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CAPÍTULO III – TRAMITAÇÃO

1.6. CESSAÇÃO ANTECIPADA DO PROCEDIMENTO DE EXONERAÇÃO

1.6.1. REQUERIMENTO

A cessação antecipada do incidente de exoneração do passivo restante verifica-se sempre que este venha a ser extinto antes de ser concedida ao devedor a referida exoneração do passivo restante. Contudo, o requerimento apenas pode ser apresentado dentro do ano seguinte à data em que o requerente teve ou poderia ter tido conhecimento dos factos invocados, como resulta do art. 243º, n.º 2, do CIRE.

Em primeiro lugar, a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante ocorre logo que se verifique a satisfação integral dos créditos sobre a insolvência. Verificando-se esta situação não se justifica a continuação do procedimento, sendo que o Juiz deve declarar a sua cessação antecipada, oficiosamente ou a requerimento do devedor ou do fiduciário, ao abrigo do art. 243º, n.º 4, do CIRE265. Assim sendo, verifica-se uma situação equivalente à inutilidade da lide.

Dai que o Juiz, ex officio ou a requerimento do devedor ou do fiduciário, declare o encerramento do procedimento. Importo também referir que, nesta situação, a legitimidade do fiduciário não depende de este estar incumbido da fiscalização das obrigações do devedor266.

264 Cfr. LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito da Insolvência, op. cit., pp. 348-349.

265 Cfr. LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito da Insolvência, op. cit., p. 351.

266 Cfr. FERNANDES, Luís A. Carvalho/ LABAREDA, João, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas: Anotado, op. cit., p. 916.

Por outro lado, pode também ser determinada a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante sempre que se verifique, no decorrer do período de cessão, que o devedor não se mostra digno de obter a exoneração. Esta situação verifica-se nos casos previstos nas alíneas a) a c), do n.º 1, do art. 243º, do CIRE, que serão referidos e desenvolvidos mais à frente267.

Sempre que a cessação antecipada seja requerida com fundamento em alguma das hipóteses anteriormente enunciadas, o requerimento pode ser apresentado por algum credor da insolvência, pelo administrador da insolvência que ainda se mantenha em funções ou pelo fiduciário a quem tenha eventualmente sido conferida a tarefa de fiscalizar o cumprimento pelo devedor das obrigações que este último deve respeitar. O requerimento deve então ser apresentado no ano seguinte quer à data do conhecimento, pelo requerente, dos fundamentos invocados, quer à data em que devia ter tido conhecimento dos mesmos, de acordo com o art. 243º, n.º 2, do CIRE.

Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 243º do CIRE, antes de terminado o período de cessão, o Juiz deve recusar a exoneração, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se estiver ainda em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, quando ocorra um dos fundamentos previstos nas alíneas a), b) e c). O requerimento deve ser devidamente fundamentado, o que significa que o requerente deve invocar e provar as causas justificativas da cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante268. Desta forma, as provas devem demonstrar primariamente, como é claro, o fundamento invocado, contudo, devem também ser demonstrativas do momento em que este foi ou podia ter sido conhecido por quem o invoca, uma vez que a apresentação atempada do requerimento é requisito essencial do deferimento269.

Existe uma diferença significativa entre os casos em que a cessação antecipada surge com base no disposto no art. 243º, n.º 1, do CIRE, e aqueles casos que têm lugar por se mostrarem integralmente satisfeitos todos os créditos sobre a insolvência (art. 243º, n.º 4, do CIRE). Do exposto pode concluir-se que, na primeira situação o Juiz recusa a exoneração do passivo restante, ao passo que na segunda hipótese não há passivo restante para exonerar270271. Logo, nem sempre a cessação antecipada do procedimento pressupõe a recusa da exoneração.

Por sua vez, antes de ser proferida a decisão de recusa de exoneração do passivo restante podem ter sido efetuados pagamentos a credores sobre a insolvência. No entanto, esses pagamentos produzem os seus efeitos, uma vez que não há reconstituição dos créditos. Por outro lado, havendo recusa de exoneração do passivo restante voltam a ser permitidas execuções sobre os bens do devedor destinadas à satisfação dos créditos sobre a insolvência, de acordo com o art. 242º, n.º 1, do CIRE.

267 Cfr. LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito da Insolvência, op. cit., p.351.

268 Cfr. FERNANDES, Luís A. Carvalho, A Exoneração do Passivo Restante na Insolvência das Pessoas Singulares no Direito Português in Coletânea de Estudos sobre a Insolvência, op. cit., p. 289.

269 Cfr. FERNANDES, Luís A. Carvalho/ LABAREDA, João, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas: Anotado, op. cit., p. 915.

270 Cfr. MARTINS, Alexandre de Soveral, op. cit., p. 612.

271 Cfr. FERNANDES, Luís A. Carvalho/ LABAREDA, João, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas: Anotado, op. cit., p. 916.

A cessação antecipada consta de despacho, que deve ser publicado e registado, conforme o disposto no art. 247º, do CIRE (art. 9º, alínea m), do CRCom e art. 1º, n.º 1, alínea o), do Código de Registo Civil (CRCiv.)272.

1.6.2. OS FUNDAMENTOS PREVISTOS NO ARTIGO 243º, N.º 1, DO CIRE

Os fundamentos que permitem requerer ao Juiz que recuse antecipadamente a exoneração do passivo restante encontram-se regulados no n.º 1, do art. 243º, do CIRE.

O primeiro fundamento consiste na violação pelo devedor, com dolo ou negligência grave, de alguma das obrigações a que o devedor está sujeito, por força do art. 239º, do CIRE, desde que tal violação prejudique a satisfação dos créditos da insolvência (art. 243º, n.º 1, alínea a), do CIRE).

Por sua vez, a alínea b), do art. 243º, n.º 1, ao remeter para as alíneas b), e) e f), do art. 238º, todas do CIRE, aceita como fundamento para se requerer a cessação antecipada do procedimento de exoneração várias circunstâncias que também constituem outras tantas causas de indeferimento liminar do pedido de exoneração273. Quanto à remissão do art. 243º, n.º 1, alínea b), do CIRE, para apenas algumas alíneas do n.º 1, do art. 238º, do CIRE, afigura-se de difícil compreensão especialmente quando comparado com o disposto no art. 246º, do CIRE, referente à revogação da exoneração, que opera uma remissão para todas as alíneas do art. 238º, do CIRE, com exceção, por razões compreensíveis, da alínea a), que diz respeito ao prazo de apresentação do pedido de exoneração do passivo restante. Acreditamos que a redação do legislador terá ficado aquém do espírito e, por essa razão, é importante fazer uma interpretação extensiva ou recorrer a interpretação enunciativa (a maiori ad minus), na medida em que, se passado um ano da concessão da exoneração o Juiz pode revoga-la, por maioria de razão também deve poder recusar, proferindo despacho que negue a exoneração274. Contudo, visto que estamos perante circunstâncias que poderiam ter sido fundamento de indeferimento liminar, é também imposto que o requerente apenas tenha conhecido as mesmas após o despacho inicial ou que sejam de verificação superveniente.

A terceira causa de recusa da exoneração e consequente cessação antecipada do procedimento de exoneração prende-se com o facto de na decisão proferida no incidente de qualificação da insolvência concluir-se que houve culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência (art. 243º, n.º 1, alínea c), do CIRE)275. A letra da lei nesta alínea, quando confrontada com a noção geral de insolvência culposa, prevista no n.º 1, do art. 186º, do CIRE, levanta dúvidas no que concerne à qualificação da insolvência que o legislador quer abranger. Na realidade, para além do requisito temporal a que também atende o n.º 1, do art. 186º, do CIRE, a alínea c) do n.º 1, do art. 243º, do CIRE, ao referir-se a culpa, se compreendida esta expressão

272 Cfr. MARTINS, Alexandre de Soveral, op. cit., 612.

273 Cfr. MARTINS, Alexandre de Soveral, op. cit., pp. 612-613.

274 Cfr. CRISTAS, Maria Assunção, Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante, in “Themis, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, setembro de 2005, Edição Especial, Novo Direito da Insolvência, p. 171.

no seu sentido lato, compreende situações que não correspondem ao dolo ou à culpa grave que justificam a qualificação da insolvência como culposa. Por outra forma, a alínea c), do n.º 1, do art. 243º, do CIRE, também compreenderia os casos de insolvência fortuita276.

Contudo, estas dúvidas poderiam ser evitadas se o legislador tivesse referido, como entendemos ser a sua intenção, que a exoneração pode ser recusada se a insolvência for qualificada como culposa277.

O nosso entendimento segue o do autor CARVALHO FERNANDES que refere que esta interpretação literal do artigo em questão não deve ser acolhida, uma vez que conduz a uma solução discordante da que resulta das duas outras alíneas. Do exposto resulta que o legislador disse neste preceito mais do que queria, impondo-se uma interpretação restritiva que limite a aplicação da alínea c), do n.º 1, do art. 243º, do CIRE, aos casos de insolvência culposa278.

Neste caso, o legislador não previu a necessidade de ouvir o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência antes de rejeitar a exoneração. O que se compreende, uma vez que, neste caso, temos uma decisão judicial, fundamentada, que qualifica a insolvência como culposa. Além disto, importa ter em conta, salvo quanto ao fiduciário279, as pessoas que o n.º 3, do art. 243º, do CIRE manda ouvir já tiveram oportunidade de se pronunciar sobre os factos relevantes para a qualificação da insolvência280.