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CHURCH, QUE TIPO DE ONDA É ESSA?

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CAPÍTULO II – CHURCH IN CONNECTION: A NOVIDADE DE UMA RELIGIÃO DE

2.4. CHURCH, QUE TIPO DE ONDA É ESSA?

Ao falar sobre a diversificação e expansão do pentecostalismo no Brasil, Mariano e Moreira (2015) discorrem sobre o longo caminho percorrido pelos grupos pentecostais do início do século XX, quando se implantam aqui os primeiros movimentos denominados pentecostais, até o século XXI, com o crescimento dos grupos mais independentes que compõem o neopentecostalismo.

A metáfora marítima, já usada por outros teóricos dentro e fora do Brasil, para designar diferentes tipos de pentecostalismo, serve como orientação. Os autores citados recorrem à classificação do cientista político Paul Freston que estuda esses movimentos religiosos e sua participação na política, definindo-os como: 1) pentecostais de primeira onda, aqueles do pentecostalismo inicial, no começo do século XX, e que eram marcados por igrejas coesas, de ethos de minoria religiosa, apartados de “costumes, tradições e valores da cultura e da religiosidade popular brasileira, considerados mundanos, pecaminosos e diabólicos”. Ainda para Mariano e Moreira (2015), a identidade desses primeiros pentecostais foi, por muito tempo marcada pelo “[...] ascetismo, sectarismo e anticatolicismo, pela ética de negação do mundo, pelo rigorismo nos costumes e pelo apoliticismo, pela ênfase no dom de línguas (glossolalia), pela crença na intervenção divina e pela expectativa apocalíptica” (MARIANO; MOREIRA, 2015, p. 48).

Os pentecostais de primeira onda foram identificados como os da Congregação Cristã do Brasil e da Assembleia de Deus, que se estabeleceram no Brasil a partir da década de 1910, e a eles se juntaram outras instituições até a década de 1940. Todas dentro de um contexto rural ou de fluxo migratório rural-urbano. 2) A segunda onda do pentecostalismo começaria a partir da década de 1950 e se estenderia até a década de 1970, coincidindo com a chegada no Brasil, em 1953, da Igreja do Evangelho Quadrangular, fundada em São Paulo por missionários vindos dos Estados Unidos e da forte ênfase na teologia da cura divina.

Para Siepierski (2003), o fato de se buscar soluções imediatas para os problemas das pessoas aqui e agora deu ao movimento pentecostal outra roupagem e representou um passo tímido em direção às novas formações pentecostais, porque

se deu ênfase na cura divina. Esse fato mostrava que os pentecostais já não estavam centrados na vinda imediata de Cristo com a negação do mundo, mas procuravam solucionar os problemas terrenos e, a esses problemas, passaram a dar prioridade nos cultos e reuniões da igreja.

A igreja do Evangelho Quadrangular assumiu características que a aproximaram do povo e da cultura brasileira, ganhando contornos próprios e abrindo espaço para outras igrejas como O Brasil para Cristo (1955), Deus é Amor (1962) e Casa das Bênçãos (1965). Os pastores eram brasileiros e passaram a usar largamente o evangelismo radiofônico, as preleções para grandes públicos em estádios de futebol e praças públicas, e começaram a participar da vida política brasileira apoiando e lançando candidatos nas eleições. A máxima construída por essas denominações para enfrentar as disputas políticas era: “Irmão vota em irmão”. Mariano e Moreira ainda salientam que “a partir daí, o Pentecostalismo encaminhou- se para se tornar uma religião de massa” (MARIANO; MOREIRA, 2015, p. 49).

Por último, a terceira onda começaria a partir da década de 1970, com a fundação da Igreja Universal do Reino de Deus (1977), seguida pelas igrejas Internacional da Graça de Deus (1980) e Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (1986), e outras que deram início a uma nova fase, o das Igrejas neopentecostais37.

São muitas as novidades trazidas com o neopentecostalismo, dentre elas um destaque para a guerra das forças de Deus contra o Diabo, “uma guerra cósmica entre Deus e o Diabo pelo domínio da humanidade” (MARIANO, 1999). A superexposição dessas batalhas, que ocorre inclusive nos púlpitos das Igrejas, coloca em destaque os cultos afro-brasileiros e espíritas, que são identificados com o Diabo.

Para Siepierski (2003), existe uma dificuldade em se chamar essa terceira onda de neopentecostalismo, pois as ênfases na “guerra espiritual”, na “teologia da prosperidade” e na “eliminação dos sinais externos de santidade” distanciam as igrejas chamadas neopentecostais das práticas de fé e teológicas que marcaram o

37 O neopentecostalismo continua a se expandir no Brasil e a ter aspectos de sua base de ação copiados por outras denominações e/ou igrejas do campo pentecostal como a Teologia da Prosperidade, a luta contra o diabo, chamada de Guerra espiritual, a liberação e usos e costumes e a estruturação organizacional empresarial na gestão dos bens de salvação (MARIANO, 1999, p. 36).

pentecostalismo da primeira e segunda onda. De acordo com Siepierski, as crenças das comunidades de fé, como Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus e outras, concentram-se nas coisas terrenas, nas necessidades do dia a dia, afastando a expectativa da volta iminente de Cristo e buscando bens materiais, conforto, riquezas, prosperidade individual. A política também aparece na lista de interesses dessas Igrejas.

Para Siepierski, essa terceira onda se afasta tanto da primeira quanto da segunda onda (que se diferenciavam apenas na ênfase que davam a um ou outro dom espiritual) e deveria ser chamada de pós-pentecostal. Ele afirma que:

O pós-pentecostalismo é um afastamento do pentecostalismo (uma ruptura e não uma continuidade) tendo como cerne a teologia da prosperidade e o conceito de guerra espiritual. [...] Os traços característicos incluem uma mistura deliberada de religiosidade popular, a utilização autoconsciente de estilos e convenções anteriores, a construção de estruturas comerciais, o abandono dos sinais externos de santidade e, frequentemente, a incorporação de imagens relacionadas com o consumismo e a comunicação de massa da sociedade pós-industrial do final do século XX. Seu objetivo declarado é estabelecer uma nova cristandade por meio da atividade política (SIEPIERSKI, 2003, p. 79).

Para Mariano (1999), no neopentecostalismo surge a luta contra o diabo, que envolve até uma ideia de “recristianização da sociedade pelo ‘alto’, quer dizer, pela via político-partidária e pela mídia eletrônica”, aparece uma doutrina que difunde a ideia de que o sofrimento não está na vontade de Deus, que quer que os homens sejam prósperos, saudáveis e ricos. É uma doutrina que rompe com a “ideia da busca da salvação pelo ascetismo de rejeição do mundo”. A ideia Pentecostal de primeira onda era de rejeitar o mundo; no neopentecostalismo da terceira onda, o mundo é afirmado. No centro dessa doutrina está a ideia de que se o crente for fiel no pagamento do dízimo, doação de dez por cento de tudo o que ganha para a Igreja, Deus o fará rico, saudável e pleno de satisfação “neste mundo” (MARIANO; MOREIRA, 2015, p. 49,50).

Mariano destaca na terceira onda neopentecostal o papel do movimento gospel, que “faz dos ritmos profanos da moda poderosos instrumentos de evangelização de jovens” (MARIANO, 1999, p. 45). É uma acomodação à sociedade inclusiva e de consumo apontando para uma igreja menos sectária em relação aos padrões do mundo (vestuário, uso de cosméticos pelas mulheres, frequência a

cinemas e clubes, compra de TV e de outras tecnologias). Estruturadas de forma empresarial, usando técnicas de marketing e com metas de caixa e de “filiais” a serem abertas pelo país afora. Os neopentecostais não estão sozinhos no mundo pentecostal e se afirmam como modelo para igrejas pentecostais de outras ondas.

No trabalho de Campos (1997), dois eixos de análise da igreja neopentecostal Universal do Reino de Deus (IURD) são seguidos com sucesso. O primeiro é aquele que transforma o velho sagrado (do protestantismo histórico e do catolicismo) de uma promessa de futuro, de paraíso extraterreno, para um reino aqui e agora (hic et nunc); o segundo eixo de análise aponta para a substituição do conceito de “mercantilização do sagrado”, por um “marketing do sagrado”. Dito de outra forma, a IURD faz com sucesso a prospecção daqueles símbolos de salvação requeridos pelos possíveis fiéis para depois colocá-los à disposição pelos sacerdotes da instituição. É a inversão do vetor “sacerdote-consumidor”, por um outro “consumidor-sacerdote” (CAMPOS, 1997, p. 10-12).

Todas essas explanações e tipologias não são para construir “jaulas de ferro” das classificações e das expressões pentecostais na realidade religiosa brasileira. Em relação a essa questão, Mariano (1999) já salientara que “entre as igrejas neopentecostais não existe homogeneidade teológica", essa unidade não existe nem dentro do grupo dos chamados “evangélicos”. Naso (2015) também chama a atenção para a “porosidade das fronteiras teológicas e rituais” do pentecostalismo, bem como da “ausência de formas obrigatórias que caracterizam alguns de seus componentes”. Aliás, Naso (2015) aponta esses fatores como alguns dos elementos responsáveis pelo crescimento do pentecostalismo na América Latina.

Quando aplicamos esses dados e características do pentecostalismo à Church

in Connection, notamos que ela aparenta não “surfar” em ondas que já passaram. Ela

não faz uso, como no pentecostalismo de “primeira onda”, do dom de línguas (Glossolalia) e de profecias, como fator de atração dos fiéis (aliás, nunca foi observado o uso de tais dons na igreja nos principais cultos de domingo à noite e de sábado). A

Church também não faz, como no pentecostalismo de “segunda onda”, campanhas

de “cura divina”, e nem tem na sua teologia a cura divina como princípio teológico, ao contrário, nas observações para a pesquisa já se observou inúmeras pregações e ritos

que envolviam a necessidade de os fiéis suportarem os próprios sofrimentos e “esperarem pelo Céu”, um “mundo” que ainda está por vir.

O enquadramento do pentecostalismo ou neopentecostalismo como uma “terceira onda” do pentecostalismo é muita difusa. Consequentemente, é impossível não encontrar algumas características que são afins ao modus operandi da Church in

Connection. Contudo, a Church não propugna um tipo de “recristianização pelo alto”,

ou seja, participação e mudança do mundo pela via política, sequer lança ou apoia candidatos a eleições. Mas é preciso salientar que a Church tem programas de participação social no que tange a serviços variados: entrega de brinquedos para crianças em datas especiais, auxílio de idosos e de organizações não governamentais, participação em eventos de mobilização para o auxílio em comunidades que sofreram algum tipo de problema (como no caso da comunidade de Mariana em MG, que precisou de água potável depois de um acidente ambiental). Estas iniciativas são acompanhadas da teoria/teologia de que os fiéis, de acordo com o pastor Thiago, precisam juntamente com a igreja desenvolver uma forma de participação social e política própria.

A Church também não ensina que o sofrimento é uma aberração ou castigo de Deus, nem mesmo obra do diabo (ao contrário, foram muitas as pregações e ensinos bíblicos que sustentavam que “o sofrimento era motivo de alegria porque Deus estaria com isso aperfeiçoando os fiéis da igreja”, cf. Anexo 2, T2, p. 2). Isso não implica na descrença em milagres. Na Church, pelo menos nas prédicas, Deus pode operar milagres como arrumar emprego para quem se acha desempregado, ou melhorar de emprego para quem já está colocado no mercado de trabalho, ajuntar em casamentos pessoas que estão solteiras etc. (cf. Anexo 5).

Quanto ao uso do atual sistema multimídia (Informacional, em Rede e Global) não pode ser anotada como uma característica exclusiva dos neopentecostais, mas sim, de qualquer grupo, organização ou instituição que está inserida no sistema de produção típico do século XXI. E mais, de qualquer instituição que queira se colocar de forma competitiva nos diversos mercados, agora mercados interligados. Quanto a buscar satisfação no “aqui e agora”, uma diferença da Church in Connection com os neopentecostais é que os seus espetáculos são consumidos no ato da produção. Não

é um produto do tipo “saúde a se recuperar”, ou “riquezas a serem conquistadas”. Embora possa ocorrer promessas de bênçãos, o culto é a coisa em si.

Uma última observação que fazemos é que na Church ocorre o “sagrado marketing” e não o “marketing do sagrado”. O marketing foi alçado a uma altura tal que lhe é possível “criar tradições” e estabelecer motivações nas pessoas através das engrenagens imagéticas e dos recursos mobilizados para encantar o espectador/consumidor. Retomaremos a importância e independência do marketing, bem como o seu poder de produzir os símbolos sagrados, no capítulo posterior.

Percebe-se uma onda religiosa que copia estilos de vida “modernos”, globais, nesse caso dos jovens norte-americanos (mas não num sentido único, existem adaptações e acomodações à realidade local), e também a cópia de movimentos estéticos praticados por organizações religiosas norte-americanas como a Church By

the Glades, com muito louvor (grande parte dos cultos é dedicada a essa atividade) e

adoração a Deus, tudo movido com muita ação e emoção como visto nas imagens abaixo de cultos na Church By the Glades.

Figura 11 – Momentos do culto na Igreja Church By the Glades

Fonte: Cbglades38

38 Imagens retiradas do site Church by the glades.com. Disponível em:<http://cbglades.com/connect>. Acesso em: 25 dez. 2016.

Segundo Mariano (1999), muitos autores39, estudiosos do pentecostalismo,

concordam que as três vertentes apresentam: antiecumenismo, líderes fortes, uso de meios de comunicação de massa, estímulo à expressividade emocional e pregação da cura divina” (MARIANO, 1999, p. 36).

A crescente visibilidade do Pentecostalismo ressalta a crise das igrejas tradicionais e as obriga a confrontar-se. No entanto, enquanto as igrejas históricas parecem sofrer com o crescente pluralismo, as novas igrejas, graças à flexibilidade, à ênfase na experiência, ao uso dos meios de comunicação e ao seu tipo de organização, levam vantagem. Elas estão pouco interessadas no diálogo ecumênico, exaltam a busca pelo sucesso e a competição, oferecendo aos seus fiéis um modelo funcional às dinâmicas da economia (TROMBETTA, 2014, p. 21).

A observação de Trombetta (2014) nos parece acertada porque a Church trabalha exatamente na brecha deixada por muitas igrejas pentecostais que continuam rígidas em relação a usos e costumes e também inadequadas ao padrão cultural imposto pelo sistema multimídia. É acertada também a constatação de que uma igreja em harmonia com as “dinâmicas da economia” tem mais chances de sucesso. A Church incorpora a modalidade atual de “ensino a distância”, aforisticamente desenvolvido quando pelas breves mensagens abastece seus fiéis do conteúdo religioso e propagandístico, via smartphones. A ênfase na experiência, que ocorre e é encorajada pela igreja, é um padrão que tem mais relações com a sociedade e a economia atual (sociedade do pluralismo) do que com um movimento religioso em específico. Voltaremos a essa questão quando tratarmos sobre a convergência entre mídia e religião.

2.5. CHURCH IN CONNECTION: EMPRESA LIBERAL PROCURANDO SEU

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