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2. O clima urbano: Estado da arte.

2.1. A cidade: Uma prostituta devassa?

O hábito de considerar a natureza e o homem universos distintos induz ao a pensar no ambiente natural após a intervenção humana com um ambiente ferido, na linguagem contemporânea dos ambientalistas, um ambiente impactado, ou, conforme a situação, degradado. A idéia de impacto e degradação ambiental produz alguns mal–entendidos. Quando um local é considerado impactado, a referência básica é o ambiente anterior à ação humana. Só que este ambiente não existe, mas foi alterado.

Ao não existir mais, mesmo que ação humana correspondesse às formas aceitas como de uso sustentável. Partindo desse princípio, os argumentos contra a cidade e os princípios assim formulados são antes morais que fundados na conexão do real e do possível.

Costuma-se dizer que o ser humano não usa a natureza em seu próprio benefício. Claro que sim, e não poderia ser diferente. Para prover a vida, o único caminho é a incorporação da natureza. Ao fazer isto, o ser humano opta em construir novos ambientes. Nesse sentido, volto à questão do parágrafo anterior. Estaríamos degradando a natureza?

O crescimento das aglomerações humanas estaria apenas gerando e ampliando o processo de degradação ambiental. Dessa forma, as cidades e os problemas ambientais teriam entre si uma relação de causa e efeito rígida.

A incorporação da estrutura de classes à análise possibilita perceber quem se apropria dos benefícios das atividades econômicas cujos custos são divididos com toda a sociedade. Ou, ainda, os impactos ambientais decorrentes de tais atividades são mais percebidos pelos setores menos favorecidos da população, que confinados às áreas mais suscetíveis às transformações próprias dos processos ecológicos, porém, aceleradas pela ação humana, não podem enfrentar os custos da moradia em áreas ambientalmente mais seguras ou beneficiadas por obras mitigadoras de impactos ambientais.

Apesar disso, a cidade, que não cria nada, continua a ser o local que tudo atrai para si. Tudo o que nasce da natureza e do trabalho, noutros lugares – frutos e objetos, produtos e produtores, obras e criações, atividades e situações.

A expansão da cidade é muitas vezes vista como um símbolo do progresso do mundo moderno, que se distingue do mundo rural, representante da imagem do retrocesso6. Entretanto, na medida em que as cidades crescem em tamanho e população, as alterações inerentes ao processo de modificação da paisagem afetam as condições essenciais à vida urbana, tais como a água, o solo e o ar, afetando o clima.

Dolfus (1991, p. 47) identifica que nas cidades industriais por apresentarem um clima diferente das áreas rurais, na zona temperada, a vida urbana se desenvolveu de modo indiferente as estações do ano, uma vez que, os locais onde o urbanita passa a maior parte do seu tempo são aquecidos no inverno e eventualmente refrigerados no verão, além da própria alimentação apresentar cada vez menos vestígios da diversidade de produção decorrente da sucessão das estações, sendo bastante uniforme ao longo do ano. Mas, apesar da semelhança comportamental dos cidadãos urbanos do mundo, o que define a cidade?

Na visão histórica dominante, a cidade, constitui o resultado do aprofundamento da divisão sócio–espacial do trabalho em uma sociedade, no sedentarismo e na hierarquia sócio–espacial interna à comunidade. Localmente, exige uma estrutura de poder sustentada pela extração de um excedente regular da produção situada no campo. Assim, a cidade implica a emergência de uma classe dominante que extrai e controla este excedente coletivo através de processos ideológicos acompanhados, certamente, pelo uso da força.

Com base em Souza (2003) a cidade é o centro das atividades econômicas, que não se caracteriza pelo setor primário. Isto é o centro gestor do território, por sediar o poder econômico das empresas, político e religioso.

De acordo com Azevedo (2001, p. 448):

“...a cidade é um conceito carregado de diferentes concepções e significados pelo fato de fazer parte da linguagem cotidiana que foi apropriada tardiamente pela ciência. Do ponto de vista histórico, o conceito corrente de cidade é oriundo de períodos em que havia uma nítida delimitação entre a mesma e o campo por muralhas e no qual a divisão técnica e social do trabalho era muito mais simples. O conceito de cidade origina-se da oposição ao conceito de campo...”

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Segundo Williams (1990, p. 11) a cidade associou-se a idéia de realizações – de saber, comunicações, luz. Também constelaram-se poderosas associações negativas: a cidade como lugar do barulho, mundanidade e ambição; o campo como lugar do atraso, ignorância e limitação. O contraste entre o campo e a cidade, enquanto formas de vida fundamentais, remontam à Antiguidade.

Como se percebe, a partir dos três autores citados, não há uma definição capaz de agregar os vários pensamentos acerca da cidade, mas do ponto de vista climatológico, a dificuldade de utilizar este o conceito, gera como conseqüência a impossibilidade de se estabelecer comparações entre os resultados de estudos de clima urbano entre cidades distintas, como você pode observar em alguns exemplos identificados no Quadro 1, uma vez que o cada autor opta por uma definição que melhor lhe atende, não permitindo o avanço dos estudos do clima urbano.

Esta limitação ainda não foi resolvida, mas propostas para a solução desta questão estão em curso como a proposta confeccionada por Oke (2006), em que sugere o estabelecimento de uma padronização do critério de definição do que seja urbano e rural, a partir da taxa de impermeabilização ou (área construída) da superfície, conforme a Figura 7.

Quadro 1. Ambientes rurais e urbanos para alguns estudos de clima urbano.

Urbano

Rural

Urbano e rural

Jardim Botânico (SYRAKOVA; ZAHARIEVA, 1998). Campos de arrozais (SAKAKIBARA; MATSUI, 2005). Aeroportos (ADEBAYO, 1991). Parque urbano

(GEDZELMAN et. al., 2005).

Reserva ecológica (JAUREGUI, 1997). Campus universitário. (PARRY. 1956). Subúrbio (NASRRALLAH, 1990) Deserto (NASRRALLAH, 1990) Observatórios do tempo (ZHOU, 1990). Subúrbio (HAGE, 1972) Aeroporto (HAGE, 1972) Jardins de escola (OKOOLA, 1980). Jardim Botânico (ALCOFORADO,1993)

Campos de cultivo irrigado (ROBAA, 2003)

Instituto meteorológico (ROBAA, 2003). Observatório meteorológico

(BULUT et. al., 2008)

Aeroporto (BULUT et. al., 2008)

Instituto Meteorológico (CUNHA; BRANDÃO, 1995) Centro urbano (SCHMIDLIN, 1989) Aeroporto (Schmidlin. 1989) Hospital

(TUMANOV et. al., 2005).

Tundra ártica (HINKEL et. al., 2003). Shopping center (LANDSBERG; MAISEL, 1972). Deserto (HEDQUIST; BRAZEL, 2006). Postos de Bombeiros (BOWLING; BENSO,. 1978). Florestas tropicais (CHOW; ROTH, 2006). Quadra urbana (UNGER, 1996). Seringais (EMMANUEL; JOHANSSON, 2006). Canyon urbano (ELIASSON, 1994). Pomares (TSO, 1996). Estaleiro (MORENO-GARCIA, 1994). Fazendas experimentais (BOHM, 1988).

Figura 7. Proposta de criação de Zonas de clima Urbano desenvolvida por Oke. Fonte: Oke (2006, p. 185. Adaptado.)