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CAPÍTULO III – TRAMITAÇÃO

1.5. OBRIGAÇÕES DO DEVEDOR DURANTE O PERÍODO DA CESSÃO

Ao longo do período de cessão, o devedor deverá respeitar um conjunto de regras, as quais se compromete a cumprir, tal como declara no requerimento da exoneração, de acordo com o art. 236º, n.º 3, do

255 Cfr. MARTINS, Alexandre de Soveral, op. cit., pp. 601-601.

256 Segundo o ponto 34 do preâmbulo do DL n.º 53/2004, de 18 de março, a possibilidade de compensar créditos sobre a insolvência com dívidas à massa é atualmente permitida, genericamente, sempre que os pressupostos legais da compensação se verificassem já à data da declaração de insolvência, ou, no caso de se verificarem em momento posterior, o contra crédito da massa não houver preenchido em primeiro lugar os requisitos previstos no art. 847º, do CC.

CIRE. Estas regras encontram-se presentes no art. 239º, n.º 4, do CIRE, e são de índole material (adoção ou abstenção de comportamentos) e processual (informações feitas ao fiduciário e ao tribunal)258259.

Quanto à atitude do devedor, este pode ter uma de duas, isto é, por um lado, pode ser reta e colaborante, caso em que, na situação de receber os montantes abrangidos pela noção de rendimento disponível, os entrega de imediato ao fiduciário ou, por outro lado, pode revelar-se não colaborante, caso em que ao mesmo tempo, o fiduciário disporá de meios jurídicos para obter esses montantes e, por sua vez, o devedor insolvente não logrará um despacho final que lhe conceda a exoneração do passivo restante 260.

A obrigação mais importante que resulta para o devedor é a obrigação prevista na alínea b), do n.º 4, do art. 239º, do CIRE, que se reconduz a uma obrigação de aquisição de rendimentos por meio do exercício de uma profissão remunerada ou da procura ativa dessa profissão. Com efeito, essa obrigação condiciona as restantes, na medida em que só após a aquisição de rendimentos suscetíveis de penhora é que o devedor os pode entregar ao fiduciário (art. 239º, n.º 4, alínea c), do CIRE). Enquanto as alíneas a) e d), do n.º 4, do art. 239º, do CIRE, dizem respeito a deveres acessórios de informação, a alínea e), corresponde à manutenção do dever de respeitar o princípio par conditio creditorum durante o período da cessão.

Na verdade, a extensão bem como o conteúdo da obrigação de aquisição de rendimentos variam em função das circunstâncias pessoais do devedor. Portanto, o devedor que tenha crianças menores a seu cargo pode não ter condições para exercer uma profissão a tempo completo, ficando nesse caso satisfeita a exigência prevista no art. 239º, n.º 4, alínea b), do CIRE, com a realização do trabalho em tempo parcial. Por outro lado, um trabalhador com deficiência não estará em condições de aceitar qualquer trabalho, apenas podendo exercer os trabalhos que forem compatíveis com as suas limitações. Contrariamente, um devedor que não tenha qualquer limitação deverá exercer a profissão a tempo completo.

A lei prevê que o devedor não pode abandonar a sua profissão sem motivo legítimo, o que implica uma proibição de este pôr fim à sua relação de trabalho, quer seja unilateralmente, quer seja por acordo com o empregador, a não ser que tenha uma razão devidamente justificada para o fazer. Abrangem as razoes justificadas os motivos de saúde bem como a oferta de melhores condições de trabalho noutra empresa. No entanto, apesar de a lei não referir expressamente, parece que esta obrigação será também violada no caso de o devedor praticar infrações à relação de trabalho que permitam ao empregador o seu despedimento por justa

258 Cfr. CONCEIÇÃO, Ana Filipa, Disposições específicas da insolvência de pessoas singulares no Código de Insolvência e Recuperação de Empresas in SERRA, Catarina (coordenação), I Congresso de Direito da Insolvência, op. cit., p. 57.

259 Cfr. CRISTAS, Maria Assunção, Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante, in “Themis, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, setembro de 2005, Edição Especial, Novo Direito da Insolvência, p. 172, agrupa as obrigações do art. 239º, do CIRE, em três áreas: obrigações com o fim de garantir a transparência da situação patrimonial e pessoal do insolvente (alíneas a) e b)); obrigações com o objetivo de garantir que o devedor é diligente na procura da manutenção de um rendimento que possa vir a satisfazer os credores (alíneas b) e d)) e, por fim, as obrigações que se destinam a atestar a probidade e lisura de comportamento do próprio devedor (sobretudo as alíneas a), c) e e)).

260 Cfr. CRISTAS, Maria Assunção, Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante, in “Themis, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, setembro de 2005, Edição Especial, Novo Direito da Insolvência, pp. 176-177.

causa. Sempre que seja controversa a existência de justa causa, o devedor terá, por meio desta obrigação, o dever de se opor ao despedimento promovido pelo empregador.

No caso de desemprego, o devedor deverá procurar ativamente exercer uma profissão, não podendo recusar sem motivo justificado qualquer emprego para que seja apto. Desta forma, exige-se ao devedor a utilização dos meios necessários para a recuperação do emprego, devendo ele empregar todos os seus esforços na procura de emprego, inclusivamente apresentando-se no centro de desemprego ou recorrendo a agências de colocação. Para além disso, o devedor terá ainda que aceitar quaisquer ofertas de emprego para que tenha aptidão, sendo que apenas as poderá rejeitar se a recusa for justificada em termos de razoabilidade. O devedor deverá demonstrar, junto do fiduciário, as diligências que tem levado a cabo no sentido de encontrar emprego. Uma vez produzidos os rendimentos, a parte dos mesmo que seja objeto de cessão deve ser imediatamente entregue pelo devedor ao fiduciário (art. 239º, n.º 4, alínea c), do CIRE), quando não seja por este diretamente recebida das entidades pagadoras (art. 241º, n.º 1, do CIRE 261262.

Para além disso, o devedor tem obrigações especiais de informação relacionadas com a sua atividade. O art. 239º, n.º 4, alínea d), do CIRE, prevê obrigações de informação que o devedor deve prestar por sua iniciativa, nomeadamente o dever de informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de condições de emprego bem como de qualquer mudança de domicílio. A informação referida deve ser prestada no prazo de dez dias depois de ter ocorrido a mudança. Para além do mais, o devedor deve também informar o Tribunal e o fiduciário, quando solicitado e mais uma vez no prazo de dez dias, acerca do que tenha feito para obter emprego, de acordo com a alínea d), do n.º 4, do art. 239º, do CIRE.

Sempre que sejam solicitadas ao devedor informações pelo Tribunal ou pelo fiduciário no que respeita aos rendimentos que aquele aufere ou quanto ao seu património, este deve prestá-las dentro da forma e do prazo em que lhe forem concedidas, de acordo com a alínea a), do n.º 4, do art. 239º, do CIRE263. A redação desta norma parece permitir uma atitude passiva por parte do devedor em relação a estas informações, parecendo que para que este dever se considere cumprido bastaria que este nada fizesse para ocultar a sua situação patrimonial, apenas tendo que prestar as informações que lhe fossem solicitadas. Do exposto resulta que até por força do princípio da boa-fé, o devedor deverá informar imediatamente o Tribunal e o fiduciário sempre que lhe advierem novos rendimentos, nomeadamente se lhe for atribuída uma herança.

261 Cfr. LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito da Insolvência, op. cit., pp. 347-348.

262 Segundo, EPIFÂNIO, Maria do Rosário – Manual de Direito da Insolvência, op. cit., p. 328, o insolvente apenas fica obrigado a ceder os rendimentos que receba a título próprio, sendo que não se encontra obrigado a entregar os valores que receba mas que não lhe pertençam, como por exemplo, a pensão de alimentos devida pelo pai do filho menor do insolvente. Do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18 de junho de 2013, com o n.º de processo 1292/12.8TBFAF-C.G1, (Relator: António Figueiredo de Almeida), disponível em www.dgsi.pt retira-se que “uma pensão de alimentos devida e paga pelo pai do filho menor da insolvente, a este, que a insolvente recebe, face à incapacidade natural e jurídica do menor, constitui um direito deste e de que a insolvente, enquanto titular do exercício do poder paternal, recebe para prover às necessidades básicas de subsistência da criança, não pertence à insolvente, esta não é titular de tal quantia, apenas gere a mesma, com a finalidade específica de providenciar pela satisfação das necessidades do menor, pelo que não pode ser contabilizada para efeitos de cálculo do rendimento disponível”.

De acordo com o previsto na alínea e), do n.º 4, do art. 239º, do CIRE, o devedor fica impedido de fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência, a não ser que o faça por intermédio do fiduciário, bem como de criar qualquer vantagem especial para esses credores. Importa ainda referir que os credores da insolvência são apenas aqueles cujo fundamento seja anterior à data da declaração de insolvência (art. 47º, n.º 1, do CIRE), cabendo ao devedor satisfazer as dividas que futuramente tenham surgido, nomeadamente os encargos fiscais e da segurança social consequentes dos rendimentos que recebe, os quais devem ser excetuados do rendimento disponível, por força do art. 239º, n.º 3, alínea b), subalíneas ii) e iii), do CIRE. Por outro lado, em contrapartida, durante o período de cessão, o devedor não se encontra impedido de constituir novas obrigações, podendo, com base no seu rendimento que não foi objeto de cessão, contrair obrigações relacionadas com a sua habitação (empréstimo hipotecário ou arrendamento), comprar bens ou celebrar contratos de seguro. No entanto, as obrigações enunciadas não se encontram sujeitas ao regime dos créditos sobre a insolvência, podendo ser satisfeitas diretamente pelo devedor sem intervenção do fiduciário.

Sempre que o devedor viole, com dolo ou negligencia grave, alguma das obrigações anteriormente enunciadas, prejudicando por esse facto a satisfação dos credores da insolvência, poderá ser requerida por qualquer credor da insolvência, pelo administrador da insolvência, se ainda estiver em funções, ou pelo fiduciário a cessação antecipada da exoneração, de acordo com o art. 243º, n.º 1, alínea a), do CIRE264.