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BODEL, Jean Chanson des Saxons Paris: J Techener Libraire Place du Louvre, 1200 vs 6-11 O poema poderia ser traduzido por: Há somente três matérias que ninguém deveria

XI e XII. Além disso, acompanhar um pouco de seu trajeto nos séculos seguintes na Península, mais especificamente, no reino de Castela.

Esses séculos estão marcados por fatos tais como o surgimento, no seio da cultura europeia, das primeiras universidades, o desenvolvimento das ciências médicas, a promoção da reforma monástica e o despertar do interesse pelo direito romano e pela língua árabe, acontecimentos que, para alguns estudiosos, conforme ressalta Joaquin Rubio Tovar, representam os indícios do futuro e próximo declínio do feudalismo:

Destacados medievalistas han señalado en esta etapa la aparición de unas circunstancias que preludian un cambio importante en la mentalidad medieval: la nobleza feudal entra en decadencia. Se trata de un periodo (mediados del siglo XI a finales del siglo XIII) en el que la cultura europea vuelve sus ojos a la antigüedad y se muestra extraordinariamente viva. (RUBIO TOVAR, 1990, p. 28).

Para outros autores essa melhora significativa nos aspectos ―espirituais‖, que incidiria em uma revitalização da vida intelectual, comparável apenas com a dos tempos da Antiguidade Clássica77, ocorre não como sinal do

declínio do feudalismo, mas justamente em virtude do aparecimento de grandes cortes feudais e do ressurgimento da vida urbana uma vez que serão os membros dessas cortes que compõem esse ―nuevo público que condicionará la tarea y el sentido de los autores en adelante. Se trata, pues, de un cambio doble, que afecta al creador y al receptor de la obra literaria.‖ (TORRES ASENSIO, 2003, p. 11).

77 Cf. CURTIUS, Ernst R. (1998, p. 550): ―La sociedad cortesana de Francia, como la Jonia de

la época de Homero, busca esparcimiento. Las epopeyas heroicas y los romans caballerescos vienen a satisfacer esta necesidad.‖ Literatura europea y Edad Media Latina. México: Fondo de Cultura Económica, 1998. p. 550.

2.1.1.2 A matéria de Bretanha, a matéria Antiga e a matéria de França

Com Hans Robert Jauss78, Viña Liste afirma que a difusão da

matéria de Bretanha ―desempeñó um papel esencial en la evolución del gênero del roman, por cuanto que disminuyó el peso de la veracidad exigible para um relato.‖ (VIÑA LISTE, 2001, p. 33-34). A etapa de difusão literária dos romans da matéria de Bretanha será surpreendentemente curta, conforme comenta Garcia Gual, ―no sabemos si es más de admirar la rápida difusión de esta literatura (em menos de cincuenta años, de 1270 a 1230 [sic]) o la pervivencia de su mágico atractivo.‖ (GARCIA GUAL, 1988, p. 70).

Para a construção da lenda do rei de Camelot e de seus cavaleiros da Távola Redonda, tema que constitui o ciclo arturiano da matéria de Bretanha, Artur foi apresentado nos textos como chefe da resistência bretã contra os invasores saxões. Na Historia Regum Brittannia os temas arturianos ocupam três livros, o oitavo, o nono e o décimo. Segundo García Gual (1983, p.20), a obra

[...] da a la leyenda artúrica una nueva dimensión, construyendo sobre ese fondo legendario una epopeya nacional fabulosa, bajo el disfraz de un relato histórico […] La tradición oral que llega hasta el galés Geoffrey queda trasmutada en una historia magnífica y desmesuradamente fantástica, en la que el rey Arturo se alza como el gran paladín de una lejana época, como el caudillo de la Inglaterra presajona, que unió a los reyezuelos isleños[…]

Não se pode dizer, no entanto, que Monmouth haja sido responsável pela criação do mito arturiano; antes dele, a figura de Artur já era conhecida, o que se depreende da citação anterior. Desde o século V, a tradição oral das regiões bretãs forma o ―componente mítico arturiano de fonte primária‖. (SALTARELLI, 2009, p. 125). O processo de conversão de herói da resistência bretã no lendário Rei Artur não aconteceu de forma simples, como tampouco o processo através do qual a literatura artúrica consagrou-se e com ela o tema

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JAUSS, Hans Robert. Alterität und Modernität der mittelalterlichen Literatur. Wilhelm Fink, Munich, 1977, p. 16.

cavaleiresco. Consoante a afirmação de García Gual, muitos contribuíram para esse processo:

[...] con muchas hebras se tejió la trama de su historia novelesca. Los

conteors bretones difundieron y tradujeron los episodios fantásticos,

los ―cuentos de aventuras‖ en los que se expresaban la fantasía y la degradada mitología céltica, una literatura épica oral de extrañas y antiguas raíces. Los novelistas franceses recogieron esas narraciones y las pusieron en versos y las escribieron en la pauta cortés y romántica de la época. […] De los juglares las historias pasaron a los novelistas cortesanos, y luego algunos sagaces clérigos retocaron las novelas para infundirles un sentido más espiritual y trascendente. Como vehículo de la ideología de los caballeros – una clase social amenazada por el decurso histórico – la literatura artúrica estilizó su moral e idealizó una visión romántica de la sociedad caballeresca y cortés. Construyó un brillante mundo de ficción, que fue acogido con un sorprendente éxito en toda Europa medieval y perduró como un mágico y misterioso ámbito romántico durante siglos. (GARCÍA GUAL, 1983, p. 16-17).

A obra ―histórica‖ de Monmouth não introduziu apenas a figura de Artur no texto escrito, introduziu também a figura do mago Merlin, protetor da monarquia bretã, e do próprio Artur, a quem cuidou de encaminhar para o destino a ele reservado. A Historia Regum Brittannia seria traduzida livremente para o francês (anglo-normando), em versos octossílabos pareados, pelo poeta Robert Wace (1115-1183). O original, e, principalmente, a tradução de Wace, intitulada Roman de Brut [ca. 1155], como forma ficcional, foram as obras responsáveis pela introdução do universo cavaleiresco arturiano como tema constante do roman79. Estas obras em língua vernácula gozavam do apoio de

uma nobreza carente de uma literatura que, como o roman, representasse ―la expresión de unas ideas y unos valores que los caracterizasen [a la clase nobiliária] frente a la cultura clerical [latina] y las clases sociales más bajas.‖ (RUBIO TOVAR, 1990, p. 28).

Wace, tal como Monmouth, foi um protegido da monarquia dos Plantagenetas. Havia tido contato com as lendas bretãs e introduzira na literatura escrita as lendas da floresta de Broceliande e as da Távola Redonda,

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O termo roman refere-se aqui ao tipo de relato narrativo em prosa ou poesia, cujo estatuto de literatura advém do fato de ser uma ficção narrativa calcada em fatos concretos, no que se diferencia do relato histórico, da ficção dramática, e também das ficções de índole abstrata, que são as filosóficas. Essa ficção terá penetração na península Ibérica.

além de batizar a espada de Artur com o nome de ―Excalibur‖. É em seus versos que aparece pela primeira vez esta famosa mesa, ―de discutido origen y sin precedentes literarios claro‖ e, ao redor da qual, Wace faz sentar a fina flor da cavalaria andante, os melhores, os mais valentes cavaleiros. Wace se refere a Artur como o rei ―a quien nadie sobrepasó en cortesía y nobleza, en virtud y en generosid.” (GARCÍA GUAL, 1983, p. 38)80.

A obra de Monmouth e a tradução de Wace representarão, portanto, os pilares desse trajeto de transformação do herói Artur dos cantares anônimos dos conteors (antigos jograis bretões) em mito duradouro e fecundo. Monmouth o converte em um personagem histórico, ―gran monarca de grandeza imperial, parecido a Enrique II Plantagenet‖ (GARCIA GUAL, 1983, p. 9), enquanto a obra de Wace funcionará como ponte entre a história e os romances arturianos, graças às novidades que introduz na tradução livre que faz da Historia Regum

Brittannia. Elas inspirarão outras tantas obras, a ponto de conferir à lenda do

rei uma vida estendida pelo mundo e pelos tempos afora.

Embora a literatura (oral e escrita), haja sido a maior responsável pelo nascimento, transformação e sobrevivência do fenômeno lendário do Rei Artur, o mito arturiano sensibiliza outras artes e encontra também nelas respaldo para sua perenidade. Seu registro não se dá apenas através da palavra: constata-se uma vasta iconografia de referência existente, inclusive, em datas anteriores ao surgimento da obra de Monmouth. Na Catedral de Módena, no norte da Itália, por exemplo, mais precisamente na ―Porta della Pescheria‖, está gravada uma cena, extraída de algum relato artúrico que retrata o momento em que a rainha Guenevere é resgatada por Artur e alguns de seus cavaleiros, cujos nomes aparecem gravados em latim. Esta gravura data aproximadamente dos anos 1100 a 1120, antes, portanto, do aparecimento da obra de Monmouth e distante várias décadas do primeiro

roman de tema arturiano.

Sobre a trajetória da criação do roman Joaquin Rubio Tovar afirma que ―las obras de los historiadores, concebidas primero como obras científicas y elaboradas tras cotejar múltiples fuentes, fueron incluyendo cada vez más leyendas e inventando aventuras ajenas a las fuentes que las habían

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Todas as citações aspeadas do parágrafo correspondem à mesma referência, apontada no final do mesmo.

inspirado.‖ (RUBIO TOVAR, 1990, p. 4). O advento do roman, como gênero literário, deve muito a Chrétien de Troyes (1135-1191) que, na Champanhe no século XII, a serviço da corte Plantageneta, de Maria, filha de Leonor da Aquitânia, usou seus conhecimentos sobre a literatura de seu tempo, a dos autores clássicos e ainda os conhecimentos a respeito das antigas lendas celtas para criar narrativas em versos sobre Artur. Sobre ele, Viña Liste afirma que realizou uma fusão das lendas bretãs sobre Artur, com o sistema de valores da cavalaria cortesã e a mentalidade neoplatônica da França do século XII, produzindo ―uma revolución de la que se derivan en mayor o menor grado todas las formas y configuraciones del romance y la novela. Fue esta revolución (…) la que terminó de una vez por todas con las antiguas limitaciones locales y provinciales de la narrativa.‖ (KER81 apud VIÑA LISTE,

2001, p. 33).

Além dos textos de Chrétien de Troyes, de inspiração arturiana, outros temas foram também objeto de re-elaborações. Surgiram obras com inspiração em relatos antigos, entre os quais a tríade clássica, Roman de

Enéas [ca. 1160], fonte do próprio Chrétien, Roman de Thèbes [ca. 1150] e Roman de Troie [ca. 1154-60], que faziam parte do chamado Ciclo Clássico ou

Antigo, da Matéria de Roma e que inspiraram obras posteriores reunidas no Ciclo Arturiano.

O roman dispensou um tratamento extraordinariamente aventureiro à matéria cavaleiresca medieval. Seus heróis eram excepcionais, com destaque para Artur e seus cavaleiros. À aventura somava-se uma cuidadosa construção cortesã dos personagens e de seus hábitos e ambientes. Esse tratamento foi utilizado também na caracterização de homens da Antiguidade, como foi o caso de Alexandre Magno, que aparece em obras relacionadas à matéria antiga, à semelhança de um verdadeiro herói medieval de cavalaria. Esse artifício de transferir valores adaptados para certo modelo literário, que se originam da estética de outro período, chamado traslatio, já era usada, portanto, à época dos romans. Além de Alexandre Magno, vemos outros personagens da história antiga tendo seus atos de bravura e suas conquistas realçados pelos valores culturais e estéticos vigentes. Aproximar os temas da

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