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CAPÍTULO IV - O FIDUCIÁRIO

1.3. O FIDUCIÁRIO E O RENDIMENTO CEDIDO

Como já tinha sido referido anteriormente, resulta do art. 239º, n.º 2, do CIRE, que o despacho inicial determina que durante o período da cessão o rendimento disponível obtido pelo devedor considera-se cedido ao fiduciário. Da interpretação do disposto no art. 241º, n.º1, do CIRE parece resultar que o rendimento disponível deve ser entregue pela entidade devedora (que tem de pagar rendimentos ao insolvente) diretamente ao fiduciário.

Na verdade, a lei não clarifica se a notificação referenciada deve ser efetuada sem indicar qual a parte dos rendimentos em causa que é excluída da cessão nos termos do art. 239º, n.º 3, do CIRE. Para além disso

devido pelo trabalho efetuado e despesas suportadas, quando não existam quantias cedidas pelo devedor que permitam tal pagamento.

300 Cfr. FERNANDES, Luís A. Carvalho/ LABAREDA, João, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas: Anotado, op. cit., p. 909.

301 Do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de setembro de 2013, processo n.º 1714/09.5TBVNG-J.P1, (Relator: Henrique Aráujo), disponível em www.dgsi.pt, retira-se que o fiduciário nomeado pelo Juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis.

De acordo com o art. 25º, do EAI a remuneração corresponde a 10% das quantias objeto de cessão, com o limite máximo de €5000 por ano.

Ainda que no EAI se preveja que, no caso de o processo ser encerrado por insuficiência da massa insolvente a remuneração do administrador da insolvência e o reembolso das despesas são suportadas pelo Cofre Geral dos Tribunais (art. 27º do EAI), não existe norma expressa que contemple a possibilidade de o fiduciário também ser remunerado por essa entidade quando nenhuma quantia haja sido cedida pelo insolvente.

Do exposto resulta que existe a possibilidade de o fiduciário ser remunerado pelo Cofre Geral dos Tribunais (atual Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça), que deverá proceder ao adiantamento da verba devida pelo trabalho realizado.

Neste mesmo sentido também decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7 de janeiro de 2013, processo n.º 419/12.4TBOAZ-F.P1, (Relator: Soares de Oliveira), disponível em www.dgsi.pt. Segundo este Tribunal não faz qualquer sentido que o fiduciário nomeado pelo Juiz não seja remunerado pelas funções que exerceu só porque nenhum valor foi entregue pelo devedor insolvente ao longo do período de cessão. Isto vai o disposto no art. 59º, n.º 1, da CRP, uma vez que segundo este preceito todos os trabalhadores têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade deste.

A nossa opinião vai no mesmo sentido, visto que não se compreende que o fiduciário não seja remunerado pelas suas funções só porque o devedor insolvente não entregou qualquer valor ao longo do período de cessão.

302 Cfr. FERNANDES, Luís A. Carvalho/ LABAREDA, João, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas: Anotado, op. cit., p. 909.

303 Cfr. MARTINS, Luís M., Recuperação de Pessoas Singulares, 2ª Edição, Volume I. Coimbra: Almedina, 2012, p. 141.

também não esclarece se, posteriormente, será o fiduciário a entregar ao devedor a parte dos rendimentos excluída da cessão.

Contudo, nada impede que o fiduciário, perante o despacho inicial e tendo em consideração as informações de que disponha quanto aos rendimentos do devedor, proceda aos cálculos necessários de forma a receber a parte dos rendimentos do devedor que tenham sido objeto de cessão. Além do mais, no art. 241º, n.º 1, do CIRE, não está previsto que o fiduciário entregue ao devedor o que restar depois de afetar os montantes recebidos nos termos ali indicados304.

Uma questão que também é muito debatida na doutrina: a quem deverão ser entregues os rendimentos, se ao devedor, que posteriormente os cederá ao fiduciário ou diretamente ao fiduciário?

MENEZES LEITÃO defende que os pagamentos dos rendimentos não devem ser feitos ao fiduciário mas ao insolvente que, por sua vez, os deverá entregar ao fiduciário305.

Por sua vez, CARVALHO FERNANDES entende que a solução adequada parte do princípio de que os rendimentos deverão ser entregues ao fiduciário306.

O nosso entendimento segue o de MENEZES LEITÃO,uma vez que defendemos que os rendimentos deverão ser entregues ao devedor que posteriormente os entrega ao fiduciário, para não afetar negativamente a imagem e a situação laboral do devedor.

Na prática, os rendimentos são colocados à disposição do devedor que, posteriormente, os deve entregar ao fiduciário, conforme prevê o art. 239º, n.º 4, alínea c), do CIRE.

No que respeita às quantias que o fiduciário venha a receber, estas têm o seu destino delineado pelo art. 241º, n.º 1, do CIRE. Portanto, no final de cada ano de duração da cessão, o fiduciário com os montantes recebidos procede ao pagamento dos credores pela ordem constante no art. 241º do CIRE307.

Os pagamentos previstos nas diversas alíneas do n.º 1, do art. 241º, do CIRE são efetuados pela ordem por que nelas estão enumerados. Esta interpretação decorre da própria lei, em particular da alínea d), do art. 241º, do CIRE, quando prevê certa aplicação para o remanescente dos rendimentos cedidos. Ou seja, do exposto resulta que o fiduciário apenas deve efetuar pagamentos de certa categoria quando estejam satisfeitos integralmente os pagamentos das categorias que a precedem.

A alínea a), do n.º 1, do art. 241º, do CIRE, é pura manifestação do regime que preside ao pagamento das custas. Na verdade, a solução legal, leva a que as custas e os reembolsos sejam normalmente suportados pela massa e, subsidiariamente, pelo rendimento disponível, a prejuízo dos credores.

304 Cfr. MARTINS, Alexandre de Soveral, op. cit., p. 604.

305 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito da Insolvência, op. cit., p. 310.

306 Cfr. FERNANDES, Luís A. Carvalho, A Exoneração do Passivo Restante na Insolvência das Pessoas Singulares no Direito Português in Coletânea de Estudos sobre a Insolvência, op. cit., p. 296.

307 Neste sentido, segue o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28 de outubro de 2015, processo n.º 347/13.6TJPRT.P1, (Relator: Inês Moura), disponível em www.dgsi.pt, uma vez que segundo este o regime do art. 241º, que manda afetar os montantes recebidos no final de cada ano em que dure a cessão, à remuneração ao fiduciário, retira-se que a fixação, assim como o pagamento da remuneração deverá ocorrer no fim de cada ano, visto que só nesse momento será possível saber se foram entregues valores pelo devedor que o permitam, bem como avaliar o trabalho desenvolvido.

Por sua vez, as alíneas b) e c), do n.º 1, do art. 241º, do CIRE, na parte que se refere ao próprio fiduciário, os pagamentos nelas conjeturados compreendem-se por se tratar de despesas que decorrem diretamente do instituto da exoneração do passivo restante, sendo a ele inerentes.

Por fim, a alínea d), do n.º 1, do art. 241º, realiza, finalmente, a função do instituto por via da afetação (residual) dos rendimentos cedidos à satisfação dos créditos sobre a insolvência.

Como não poderia deixar de ser, os pagamentos aos credores devem ser efetuados segundo o regime estatuído nos arts. 173º e ss. do CIRE308.

O pagamento do remanescente apenas terá lugar quando já tiverem sido pagas as quantias destinadas aos fins previstos nas alíneas a), b) e c), do art. 241º, do CIRE, e será efetuado de acordo com os princípios vertidos no art. 173º e ss., do CIRE. Do art. 173º do CIRE resulta que, em primeiro lugar, serão pagas as dívidas da massa insolvente (art. 51º, do CIRE) e depois as dívidas da insolvência (art. 47º, do CIRE). No entanto, quanto às dívidas da insolvência apenas serão pagas as que estiverem verificadas por sentença transitada em julgado (arts. 140º e 173º, ambos do CIRE)309.

O fiduciário deve manter os montantes que receba ao abrigo da cessão de rendimentos separados do respetivo património pessoal, de acordo com o disposto no art. 241º, n.º 2, do CIRE. Desta forma, o fiduciário não deve depositar os rendimentos que receba na conta que movimenta para efetuar as suas despesas pessoais. Assim, as quantias são-lhe cedidas, para que o fiduciário lhes dê os destinos previstos no art. 241º, n.º 2, do CIRE. Apesar de esta norma, nada dizer, entende-se que a separação vale também perante os credores do fiduciário. Deste modo, no caso de o fiduciário manter as quantias provenientes de rendimentos cedidos pelo devedor separadas do seu património pessoal, a separação é oponível aos credores do fiduciário, pelo que assim não podem obter o pagamento do que lhes é devido através daquelas quantias, adstritas ao processo de insolvência310.

A necessidade de separação do património é de fácil compreensão, uma vez que o fiduciário é apenas um simples recetor dos rendimentos cedidos ficando adstrito a, em momento posterior e uma vez satisfeitas as alíneas a) a c), do n.º 1, do art. 241º, do CIRE, entregar os mesmos aos credores. Com efeito, no caso de o fiduciário não o fazer e se os montantes que lhe foram confiados deixarem de existir, este responderá pessoal e ilimitadamente por danos e prejuízos causados aos credores311.

Uma das funções do fiduciário pode ser a de converter os rendimentos em espécie em dinheiro que possa ser utilizado nas despesas e rateado pelos credores.

Parece adequado dizer que a lei configura a relação entre o fiduciário e aquilo que recebe através da cessão do rendimento disponível como uma propriedade fiduciária312313. Na verdade, o rendimento disponível

308 Cfr. FERNANDES, Luís A. Carvalho/ LABAREDA, João, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas: Anotado, op. cit., p. 911.

309 Cfr. MARTINS, Luís M., Recuperação de Pessoas Singulares, op. cit., p. 148.

310 Cfr. MARTINS, Alexandre de Soveral – op. cit., p. 605.

311 Cfr. MARTINS, Luís M., Recuperação de Pessoas Singulares, op. cit., p. 149.

312 Cfr. MARTINS, Alexandre de Soveral, op. cit.,p. 605.

313 No mesmo sentido, para LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito da Insolvência, op. cit., p. 311, apesar de o fiduciário adquirir a propriedade do rendimento disponível objeto da cessão, constitui um

considera-se cedido ao fiduciário, conforme resulta do exposto no art. 239º, n.º 2, do CIRE. Ademais, a lei salienta que o fiduciário tem o direito a receber e exigir os rendimentos cedidos, contudo estamos perante rendimentos que apenas podem ser afetados às finalidades previstas na própria lei (art. 241º, n.º 1, do CIRE). A cessão de rendimentos efetuada ao fiduciário apenas terá lugar no período de cessão, que se inicia após o encerramento do processo de insolvência314315.

Com o encerramento do processo de insolvência, o devedor recupera o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, de acordo com o disposto no art. 233º, n.º 1, alínea a), do CIRE. Contudo, o regime da cessão de rendimentos ao fiduciário limita esse efeito do encerramento316.