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2.4 O ENSINO DE CIÊNCIAS E O DOMÍNIO DA LINGUAGEM CIENTÍFICA

2.4.1 A Ciência e a Arte no Ensino de Ciências

Apesar de muitos estudantes já terem experimentado uma leitura visual antes mesmo de entrar na escola, não quer dizer que atingiram a comunicação entre si e o artista. Usufruir de experiências visuais é um fato, mas apenas usufruir de experiência visual não quer dizer que haja compreensão no que está lendo ou que já tenha uma destreza crítico-reflexiva:

[...] embora os meios de comunicação apresentem uma falsa ideia de participação e de comunicação e de que é “naturalmente fácil” ler uma imagem, a leitura realizada por um aluno com conhecimento precário dos códigos de construção da imagem é de caráter mais emotivo que cognitivo. Aliás, a sensibilidade estética não é um atributo inato ao sujeito, nem o senso estético é uma qualidade natural ao objeto, consequentemente, a formação dos sentidos humanos se configura como uma das principais tarefas da escola, sobretudo, no âmbito do ensino de artes. [...] a grande maioria não consegue compreender e interpretar os significados das imagens para além do que se apresenta de imediato. [...] a leitura de uma imagem, enquanto prática humana, requer um campo de conhecimentos interdisciplinares, tanto históricos e antropológicos quanto estéticos, que consubstanciem a aprendizagem de estratégias de interpretação das imagens (SCHLICHTA, 2006, p. 359).

Diante desses apontamentos, faz-se necessário ensinar o estudante a ter propriedade dos códigos visuais por meio da sensibilização, associação e convivência com obras de arte. O uso de obra na forma de pinturas em tela, por exemplo, seja a partir de quadros ou da representação por meio de fotografias ou imagens em livros didáticos, como recurso didático nas aulas de Ciências, constitui uma das formas de reconstruir o ensino fragmentado, em que muitas vezes o estudante não constrói todo o conhecimento exposto, permitindo uma abordagem interdisciplinar, o que contribui para o ensino e a aprendizagem.

A Arte representa a realidade, uma realidade hermética e heterogênea, concebida por meio das distintas esferas que a constitui; realidade essa vista pelo artista inserido em um período e espaço concreto; em uma realidade social, um contexto vivo, em que o artista retrata o real mediante a sua sensibilidade e das situações que o seu tempo histórico determina. (FOERSTE, 2004).

Associar Arte e Ciência nas aulas de Ciências, na construção de saberes, é o mesmo que relacionar sensibilidade e objetividade, emoção e razão, percepção, racionalidade e idealização. Logo a Arte e a Ciência, excedem-se fragmentações e rupturas, e passam a se entender, ou seja, a ligação do mundo e as ligações do homem mutuamente e com a natureza.

A divisão entre Arte e Ciência é um fato recente na história. A partir da filosofia na Grécia, século VI a.C., quando o ocidente passou a diferenciar a razão do misticismo, até o século XIX, com o surgimento do positivismo, os conhecimentos científicos e artísticos estiveram profundamente ligados. O período de desligamento, de cerca de 200 anos, pode estar terminando. Ciência, Arte, Tecnologia e Filosofia, isto é, raciocínio lógico, criatividade, desenvolvimento de técnicas e condições de reflexão e abstração fazem mais sentido interligados e são cada vez mais indispensáveis em um mundo cada vez mais complexo (SILVEIRA, 2018).

Essa proximidade entre Arte e Ciência pode ser delineada de diferentes maneiras no desenrolar da história. Houve momentos de proximidades entre a Arte e a Ciência, outros de distanciamento, mas sem suas relações serem destruídas. Jorge (2007, n.p.) ressalta que há “importante elo nas relações entre Arte e Ciência: a Arte pode sensibilizar a percepção, via expansão de nossos sentidos, de nossos olhares, e nos facilitar o encontro de novas ideias e soluções”. Uma não é superior à outra, as duas promovem uso da mente e das mãos. Assim como a Ciência, o artista “tem uma sensibilidade apurada para a percepção dos problemas da sociedade e comumente sintetizam e antecipam questões cruciais”.

Exemplo dessa relação, de acordo com Strosberg (1999, p. 232), é “[...] o modo como a Ciência transformou o laço fundamental que une o artista à sua Arte, o pintor à sua mão e olho e o músico ao seu ouvido. O mesmo acontece na comunicação entre o artista e o seu público”. Uma das consequências dos princípios complementares ressaltada por Schrödinger (1997) é referente ao campo racional e o emocional, considerando que o conhecimento científico seja racional. De acordo com esse autor “[...] ‘o mundo da Ciência’ tornou-se tão horrivelmente objetivo que não deixou espaço para a mente e suas sensações imediatas” (SCHRÖDINGER, 1997, p. 119).

Caso esse espaço na mente seja trabalhado, o valor epistemológico da interdisciplinaridade e da contextualização, possibilitando articular a Arte e a Ciência, juntas, não só desenvolvam e ampliem a compreensão dos fatos, seguimentos e fenômenos naturais e sociais, como, especialmente, a aquisição do olhar especulativo, ou seja, o olhar observador, sensível do sujeito sobre si e sobre o meio em que está inserido. Assim, espera-se que o sujeito seja capaz de entender muitas questões da sua história, da sua cultura, dos fatos do seu cotidiano e do futuro, bem como da natureza e suas mudanças.

Diante desses significados, das emoções, dos conceitos explícitos num contexto peculiar, a arte pode ser mais uma aliada para intermediar a conexão que há entre a Ciência, o Ensino de Ciências e a prática social, pois, por intermédio da arte, o sujeito pode se socializar, instruir-se, desenvolver-se e aperfeiçoar suas habilidades. Para alcançar essa expectativa, é importante a educação contemporânea rever as competências para o desenvolvimento do estudante, e valorizar o ensino aprendizagem por intermédio das emoções e da afetividade, como afirmam Sant’Ana, Cebulski e Loos (2013, p. 53):

[...] ao incrementar conexões com os aspectos afetivos e emocionais da condição humana, a qual, por sua vez, reveste-se externamente (realidade concreta) da instrumentalização cognitiva. Defende-se, desta feita, o uso mais apropriado da Arte na Educação, o que exige das formas atuais de ensino uma revisão tanto em nível de convergência da Arte com outras disciplinas - a interdisciplinaridade, o que a eleva aos meandros do desenvolvimento cognitivo do educando - quanto na dimensão de provocadora de expansão da sensibilidade - por exemplo, com a instituição de exercícios catárticos, ou seja, com a promoção da prática artística, a qual comporta igualmente o ensaio do exercício humano de existir, logo promovendo a ética e a afetividade num sentido mais amplo: com toda a realidade das coisas, não somente humana. Nessa prática artística sugerida como instrumento de ensino e de desenvolvimento humano.

Para promover uma aprendizagem significativa, que envolva o estudante por completo, é importante que os aspectos cognitivos e afetivos estejam interligados, uma vez que as

emoções são indispensáveis para uma melhor compreensão do mundo, como destaca Cebulski (2014, p. 76):

Independentemente de a sociedade atual se basear na racionalidade, o fator de aferição de como as coisas realmente nos afetam sobrevém das emoções. E a interação entre a cognição e a afetividade é que, ao fim, dá a base real do que se vivencia.

Acredita-se que a construção do conhecimento está fortemente ligada à afetividade abarcada em um determinado contexto onde há algo a ser compreendido.

Repensar o ensino tradicional e como a escola transpõe o conhecimento é essencial para uma mudança de paradigma, uma vez que a Ciência está vigente em tudo e a Arte é fruto do trabalho, da atividade humana, e nesse elo de mediação estão: “o artista e sua obra, o professor, o educador do espaço expositivo e os alunos, assim como outros sujeitos que atravessam a relação arte/receptor.” (LEITE, 2015, p. 891).

Considera-se que, ao transpor um conhecimento por meio do estímulo das emoções, o professor seja capaz de proporcionar aos estudantes um experimento possível de reflexão sobre a realidade e sobre a função que exerce na construção do conhecimento científico, tornando o aprendizado em Ciências mais significativo.

Concorda-se com Jorge (2007, n.p.) quando diz que “tanto artistas como cientistas nos ajudam a notar e a apreciar as coisas da natureza que aprendemos a ignorar, ou que nunca nos ensinaram a ver. Tanto a Arte como a Ciência são necessárias para o completo entendimento da natureza e de seus efeitos nas pessoas”.

2.5 ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA E A FORMAÇÃO DO LEITOR CRÍTICO E