Anna Sokolow. Esse movimento, como relataremos a seguir, cresceu paralelamente e em diálogo com o teatro político de Nova Iorque.