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CAPÍTULO III – TRAMITAÇÃO

1.3. DESPACHO INICIAL

1.3.1. PERÍODO DE CESSÃO

O período da cessão encontra-se regulado no art. 239º, do CIRE e segue-se ao encerramento do processo de insolvência185, ou seja, a cessão dos rendimentos disponíveis e a respetiva decisão a respeito do pedido de exoneração do passivo restante terão lugar após o encerramento do processo de insolvência. Deste modo, o incidente continua a correr mesmo após o encerramento do processo de insolvência, durante o referido período de cinco anos.

O despacho inicial determina que, durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir considera-se cedido a um fiduciário, período este denominado de “período de cessão”186.

O regime português afasta-se incompreensivelmente das tendências europeias, uma vez que estas indicam como máximo para o período de cessão apenas três anos, visto que a percentagem de dívidas cumpridas se situa em números muito incipientes, em comparação com o “calvário” que o período de cessão representa para o devedor.

184 Cfr. CRISTAS, Maria Assunção – Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante, in “Themis – Revista da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, setembro de 2005, Edição Especial – Novo Direito da Insolvência, pp. 169-170.

185 Segundo LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes – Direito da Insolvência, op. cit., p. 311, o encerramento do processo de insolvência constitui a fase final do mesmo, sendo que logicamente deverá ocorrer uma vez realizados os fins previstos nesse mesmo processo, a que se refere o art. 1º, do CIRE, isto é, a liquidação do património do devedor e a repartição do respetivo produto pelos seus credores (art. 230º, n.º 1, alínea a), do CIRE), ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, em que a decisão de homologação tenha transitado em julgado, se a isso não se opuser o conteúdo deste (art. 230º, n.º 1, alínea b), do CIRE). O processo de insolvência é também encerrado no caso de aprovação de um plano de pagamentos, com trânsito em julgado da sentença que homologa o plano e da sentença de declaração de insolvência (art. 259º, n.º 4º, do CIRE). Para além disso, o processo de insolvência pode ainda ser encerrado, a pedido do devedor, quando no seu decurso cessem os pressupostos que o desencadearam (isto é, a própria situação de insolvência), ou quando haja acordo dos credores para o seu encerramento, na medida em que, sendo os credores os principais interessados no processo, o princípio dispositivo determina que ocorra o encerramento, caso a vontade de todas as partes seja nesse sentido (art. 230º, n.º 1, alínea c), do CIRE). O processo de insolvência pode ainda ser encerrado quando é manifesta a inutilidade da sua prossecução, por inexistência de património para satisfazer os próprios encargos do processo, como sucede quando o administrador da insolvência verifica a insuficiência da massa para a satisfação das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente (art. 230º, n.º 1, alínea d), do CIRE). Por fim, o processo de insolvência é encerrado no despacho inicial de exoneração do passivo restante (art. 230º, n.º 1, alínea e), do CIRE).

186 Conforme o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 4 de junho de 2013, com o n. º de processo 4836/10.6TCLRS.L1-7, (Relator: Orlando Nascimento), disponível em www.dgsi.pt, nos processos de pessoas singulares em que tenha sido liminarmente admitido o pedido de exoneração do passivo restante, a respetiva apreensão de vencimentos, salários ou prestações semelhantes finda com o encerramento do processo de insolvência e o início do período de exoneração do passivo restante, momento em que se inicia a cessão do rendimento disponível ao fiduciário nomeado pelo tribunal.

Quanto a esta questão, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto187, pronunciou-se, assinalando que não se podem impor quaisquer outros requisitos para além dos previstos na lei.

O período de cessão trata-se de um verdadeiro “calvário”, na medida em que, segundo a lei, este apenas deverá iniciar-se após a liquidação dos bens, o que pode levar vários anos, conforme o estabelecido no art. 230º, n.º 1, alínea a), do CIRE. Apenas no caso de não existirem bens é que o período de cessão se inicia de imediato, de acordo com a alínea e), do referido artigo.

Efetivamente compreende-se que este não é o espírito da lei, sendo necessário um ajustamento urgente do normativo, de maneira a que o período de cessão possa iniciar-se logo após o despacho inicial de exoneração do passivo restante188.

Da alínea e) do n.º 1, do art. 230º, do CIRE, retira-se que o juiz declara o encerramento do processo de insolvência no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante, quando este ainda não tiver sido declarado. Contudo, importa analisar este preceito, uma vez que se levantam aqui várias questões relacionadas com o momento em que se inicia a contagem do período de cessão189.

O início do período de cessão só poderá começar a contar-se da data do despacho inicial havendo inexistência ou insuficiência de bens nos termos do art. 232.º, CIRE; sendo determinada a liquidação de bens, como no caso dos autos, o início do período de cessão reporta-se à data do rateio final190.

No modelo alemão que serviu de base ao legislador português, o período de cessão inicia-se com a prolação do despacho liminar e segue o seu rumo independentemente da sorte do processo de insolvência.

Assim sendo, fazer coincidir o início do período de cessão com o encerramento do processo, talvez tenha sido uma fragilidade do instituto no sistema legal nacional, uma vez que são inúmeras as desvantagens que daí decorrem.

Com esta questão cruza-se uma outra, atualmente objeto de debate jurisprudencial e que se prende com a possibilidade de apreensão para a massa insolvente dos rendimentos do trabalho na parte penhorável e até ao encerramento do processo191192.

187 Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5 de novembro de 2007, processo n.º 0717143, (Relator: Pinto Ferreira), disponível www.dgsi.pt.

188 Cfr. CONCEIÇÃO, Ana Filipa, A jurisprudência portuguesa dos tribunais superiores sobre exoneração do passivo restante – breves notas sobre a admissão da exoneração e a cessão de rendimentos em particular in Julgar online, 2016, p. 11.

189Sobre esta matéria pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 7 de maio de 2015, processo n.º 498/14.0TBGMR-G.G1, (Relator: António Santos) disponível www.dgsi.pt, do qual se retira que no momento da prolação da decisão liminar que defere a exoneração do passivo restante o juiz não fica obrigado a declarar o encerramento do processo de insolvência, em conformidade com o disposto no art. 230º, n.º 1, alínea e), do CIRE, sendo que não o deve fazer quando ainda existe património a liquidar.

190 Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação Porto de 24 de janeiro de 2017, processo n.º 870/14.5TBMAI-E.P1 (Relator: Márcia Portela) disponível em www.dgsi.pt.

No mesmo sentido, segue o Acórdão do Tribunal Relação Évora de 20 de junho de 2013, processo n.º 5422/10.6TBSTB-H.E1 (Relator: Mata Ribeiro) disponível www.dgsi.pt.

191 Cfr. MARTINS, Cláudia Oliveira, op. cit., p. 225.

192 Em sentido negativo pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação Coimbra de 24 de outubro de 2006, processo n.º 1017/03.9TBGRD-F.C1 (Relator: Freitas Neto), Acórdão do Tribunal da Relação Coimbra de 6 de março de 2007, processo n.º 1017/03.9TBGRD-G.C1 (Relator: Isaías Pádua), Acórdão do Tribunal da

O despacho inicial, tal como já foi referido anteriormente é proferido na assembleia de apreciação do relatório ou nos dez dias subsequentes, conforme dispõe o art. 239º, n.º 1, do CIRE. Na hipótese de no despacho inicial o Juiz decretar sempre o encerramento do processo quando nessa altura o processo de insolvência ainda não estivesse encerrado, o devedor que possuísse bens sairia extremamente beneficiado. Na verdade, o início da venda dos respetivos bens, apenas tem lugar, por regra, após a assembleia de apreciação do relatório, de acordo com o disposto no art. 158º, n.º 1, do CIRE. Contudo, é nessa assembleia ou nos dez dias subsequentes que é proferido o despacho inicial, que declararia encerrado o processo. Assim, não haveria tempo para proceder à venda de bens do devedor, o que, obviamente não faz qualquer sentido.

Do exposto resulta que verificada a existência de bens na massa para liquidar o Juiz fica impedido de decretar o encerramento no despacho inicial, sendo que neste caso, aplicar-se-á necessariamente a alínea a), do referido art. 230º, do CIRE, ou seja, o processo extinguir-se-á apenas depois de ser liquidado o património do devedor e o produto da venda dos bens ser rateado pelos credores de acordo com o determinado na sentença de verificação e graduação de créditos193.

Deste modo, tendo sido solicitada a exoneração do passivo restante, podem ocorrer duas situações: por um lado, ou há património atual que deve ser liquidado ou, por outro lado, o devedor não tem bens que possam compor a massa insolvente. Na última situação tanto pode suceder que a inexistência seja já conhecida à data do proferimento do despacho inicial do incidente ou não.

Assim, se houver património para liquidar, o despacho inicial não pode declarar o encerramento do processo de insolvência, o qual apenas terá lugar após a concretização da liquidação e rateio, conforme explicamos.

Contudo, perante a inexistência de bens, a manutenção do processo de insolvência não faz mais sentido, podendo ser decretada a sua extinção despacho inicial de exoneração194.

A determinação da insuficiência da massa insolvente deve considerar não somente a massa ativa, mas também as possíveis ações a propor contra terceiros, que de algum modo possam integrar a massa (ex: a resolução de determinados negócios em benefício da massa insolvente)195.

Relação de Lisboa de 16 de novembro de 2010, processo n.º 1030/10.0TJLSB-C.L1-7 (Relator: Maria João Areias), Acórdão do Tribunal da Relação Porto de 23 de março de 2009, processo n.º 2384/06.8TJVNF-D.P1 (Relator: Maria José Simões) e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de março de 2009, processo n.º 1885/03.4TJVNF-F.P1 (Relator: Teles de Menezes) todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Em sentido positivo pronunciou-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de março de 2007, processo n.º 07B436 (Relator: Oliveira Rocha), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de junho de 2011, processo n.º 191/08.2TBSJM – H.P1.S1 (Relator: Relator: Bettencourt de Faria), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de outubro de 2012, processo n.º 80/11.3TBMAC-C.E1.S1 (Relator: Tavares de Paiva), Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24 de fevereiro de 2015, processo n.º3261/14.4TBLRA-C.C1 (Relator: Isabel Silva), Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de outubro de 2011, processo n.º465/10.2TBLNH-D.L1-6 (Relator: Olindo Geraldes) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de julho de 2010, processo n.º 682/09.8TBLNH-D.L1-7 (Relator: Roque Nogueira) todos disponíveis em www.dgsi.pt.

193 Cfr. MARTINS, Alexandre de Soveral, op. cit., pp. 595-596.

194 Cfr. FERNANDES, Luís A./ LABAREDA, João, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, op. cit., p. 875.

Importa ainda salientar que considera-se que há insuficiência de bens sempre que o administrador da insolvência verificar que a massa insolvente é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente. Assim, sempre que se verificar uma situação desta natureza, o administrador da insolvência tem que dar conhecimento do facto ao Juiz, que pode, na verdade, dele conhecer oficiosamente, de acordo com o disposto no art. 232º, n.º 1, do CIRE. Assim, para declarar encerrado o processo, o Juiz tem que ouvir o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente196197.

MARIA JOSÉ COSTEIRA constata que, na assembleia de credores convocada para ser ouvida, não há que submeter o encerramento à votação, nem a posição que for assumida pelos credores é vinculativa para o Tribunal. De facto, na lei refere-se à necessidade de audição de parecer, mas não à vinculação do Juiz por ele198 199.

Na verdade, a verificação da insuficiência da massa insolvente não tem como consequência necessária o encerramento do processo200. Por sua vez, o n.º 2, do artigo 237º, do CIRE, prevê que isso não suceda, se algum interessado depositar à ordem do Tribunal a quantia determinada pelo Juiz, conforme o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente. Pode ocorrer que algum credor não concorde com o juízo de prognose do processo do qual espera vir a colher frutos mais relevantes do que aqueles que o Juiz considere prováveis201, por exemplo, por entender que alguns negócios anteriormente celebrados pelo devedor podem ser resolvidos a favor da massa, beneficiando os credores.

Nesse caso, se à data do despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante há elementos que revelem a inexistência de bens é nele que o tribunal, por iniciativa própria, deve declarar o encerramento do processo.

Todavia, no caso de omitir essa declaração, deve então lançar mão de um despacho autónomo para o efeito, o qual não fica dependente de requerimento por parte do devedor nem por parte do administrador. Neste

196 Segundo o art. 47º, n.º 1, do CIRE, declarada a insolvência, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicilio, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração.

197 Cfr. PRATA, Ana/CARVALHO, Jorge Morais/SIMÕES, Rui, op. cit., p. 640.

198 Cfr. COSTEIRA, Maria José, Novo Direito da Insolvência in Revista Themis. Coimbra: Almedina, 2005, p. 42.

199 Importa também salientar que o n.º 7 do art. 232º, do CIRE contém uma presunção de insuficiência da massa quando o património for insuficiente a €5000. No entanto, esta presunção é ilidível, naturalmente.

200 Do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28 de março de 2012, processo n.º 1306/11.9TBVRL-A.P1, (Relator: Mário Fernandes), disponível em www.dgsi.pt retira-se que o encerramento do processo de insolvência por insuficiência de bens não acarreta a extinção da instância, por inutilidade ou impossibilidade, do incidente de exoneração do passivo restante.

No mesmo sentido, também o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de outubro de 2014, com o n.º de processo 2544/12.2TBVIS.C1, (Relator: Moreira do Carmo), disponível em www.dgsi.pt do qual se retira que no caso de ter sido proferido despacho inicial positivo sobre o pedido de exoneração do passivo restante, e não ter havido recurso do mesmo, não deve ser declarado encerrado o processo de insolvência, nos termos do art. 230º, nº 1, e), do CIRE, se nesse momento ainda não tiver sido realizado o rateio final da liquidação da massa insolvente”.

sentido, também parece dever ser quando só após o despacho inicial se vem a revelar a inexistência de ativo a liquidar, competindo, assim, ao Juiz decidir logo que tenha conhecimento da situação ou esta lhe seja transmitida pelo Administrador da Insolvência202.

A alínea e) do n.º 1, do art. 230º, do CIRE, deve ser objeto de uma interpretação restritiva, visto que este preceito parece ter surgido para «situações em que se verifica a insuficiência de bens do insolvente e este beneficia do diferimento do pagamento das custas»203204.

No caso de o pedido de exoneração do passivo restante ser apresentado antes da declaração da insolvência e o Juiz logo na sentença de declaração de insolvência concluir que a massa insolvente é insuficiente, não se aplica o disposto no art. 39º do CIRE, uma vez que o devedor já tinha requerido antes a exoneração do passivo restante (art. 39º, n.º 8 do CIRE). Tal acontece, ainda que o Juiz conclua que a massa insolvente é insuficiente, não sendo possível encerrar o processo de insolvência, com base no art. 230º, n.º 1, alínea d), do CIRE. O respetivo encerramento deve ter lugar com base no art. 232º, do CIRE. Acontece, todavia, que o n.º 6 do artigo exclui esse encerramento na hipótese de o devedor beneficiar do diferimento do pagamento das custas, o que acontece quando o devedor apresenta o pedido de exoneração do passivo restante, conforme determina o n.º1, do art. 248º do CIRE.

Ora, como vimos a insuficiência da massa insolvente verifica-se quando esta não é suficiente para a satisfação das custas do processo bem como para as restantes dívidas da massa insolvente.

Sendo a massa insuficiente e não sendo possível, pelas razões supra expostas, o encerramento do processo com esse fundamento, quando chega o momento de ser proferido o despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante, o juiz já pode declarar o encerramento do processo de insolvência, nos termos do art. 230º, n.º 1, alínea e), do CIRE. Assim, ao verificarmos que o art. 248º, n.º 1, do CIRE reconhece o benefício do diferimento do pagamento de custas até à decisão final do pedido sem que, para esse fim, seja então necessário averiguar se a massa insolvente e o rendimento disponível durante o período da cessão são insuficientes para o pagamento integral daquelas custas205.

A melhor interpretação a atribuir à alínea e), do n.º 1, do art. 230º, do CIRE, manda que, proferido o despacho inicial de exoneração, deve o processo de insolvência ser encerrado, sem prejuízo do prosseguimento da liquidação. No nosso entender o legislador pretendeu especificamente que com o despacho inicial de exoneração do passivo restante fosse decretado o encerramento do processo, dando então início ao período de cessão, ainda que exista ativos não liquidados, uma vez que não prejudica o encerramento os moldes peticionados considerando que a liquidação ocorrerá dentro daquele período. Pois, deixar para final da

202 Cfr. FERNANDES, Luís A./ LABAREDA, João, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, op. cit., p. 875.

203 Cfr. MARTINS, Alexandre de Soveral, op. cit., p. 596.

204 Segundo, SERRA, Catarina, op. cit., p. 144, a Lei 26/2012, de 20 de abril introduziu a alínea e) no n.º 1, do art. 230º, do CIRE, como uma outra causa de encerramento do processo de insolvência. Esta alínea foi introduzida com o objetivo de resolver um problema que já havia sido detetado, há algum tempo, no âmbito da exoneração do passivo restante, quanto às situações em que se verifica a insuficiência de bens do insolvente e este beneficia do diferimento do pagamento das custas.

liquidação e rateio o encerramento do processo de insolvência e, então, o início do período de cessão é, especialmente nos casos em que a liquidação dure muitos anos, viola princípio da tutela jurisdicional efetiva modelado no art. 20º da CRP, pois é particularmente naqueles casos das liquidações mais demoradas que se retira aos cidadãos a possibilidade legal de se verem exonerados do passivo não liquidado no processo de insolvência.

Contudo, para o Tribunal a quo, ao invés, a interpretação mais coerente e correta é antes a de, apenas nos casos em que inexiste ativo a liquidar, ser de aplicar o disposto no art. 230º, n.º 1, alínea e), do CIRE.

Quanto à decisão apelada e respetivos fundamentos importa referir, ainda que na mesma não se refira explicitamente a uma qualquer decisão de Tribunais Superiores que a certifiquem e aprovem, mostra-se porém igualmente já aprovada por alguns Tribunais de Recurso, nomeadamente pelos Tribunais da Relação do Porto206 e da Relação de Coimbra207.

No âmbito do primeiro veio a decidir-se que a decisão liminar que defere a exoneração do passivo restante não transporta sempre o encerramento do processo de insolvência, nos termos do art. 230º, n.º 1, alínea e), do CIRE, designadamente quando existe património a liquidar. Por sua vez, no âmbito do segundo conclui-se que no caso de ter sido proferido despacho inicial positivo sobre o pedido de exoneração do passivo restante, e não ter havido recurso do mesmo, não deve então ser declarado encerrado o processo de insolvência, nos termos do art. 230º, n.º 1, alínea e), do CIRE, se nessa altura ainda não tiver sido realizado o rateio final da liquidação da massa insolvente.

Assim, o Acórdão em análise entende que a razão mostra-se estar do lado da primeira instância, nada permitindo concluir que, em face do disposto no art. 230º, n.º 1, alínea e), do CIRE, e com a prolação do despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante, forçosa seja, concomitantemente, a declaração pelo juiz do encerramento do processo.

Decorre da própria lei (do art. 230º, n.º 1, alínea e), do CIRE, e não esquecendo o disposto no art. 9º, do CC) que é o próprio legislador que, implicitamente, admite e reconhece como consubstanciando ocorrência processual regular a possibilidade de, em sede de prolação do despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante, não declarar o Tribunal o encerramento do processo de insolvência.

Quer isto dizer que, implicitamente, é o próprio legislador que entende existirem situações que de todo não justificam e antes obstam a que, no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante a que alude a alínea b), art. 237º, do CIRE, seja declarado o encerramento do processo de insolvência.

Do mesmo modo, também da alínea a), do n.º 1, do art. 230º, do CIRE, e a contrário sensu, resulta que até ao encerramento da liquidação e rateio final o juiz não deve declarar o encerramento do processo,