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Ciclo do Café: época dos áureos tempos de Valença

No documento camilacarvalhogomesdasilva (páginas 32-35)

Capítulo 1 – A identidade na contemporaneidade

1.7 Ciclo do Café: época dos áureos tempos de Valença

Ao examinar as obras cânone da história de Valença, a ideia que percebemos emergir com maior pujança é o atrelamento da identidade valenciana aos tempos idos do auge da produção cafeeira. É como se a cidade tivesse parado no tempo. Podemos perceber claramente que, do passado e do presente, a mais forte marca identitária é a Valença cafeeira. Ousamos até dizer que este constitui-se o “mito fundador” do município.

Prova cabal da predominância e da exacerbação da importância destes tempos no processo de construção da identidade valenciana é o espaço dado ao tema nas obras literárias de origem local. Enquanto na publicação “Valença de Ontem e Hoje - 1789-1952”, há 36 páginas sobre a era do café (IÓRIO, 1953, p.167-202), apenas sete páginas discorrem sobre a era industrial (IÓRIO, 1953, p.205-212). Além disso, ao longo das obras consultadas, mesmo onde o foco principal não é o período cafeeiro, comenta-se muito mais sobre esta época do que sobre as outras.

A própria escolha das citações presentes nas obras denota a importância dada ao ciclo do café nestas terras:

Provaram as terras de Valença, em altitudes próximas ao optimum para o café, serem altamente produtivas. E com o crescente fluxo comercial entre o Rio de Janeiro e os sertões de Minas, através da zona municipal, em breve a sua evolução acelerar-se-ia. Com sucessivas e intensificadas plantações, deixa de ser a primitiva estrada um corredor aberto em mata-virgem, onde espaçadamente se dilatavam as principais derrubadas. Ao longo dela, numerosos colonos tenazmente atacam a floresta. Filas, e a seguir exércitos de pé de café sobem pelos morros, avançam por todos os quadrantes do novo município. Doravante a sua importância vai crescer durante o Império. Portuguêses, fluminenses, mineiros sobretudo afluem para Valença,

disputam suas magníficas terras para café, conquistam apressadamente as suas selvagens matarias (...) ( LAMEGO apud IÓRIO, 1953, p. 61).

A todo momento os autores colocam Valença como uma região de grande prestígio durante o século XIX, auge da produção cafeeira até que fosse assinada a Lei Áurea em 1888. Referindo-se aos tempos de 1850, Tjader comenta que Valença e as localidades próximas viviam do plantio de subsistência, pecuária e um pequeno comércio. De acordo com o autor, “ao lado destes pequenos produtores, havia um grande número de fazendas enormes, que cuidavam da riqueza maior, que era o café (...). Em meados do século XIX, já Valença representava um dos pilares da economia da Província do Rio de Janeiro” (TJADER, 2003, p.29). E, enaltecendo ainda mais este período, diz:

(...) com o advento do café, cujas sementes foram distribuídas em larga escala pelo então Príncipe Regente, depois Rei D. João VI, e graças à exuberância do seu solo, Valença lançou-se a produção desta rubiácea, vindo a se tornar o maior produtor da região sul da velha Província. Aqui vale lembrar que o Visconde do Rio Preto (...) foi um dos maiores produtores individuais de café de todo o Brasil. Foram, sem sombra de dúvida, os imensos cafezais os verdadeiros responsáveis pela opulência das plagas valencianas. Valença foi, na gloriosa era imperial, uma cidade prestigiada na província fluminense, haja vista o número acentuado de titulares agraciados pelo Imperador. Em terras valencianas viveram inúmeros barões, viscondes, condes, marqueses e até mesmo um duque (...) (TJADER, 2003, p.38).

Surge ainda, atrelada à glorificação da era do café, um forte sentimento saudosista, é o “banzo imperial”12 de que nos fala o historiador Alexandre Fonseca, possível de ser identificado no texto de Iório sobre a Rua dos Mineiros, “artéria principal da cidade”,

Rua dos Mineiros! Reflexo vivo da antiga Valença sonhadora. Ei-la, na sua tradição histórica, revivendo uma época, um passado, que é a sua própria vida. (...) Rua dos Mineiros! Quem não lhe quer bem? Sedutora na política de outras épocas, nas futilidades mundanas, nos “flirts”, nas intrigas e nos mexericos de todos os tempos, ei-la agasalhando carinhosamente um passado, que nela é a própria alma da cidade. Lutas e conquistas, empreendimentos e ideais foram alí as vozes de épocas memoráveis. Rua dos mineiros de ontem e de hoje! (IÓRIO, 1953, p. 113).

Seguindo a mesma linha de pensamento, podemos expor outro trecho, este de autoria de Rogério Tjader:

12 O termo “banzo imperial” é uma releitura feita pelo historiador valenciano Alexandre Fonseca. Na verdade, a expressão

original é do historiador Ricardo Salles que escreveu o livro "Nostalgia Imperial". Na introdução, Salles se serve de uma passagem de "Raízes do Brasil", de Sérgio Buarque de Hollanda, para explicar seu conceito: as matrizes da identidade nacional e do imaginário político e cultural brasileiros estão enraizadas na sociedade escravista do Segundo Reinado. Salles sustenta que nem mesmo a abolição e a cultura política republicana conseguiram apagar da nossa identidade as marcas daquelas matrizes imperiais (Informações obtidas em entrevista com o historiador Alexandre Fonseca, realizada via rede social em 06/08/2013). Vale observar que, através da nossa pesquisa sobre a formação identitária valenciana, podemos dizer que o pensamento de Salles, apesar de se referir à formação da identidade brasileira, serve também para o caso de Valença.

Quando se revive estas épocas longínquas, uma suave e saudosa recordação povoa as mentes. Ao se fechar os olhos, parece ainda ouvir-se ao longe, o som de um velho piano. Em Valença, raras eram as casas de famílias de boas posses que não ostentassem um instrumento desses. As valsinhas, os chorinhos bem como as polcas eram melodias populares muito apreciadas por todos (TJADER, 2003, p.40). O saudosismo encontra-se tão entranhado nestas publicações que até mesmo em suas contracapas e “orelhas” tal sentimento é facilmente notado. É o que ocorre no último parágrafo da obra “Visconde do Rio Preto, o esplendor de Valença”, quando a narrativa adverte que “o presente livro merece ser lido por todos quantos amam Valença, sua História e

seu passado glorioso” [grifos meus] (TJADER, 2004).

Por fim, cumpre apresentar também o enaltecimento ao regime Monarquista e às suas figuras mais importantes, que se mostram aliados ao discurso de engrandecimento dos “áureos tempos do café”. Tal fato pode ser notado nas narrativas realizadas sobre as figuras da realeza, quando, por exemplo, ao referir-se a D. João VI, Tjader (2004, p.88) destaca a “sagacidade” deste. Ou ainda, quando o autor declara que “D. João VI foi, sem sombra de dúvidas, um gênio político ainda não muito bem compreendido por alguns historiadores” (TJADER, 2004, p. 75).

O discurso monarquista se faz presente ao longo de todas as obras consultadas, em graus de intensidade diversos. Há aqueles autores que se apresentam, indiscutivelmente, monarquistas. É o caso do historiador Tjader. Todavia, há também aqueles que preferem divulgar suas ideias nas entrelinhas, de maneira sutil, como é inteligível em citação do poeta Manoel Quintão sobre a Proclamação da República, utilizada por Iório,

Dos bailes, colhe aqui citar um só, por episódio de maior evento nacional. No dia 15 de novembro de 1889, ninguém ouviu o apito da locomotiva (...). Sem notícias da côrte, avultavam boatos e conjecturas, em face da exaltação política dos últimos tempos. Não me ocorre, porém, (...) em consequência da Abolição, alguém aventasse a hipótese da mudança do regime político, qual se deu (...). No dia 16, pela manhã (...) anunciavam revolução, mas não determinavam a extensão nem o caráter do movimento. Afinal, quando chegou o trem com a notícia de que a República fôra proclamada, a estupefação foi maior que a alegria. (...) Zé Meirinho, prêto de qualidade que fizera a guerra do Paraguai e vira o Imperador em Uruguaiana, –– Zé Meirinho que era, de cotio, um riso aberto, fechara a carranca(...). A seguir, foi o baile oficial (...). Lanternas chinesas, escudos e galhardetes, profusão de luzes, palmas e flores. Bebidas, também (...). Enfim, um baile de arromba, como se dizia então (...) (IÓRIO, 1953, p. 274).

Até mesmo o carinhoso apelido pelo qual Valença é conhecida, a “Princesinha da Serra”, está diretamente vinculado às ideias de valorização dos tempos do Império no Brasil e

de seus nobres. Relata-se que, em ocasião da inauguração da Estrada de Ferro União Valenciana, na manhã de 18 de maio de 1871, “em meio a uma festa jamais vista na cidade e que contou com a ilustre e honrosa presença de Sua Majestade, o Imperador D. Pedro II”, ao descer do trem, exclamou: - “Esta é, realmente, a Princesa das Serras Fluminenses” (TJADER, 2003, p. 37).

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