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Caminhadas diferentes na construção da identidade nacional A partir dos anos de 1930 se inseriram novos atores na luta pela defesa dos valores e

Artigo 10: O cidadão cubano tem direito:

a) A residir em sua Pátria sem que seja objeto de discriminação alguma nem extorsão, não importa qual é a sua raça, classe, opiniões políticas ou crenças religiosas;

b) A votar segundo disponha a lei nas eleições e nos referendos que se convoquem na República;

c) A receber os benefícios de assistência social e de cooperação pública, acreditando previamente no primeiro caso a sua condição de pobre;

d) A desempenhar funções e cargos públicos;

e) Á preferência que no trabalho disponha a Constituição e a lei.

Artigo 20: “Todos os cubanos são iguais ante a lei. A República não

reconhece foros nem privilégios. Se declara ilegal e punível toda discriminação por motivo de sexo, raça, cor ou classe, e qualquer outra lesiva à dignidade humana. A lei estabelecerá sanções para os infratores deste preceito (CONSTITUIÇÃO…, 1940, disponível em

<http://www.cervantesvirtual.com>).69

Contudo, aconteceu em Cuba, como declarou o advogado Julio A. Contreras70, em entrevista ao historiador Julio Cesar Guanche, um retrocesso posteriormente:

A política cubana foi parcialmente sanada na Constituição de 1940, mas depois do golpe de Estado de 10 de março de 1952, com Batista no poder, apodreceu de novo. A marcha foi em retrocesso, aconteceu de tudo, até o assassinato de pessoas. A constituição de 40 ficou no programa, é verdade que se cumpriram muitos acordos que sem dúvida constituíram um avanço, ainda que enfrentassem muitas dificuldades para ser cumpridos. (2004, p.95)

O TEN promoveu e apoiou: a 1º Conferencia Nacional do Negro onde se aprovara o temário para o 1º Congresso do Negro Brasileiro, em 1949. Evento que se assemelhou às Convenções cubanas organizadas pela Federação Nacional de Sociedades Cubanas. O TEN promoveu ademais a criação do Instituto Nacional do Negro, no mesmo ano de 1949, como já foi analisado; a celebração do 1º Congresso do Negro Brasileiro, o Museu do Negro e o Conselho Nacional de Mulheres Negras, os três no ano de 1950, ano de muitas atividades sócio-culturais e de luta política do TEN.

Todas as atividades foram divulgadas no Quilombo, o jornal dirigido por Abdias Nascimento, que melhor retratou o ambiente político-cultural de mobilização anti-racista brasileira. Nele, – como mostramos71 – se destacaram os trabalhos sobre a problemática racial. O jornal, nos dez números editados se converteu num foro de discussão permanente de diversos tópicos. Merece destaque a problemática religiosa afro-brasileira que incluía artigos       

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Outros artigos que tocaram as questões discriminatórias foram: 73 e 74. Estes dois últimos foram dedicados à igualdade de oportunidades nos postos de trabalhos.

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Também professor de História do Estado e de Direito da Faculdade de Direito de Universidade de Havana.

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assinados, por grandes estudiosos do tema que como destaquei, participaram nos dois congressos sobre religiões Afro-Brasileiras realizados em 1934 e 1937 em Pernambuco e na Bahia, respectivamente, principalmente Edison Carneiro, Arthur Ramos e Gilberto Freyre.

De Edison Carneiro especificamente destacaremos seus artigos sobre a liberdade de culto, publicados no jornal Quilombo, nos quais mostrou seu compromisso político para com a população afro-brasileira em matéria de escolha religiosa, no que diz respeito à violação dos direitos constitucionais, por intermédio da violência que exercia a polícia para fazer cumprir a ordem moral dos bons costumes cristão. Sobre a questão assinalou que:

O candomblé da Bahia à despeito de sua fama internacional, do respeito que merece de homens de consideração, ainda paga um selo policial para realizar as suas festas de culto [...] As macumbas do Rio, os parás de Pôrto Alegre, os xangô de Maceió e do Recife, a pagélança e o catimbó, o tambor-de-mina, as sessões espiritistas, - todas as instituições religiosas (ou aparentemente religiosas como a Maçonaria) existentes no pais já sofreram, ora mais, ora menos, por este ou por aquêle motivo, limitação na sua liberdade de culto – senão suspenssão de sua liberdade primária, elementar, um colorário lógico de ascensão da burguesia. Que fazer, diante da intromissão policial, senão resistir, pacificamente, mas com firmeza, em defesa deste direito? (Quilombo, janeiro de 1950, n.5. p.7)

O certo é que depois do II Congresso Afro-Brasileiro celebrado na Bahia, a vida nos candomblés como organizações religiosas mudaram e do Candomblé como expressão religiosa adquiriu novo sentido, sobretudo vinculado ao viés antropológico das pesquisas e ao tratamento cada vez mais respeitoso com que se aproximaram os pesquisadores tanto nacionais quanto estrangeiros dos pais e mães-de-santo. Aspecto organizativo ao nível das casas-templos nunca se logrou em Cuba até 1992, quando houve a criação da Asociación

Yoruba de Cuba, que primeiro foi uma instituição de status cultural e que só recentemente, na

década de 2000, foi reconhecida como instituição religiosa. Aspecto que analisaremos mais adiante. Porém, continuaram as perseguições e batidas policiais aos terreiros.

Precisamente na década de 1930 foi organizado em Cuba o Movimiento Negrista, que desenvolveu suas atividades principalmente entre intelectuais72. Carmen Montejo (2004) o caracterizou como um ‘movimento de afirmação’, porque valorizava as raízes africanas na cultura cubana, no contexto da identidade nacional e latino-americana. Justificando a razão de ser do Movimento ela argumentou:

      

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Podem ser citados, entre outros de seus integrantes, Alejo Carpentier (escritor), José Luciano Franco (periodista, historiador e cronista), Regino Pedroso (poeta), Rómulo Lachatañeré (doutor em farmácia e escritor), Nicolás Guillén (poeta) e Fernando Ortiz (advogado e sociólogo).

Tinha que ser rompida a ideologia da cor, que era uma realidade social, que influenciava de maneira determinante na sociedade, e que, nos momentos de graves crises sociais, adentrava-se no percurso da nossa história nacional, modificando, pelo seu intermédio, o ritmo das lutas de classes, tanto na cena ideológica quanto política, já que servia para ocultar ou frear a luta... (MONTEJO, 2004, p.213)

A autora está se referindo à luta pela inserção de negros e mestiços na sociedade cubana. Segmento social que junto com outras porções minoritárias da população engrossaram a base da pirâmide social cubana visada na estratificação social, deixando de constituir minorias para se converter em um grande exército de sujeitos subempregados e desocupados. A luta se desencadeava, aliás, não só pelos conflitos socioeconômicos próprios dos enfrentamentos de classes, incluía também o reconhecimento de ter direito aos Direitos, que condicionava aquele setor populacional à subalternidade, em todos os âmbitos da vida. Ausência e dificuldades que geravam entre esses setores desfavorecidos diversas formas de solidariedade humana e cultural.

O Movimento Negrista cubano tentou resgatar a memória ancestral que mantinham vivas as tradições culturais africanas nesses setores desfavorecidos como parte do imaginário social e cultural. Partimos do fato de que o imaginário social é o componente mais importante na formação de um discurso nacional como elemento integrador da cultura, que se fundamenta na consolidação e reprodução de suas produções de sentido, isto é, nas estratégias de identificação. Em tal sentido consideramos que um dos objetivos mais nobres do

Movimento Negrista foi tentar consolidar, na época, um discurso integracionista de inclusão e

reconhecimento cultural, voltado a ressaltar o que a elite racista queria ocultar as raízes negras da cultura nacional.

A partir desta perspectiva normas, valores e linguagem não são somente ferramentas de enfrentamentos às coisas, mas também instrumentos para fazer coisas, em particular indivíduos: se alude assim à construção que molda os indivíduos (produção de subjetividades) em uma sociedade, a partir da matéria prima humana, isto é: aos homens e às mulheres que conformam as instituições como mecanismos de perpetuidade. (FERNANDEZ, 1995, p.9)

Por isso, o Movimento Negrista – com seu labor de pesquisa em vários frentes da cultura negra cubana e através da divulgação de seus estudos na imprensa, em publicações de livros, em revistas especializadas, como a Estudos Afrocubanos, dirigida por Fernando

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Ortiz73, em palestras que seus membros ministravam em diferentes clubes sociais de negros ou mulatos e em instituições científico-sociais – tentou ressaltar os diversos elementos culturais africanos que constituíram a nacionalidade cubana. O Movimento quis evitar estereótipos ou desqualificações culturais e religiosas no comportamento de negros e mulatos, ainda que alguns de seus membros não tivessem suficiente clareza política sobre a problemática racial em Cuba.

Em Cuba podem ser mencionados vários exemplos de esforço de integração dos elementos culturais negros à cultura nacional, como a poesia mulata de Nicolás Guillén, ou a novela Ekué Yambá-Ó de Alejo Carpentier, na perspectiva literária, e também as obras de Fernando Ortiz, Lídia Cabrera e Rómulo Lachateñeré, considerados os mestres dos estudos etnológicos cubanos.

Ekué Yambá-Ó é uma novela afro-cubana que foi publicada pela primeira vez em 1933 na Espanha. Ainda que seu autor a considerasse uma obra novata, pitoresca e superficial, o mérito da obra esta em seu realismo em forma de crítica social, mostrando os caminhos tortuosos, a cotidianidade e as ‘escolhas’ de homens e mulheres simples, que tiveram que enfrentar as penúrias da vida entre o imprevisto e o mundo religioso afro-cubano. Sobre as personagens centrais da trama Carpentier escreveu no prólogo à edição de 1977:

Conheci muito bem a Menegildo Cué, foi meu companheiro em brincadeiras de crianças. O velho Luis, Usebio e Salomé – e também Longina, que nem troquei o seu nome na novela- me receberam, eu, menino branco, que o pai, para escândalo das famílias amigas, “deixava brincar com negritos”, no requinte pudor de sua mísera tapera onde a precária alimentação, doenças e carências se padeciam com dignidade, se falando disso e daquilo numa linguagem sentenciosa e gnômica. Acreditei conhecer minhas personagens, mas com o tempo vi que, ao observá-los superficialmente, desde fora, tinham-se obscurecido na profundeza da alma, na dor amordaçada, em recônditas pulsações de rebeldia: em crenças e práticas ancestrais, que significavam na realidade, uma resistência contra o poder dissolvente de fatores externos... Ademais... O meu estilo daqueles dias!(CARPENTIER, 1977, p.11 e 12)

A novela demonstra a sensibilidade do autor ante a realidade cubana, principalmente

dos negros cubanos que viveram em disputa constante com os negros das ilhas vizinhas, especialmente com haitianos e jamaicanos, que entraram em Cuba como mão-de-obra barata nas usinas açucareiras, como foi analisado, no segundo capítulo.

      

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Segundo Palmié, Ortiz nunca publicou um relato semelhante, embora continuasse a advogar a erradicação científica da “bruxaria africana”, até a segunda edição de seu livro Os Negros Bruxos, em 1916.