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A construção da ideia de cidadania passou por diversas modificações nos últimos séculos, sendo as- sim, é um conceito que não é estanque e está relacio- nado aos diversos contextos onde ele é discutido. Na visão de Cortina (2005), “a cidadania é um conceito mediador porque integra exigências de justiça e, ao mesmo tempo, faz referência aos que são membros da comunidade, une a racionalidade da justiça com o calor do sentimento de pertença” (CORTINA, 2005,

p. 27-28). A autora nos mostra assim que o conceito de cidadania é amplo e que está além da concepção tradicional construída em Grécia e Roma. Nesse sen- tido, é importante compreender as suas diferentes concepções para que possamos encontrar a ideia que melhor se relaciona com o complexo de ativida- des formativas desenvolvidas junto aos estudantes do Ensino Médio Integrado.

Considerando-se o pensamento de Gorczevski e Martin (2011), podemos encontrar quatro tipos de ci- dadão na Idade Moderna: o liberal, o social, o republi- cano e o comunitário. O Quadro 1 apresenta uma sín- tese desses modelos de cidadãos e suas características a partir do pensamento de Gorczevski e Martin (2011).

Quadro 1: características dos tipos de cidadania na Idade Moderna.

Tipo de

cidadão Características

Liberal

- Igualdade e liberdade religiosa, política e econômica sem intervenção estatal; - Participação do cidadão no poder; - Proteção das liberdades individuais; - O Estado deve estar a serviço do

indivíduo;

- Liberdade econômica para os cidadãos;

Social

- Perspectiva de Bem-Estar Social

(proteção do cidadão, acesso a serviços básicos, bem-estar individual);

- O cidadão tem o direito a ter direito; - A cidadania aponta para bases

igualitárias;

- Pobreza é entendida como um problema social;

Republicano

- O indivíduo participa da construção da sociedade por meio do debate e tomada de decisões políticas;

- Adota a ideia de autogoverno de cidadãos iguais, com interesses individuais acima dos particulares. - Centrada na participação política do

indivíduo (semelhante ao modelo de Atenas) - Concepção de Estado sem tirania e sem

dominação;

- Responsabilidade pública de cidadania sem separação de público e privado; - Modelo em que a cidadania está

centrada na participação política.

Comunitário

- Corrente que critica o individualismo liberal; - Tem como principal objetivo a

construção de uma sociedade fundada em valores comuns (identidade, solidariedade, participação);

- Propõe a integração do indivíduo na comunidade para que se sinta motivado a melhorá-la;

- O sucesso individual depende da realização coletiva dos indivíduos que habitam a comunidade.

Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Gorczevski e Martin (2011, p. 48-62).

Como podemos perceber, o conceito de cidada- nia apresenta várias perspectivas que apontam para o modelo de cidadão desejado em determinados con- textos e épocas. Para Marshall (2002), a divisão do conceito de cidadania está muito mais relacionada à história do que a uma lógica conceitual. Nesse sen- tido, Marshall (2002) divide o conceito de cidadania em três períodos: civil (século XVIII), política (século XIX) e social (Século XX). As principais característi- cas desses períodos estão apresentadas no Quadro 2.

Quadro 2: divisão dos tipos de cidadania.

Parte Características Instituições associadas

Civil

- Liberdade de ir e vir; - Liberdade de imprensa; - Liberdade de pensamento e fé; - Direito à propriedade privada; - Direito à justiça.

Tribunais de justiça

Política - Direito de participar do poder político: membro ou eleitor Parlamento Social

- Direito de participar das mudanças na sociedade; - Direito ao bem-estar.

Sistema educa- cional e serviço

social Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Marshall (2002, p. 9).

Comparando os Quadros 1 e 2, podemos afir- mar que ambos se complementam. Dessa forma, percebemos que o conceito de cidadania social de Marshall (2002) está presente na perspectiva de cida-

dão social e comunitário apresentado por Gorczevs- ki e Martin (2011). A cidadania social apresentada por Marshall (2002) tem as instituições educacionais e o serviço social associadas à sua implementação. Assim, tendo em conta as características do tipo de cidadão social e comunitário apresentadas por Gorc- zevski e Martin (2011), podemos inferir que o cida- dão social está associado ao serviço social e o cida-

dão comunitário às instituições educacionais. Nesse

sentido, o cidadão comunitário de Gorczevski e Mar- tin (2011) constitui o conceito de cidadania social de Marshall (2002) na perspectiva da participação so- cial fomentada pelas instituições educacionais.

Assim, as instituições formais de educação, a partir da idade moderna, emergem com uma função social que tem o desafio de educar para a cidadania social, ou seja, formar o cidadão para que ele seja um sujeito participativo na comunidade e possa ser ca- paz de contribuir com as mudanças sociais, porque:

só a pessoa que se sente membro de uma comunidade concreta, que pro- põe uma forma de vida determinada; só quem se sabe reconhecido por uma comunidade desse tipo como um dos seus e adquire sua própria identidade como um membro dele pode sentir-se motivado a se integrar ativamente nela (CORTINA, 2005, p. 26).

Portanto, a formação escolar para alcançar esse patamar de pertencimento junto ao educando, deve ser ampla, integral e, ao contrário da proposta segmentadora de Aristóteles (2006), deve ser direcio- nada para todas as pessoas que vivem coletivamente em um dado contexto sem distinção de raça, cor, na- cionalidade ou status social.

A noção de cidadania social apresentada por Marshall (2002) se coaduna com a ideia de cidadania apresentada por Cortina (2005). Marshall (2002) de- fende que a participação comunitária é uma fonte de constituição dos direitos sociais. Para Cortina (2005), “[...] a cidadania é um tipo de relação de mão dupla: da comunidade para o cidadão e do cidadão para a comunidade. [...] O cidadão assume alguns deveres com relação à comunidade e, em decorrência disso, deveria assumir ativamente suas responsabilidades nela [...]” (CORTINA, 2005, p. 72). Assim, ambos os autores defendem a construção de uma cidadania (social) que estimule o fortalecimento do sentimento de pertencimento dos indivíduos junto à comunida- de da qual eles fazem parte, ou seja, não basta ape- nas educar técnica e cientificamente os estudantes, é preciso ir além e criar modelos educacionais que possibilitem experiências que os levem a compreen- der seu papel enquanto cidadão social.

Segundo Cortina (2005), a socialização aconte- ce por meio da convivência, mas também pode acon- tecer por meio da participação da construção de uma sociedade, onde os cidadãos possam desenvolver suas qualidades e ainda fortalecer sua humanidade. As ações de Extensão no Ensino Médio Integrado in- serem-se nesse contexto, pois possibilita a integração de estudantes com os demais membros da comuni- dade externa por meio da realização de atividades curriculares fora da sala de aula, proporcionando, aos mesmos, experiências singulares que somente na sala de aula convencional não seriam possíveis.

A cidadania social em âmbito educacional pode ser consolidada por meio de atividades que proporcionem o desenvolvimento de valores capa- zes de contribuir com a formação humana dos edu- candos e, portanto, para a consolidação de todos os outros aspectos que se relacionam com a construção da cidadania (direitos civis, políticos e sociais).

As características do cidadão comunitário apresentadas por Gorczevski e Martin (2011) estão relacionadas à ideia de construção de identidades fundadas em valores coletivos comuns aos membros da sociedade. Os autores apontam que a integração social contribui para a constituição da sociedade e

para o sucesso individual do cidadão, uma vez que ele, ao se sentir parte de um todo e buscar contribuir com esse todo, estará automaticamente contribuin- do consigo mesmo. A cidadania social está intrinse- camente relacionada à construção de valores, uma vez que exige a integração humana e, dessa forma, encontra na educação os processos necessários para o desenvolvimento dos mesmos. Neste artigo, adota- mos o conceito de cidadania social, pois ele é o que melhor se relaciona com a perspectiva de educação para cidadania no Ensino Médio Integrado no Brasil, conforme discutiremos a seguir.

EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA