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2.3 Cinco sacramentos e uma obra de misericórdia

Ainda no tocante aos assuntos que recaem dentro do domínio do espiritual, encontrou D. Frei Manuel Coutinho várias situações que constituíam outros tantos problemas. Trata-se, concretamente, do que acontecia com a prática de alguns sacramentos: casamentos, confissões, eucaristia, baptismos, extremas-unções, e com o comportamento, por vezes pouco solidário, de fregueses e clérigos na realização de uma das obras de misericórdia: enterrar os mortos.

As Constituições Synodaes do Bispado do Funchal consideram os sacramentos “as columnas em que se sostenta o edificio de nossa religiam christãa”, e os instrumentos com os quais Cristo “faz em nossas almas os maravilhosos effeitos da sua graça”, razões pelas quais devem ser “logo” tratados como “especiais”324. Já para António

Camões Gouveia “a sacramentalização corresponde a um avanço da organização e uniformização. Corresponde também a um controlo.”, pelo que não admira que o

323

ARM, CMF, Livro 1346, fl. 65.

324 Constituições Synodaes do Bispado do Funchal…, p. 2. Estas constituições, de facto, tratam de

imediato dos sacramentos, logo após o título primeiro em que se declara “Que todos cream e tenham o que cree e tem a santa madre Igreja de Roma”. Entre os títulos dois e dez estão os sete sacramentos, numa sequência só interrompida pelo título oito, consagrado aos “santos óleos”.Ver op. cit., pp. 2-62.

131 processo de valorização dos sacramentos promova o incremento de normativos pormenorizados sobre ritos, formulários, momentos e intervenientes325. A decisão

protestante de sentido contrário, ou seja de “dessacramentalização”, contribuiu, também, com certeza, para um reforço das determinações católicas referentes ao uso dos sacramentos o que, de certo modo, explica a atenção que o Concílio de Trento e as diversas constituições sinodais vão dedicar a estas matérias326.

Estas circunstâncias explicam a atenção que D. Frei Manuel Coutinho dedicou a aspectos práticos ligados aos modos de se concretizarem as determinações, quer conciliares quer diocesanas, no tocante a casamentos, confissões, baptismos, e extremas-unções.

O casamento foi, de entre os sacramentos assinalados, aquele que assumidamente mais preocupou o bispo logo desde que chegou à Madeira, conforme se pode concluir das justificações apresentadas pelo vigário-geral no relatório já referido. Nesse documento, recorde-se, dizia o Dr. Bernardo Rodrigues Nogueira ser comum receberem-se os noivos sem banhos, casarem-se em casa e de noite, consorciarem-se sem confissão e, pior que tudo, contraírem esponsais e viverem, a partir daí, juntos, como se fossem legitimamente casados327. Perante este quadro, o prelado tinha que agir

e começou a fazê-lo logo a partir da visita geral que realizou ao bispado em 1726, na qual, em quase todas as freguesias, deixou provimentos no sentido de os párocos não celebrarem matrimónio algum sem que fosse precedido da publicação de banhos e impedimentos. Diziam, textualmente, esses provimentos que “sahindo algum impedimento na publicação dos banhos, nem por isso deixe de continualos, ainda que o

325 António Camões Gouveia, “A sacramentalização dos ritos de passagem”, em Carlos Moreira de

Azvedo (dir.), História Religiosa de Portugal…, vol. II, p. 529.

326

O Concílio de Trento dedicou várias sessões aos sacramentos. Assim, na sessão VII, tratou do baptismo e da confirmação; na sessão XIII, da eucaristia, na sessão XIV, da confissão e extrema-unção, na sessão XXIII, da ordem e na sessão XXIV, do casamento. Ver O Sacrossanto e Ecuménico

Concilio…, vols I e II.

327 ARM, APEF, doc. 270, Memorias dos acontecimentos..., fl. 90v. Deve acrescentar-se que algumas

destas práticas violavam o preceituado nas Constituições Synodaes do Bispado…, que claramente se pronunciavam sobre a forma de correr os banhos, sobre as penas a aplicar aos esposados que tivessem cópula antes de legitimamente casados, e sobre os estrangeiros que quisessem casar na Ilha. Em relação a outras, as constituições eram, porém, omissas, o que poderá justificar a atenção minuciosa de que estes assuntos serão alvo em sede de visitação. Noutras dioceses do Reino a prática da vida em comum não precedida do casamento formal era assunto que também preocupava os bispos. Assim, nos Açores, D. Frei Valério do Sacramento, logo na sua primeira pastoral de 1741, fazia saber que tinha conhecimento do “detestavel abuso de se communicarem os que estão desposados (…)”, pelo que recomendava aos párocos a maior das vigilâncias em relação a situação. Em Beja, por sua vez, Frei Manuel do Cenáculo igualmente referencia, como motivo de preocupação, a vida marital logo após os esponsais. Ver Susana Goulart Costa, Viver e morrer…, apêndice documental, p. 37 e Jacques Marcadé, Frei Manuel do Cenáculo…, p. 396.

132 impedimento saia no primeiro ou no segundo banho” e só no fim de feitas as três proclamações se declarariam os impedimentos que tivessem surgido, os quais, depois de assinados pelos impedientes, se enviariam à câmara eclesiástica328.

A acompanhar esse provimento surgia, por vezes, um outro relacionado com ele que recomendava aos párocos que não aceitassem “escriptos aos contrahentes se não em meya folha de papel limpo em que declarem seus nomes e de seus pays e avos, e os lugares em que vivem”, pois essa seria a forma de evitar a ignorância dos impedimentos dos noivos, uma vez que, de outra maneira, se não declaravam, com clareza, as “circunstancias que possão dar mais conhecimento”329.

Por volta de 1730, D. Frei Manuel Coutinho publicou um edital que exprimia vários dos cuidados que esta questão dos casamentos lhe suscitava. A primeira parte do documento reportava-se ao facto de a Madeira ser demandada por “muitos forasteiros de diversos bispados” que aqui pretendiam casar e que com esse pretexto “se introduzem em caza das espozas comettendo muitos peccados, que com a dita capa de cazamento se não fazem tão extranhos a seus pays nem ainda são de tanto pezo a alguns parochos. Grande erro!”330. Para que daqui não decorressem males maiores,

determinava D. Frei Manuel que os vigários, tendo notícia de haver fregueses seus naquelas circunstâncias, os notificassem para que se não comunicassem e, no termo de quinze dias, os casassem. Se os noivos não aparecessem para se casar deviam ser denunciados à Câmara Eclesiástica como quaisquer amancebados331. No ponto

328 ADF, Paúl do Mar, Provimentos e Visitações…, fl. 15 (22 de Julho de 1726). O mesmo provimento é

um topos em praticamente todas as visitas de 1726 de que ficou registo. Assim, encontra-se no Porto Moniz, fl. 155, na Fajã da Ovelha, fl. 144, no Seixal, fl. 82, na Ponta de Sol, fl. sem numeração por corrosão do canto superior direito do papel, S. Gonçalo, fl. 14 e em Ponta Delgada, fl. 12v. D. Frei Manuel Coutinho acabaria por reconhecer que para reformar o abuso da falta de banhos se teria mostrado “mais rigido do que talvez concedem os AA” e, para emendar, de algum modo, a rigidez com que se houvera, mandou incluir, quase a terminar as suas Memorias…, um capítulo sobre as ocasiões em que se poderiam dispensar as proclamas. Assim e congregando opiniões de vários doutores, elencaram-se doze circunstâncias em que o ordinário poderia dispensar o público anúncio dos banhos, terminando essa listagem, porém, com o alerta aos bispos de que se deviam informar correctamente para não correrem o risco de subsistirem quaisquer impedimentos entre os contraentes. ARM, APEF, doc. 270, Memorias dos

acontecimentos…, fls.145-146.

329

ADF, Ponta Delgada, Livro dos Provimentos …, fl. 13v. O mesmo se encontra provido em S. Jorge, fl. 2v, no Seixal, fl. 82v ou no Porto Moniz, fl. 160, por exemplo.

330 ARM, RP, Porto Moniz, Livro de Visitação da Igreja de Nossa Senhora da Conceição …, fl. 165. Não

há a certeza da data da publicação deste edital porque ele não se encontra na caixa que contém editais e está no ADF. Conhece-se o texto porque aparece publicado em dois livros de visitações no ano de 1730, concretamente, em ARM, RP, Porto Moniz, Livro de Visitação da Igreja…, fl. 167 e em ADF, Paúl do Mar, Provimentos e Visitações…, fls. 17v-18.

331 Esta situação é tratada com mais dureza no Porto Santo onde, em 1729, se deixou provido que os

“despozados” se deviam receber logo, não sendo parentes, mas se o fossem, tinham de fazer termo de não se comunicarem enquanto lhes não chegasse a dispensa, sob pena de “se proceder contra elles pello crime

133 seguinte, o edital referia-se ao caso, que por vezes acontecia, de haver um homem que se mandasse apregoar com uma mulher “tendo feito promessas a muitas”, do que resultavam danos às almas, pelo que se proibia que, para noivos de fora do bispado, não se corressem banhos sem serem precedidos de certidão de que se correram outros na paróquia do contraente, ou outros sítios onde tivesse tido “larga assistência”. Para noivos, do bispado ou de fora, também não se deviam aceitar banhos sem expressa licença dos dois envolvidos “para se evitarem os enganos que muitas vezes se tem visto, ficando as molheres violentadas a tomarem estado ou infamadas em publico com casamentos que não tem effeito”332. Igualmente se proibia a contraentes de fora da

freguesia ou da diocese que se casassem sem certidão de baptismo, ou, sendo, viúvos, sem certidão de óbito do cônjuge. Estas proibições, porém, não se aplicavam aos madeirenses que quiserem contrair matrimónio fora do bispado, pois com esses “se observará o estillo”333. Estes cuidados vão sendo reafirmados, no todo ou em parte, em

provimentos que ficaram em paróquias diversas, como acontece no Seixal, em S. Pedro ou em S. Martinho em 1730334. Pelos anos de 1735, 1736, as preocupações do bispo em

de incesto”, (ADF, Porto Santo, Livro de Provimentos da Igreja de Nossa Senhora da Piedade…, fl. 15). A razão desta ressalva terá, provavelmente, a ver com a escassez de população do Porto Santo (seiscentas almas, segundo H.H. de Noronha, Memorias Seculares…, p. 226), com o facto de ser uma ilha e ainda com os critérios de parentesco que, na época, inibiam o casamento. Sobre esses critérios diz François Lebrun que abrangiam as três espécies de parentesco: consanguíneo, por afinidade e espiritual, até ao 4º grau, ou seja, todos aqueles que tivessem um trisavô comum. Ver François Lebrun, A vida conjugal no

Antigo Regime, Lisboa, Edições Rolim, s.d., p. 21, ou Michel Sot, “A génese do casamento cristão”, em Amor e Sexualidade no Ocidente, Lisboa: ed. Terramar, edição portuguesa sem data, edição francesa de

1991, p. 221.As dificuldades que nesta matéria experimentava o Porto Santo, onde praticamente todos eram aparentados, são, de resto, visíveis numa carta que o vigário da Ilha escreveu ao bispo em 30 de Setembro de 1725 e na qual, sobre aquele assunto, dizia o seguinte: “ Tem me dado muito cuidado a tardança dos Breves que mandou buscar Diogo da Silva pela intemperança dos comprometidos porque os tenho mortifi[cado] c[om] [pri]zões e como dois delles depois da primeira admoestação em que se lhes leo a constituição 9 do titulo…, não tiverão emenda, e se prova com evidencia estarem as consortes descompostas, he precizo proceder segunda vez contra elles, mas para serem remetidos ao aljube dessa cidade lhes serve de grande descomodo por sua pobreza: dignesse Vossa Illustrissima de me permitir que ca os sentenceie, (…) e ca levarão os açoutes…”. ADF, cx 56-A, doc. 13.

332

Esta determinação tem a ver com a posição tridentina em matéria de casamentos que dispunha que o matrimónio só se deveria realizar com o consentimento expresso dos contraentes, posição que era, no entanto, contrariada, pela legislação nacional. As Ordenações Filipinas, com efeito, defendiam que o não consentimento paterno para o casamento era motivo para se deserdarem as filhas menores de vinte e cinco anos (Ordenações Filipinas, IV, t. 88, 1), e que o casamento com “mulher virgem e honesta” sem conhecimento do pai fosse punido com degredo se o “levador” fosse fidalgo, ou com a morte se fosse plebeu (Ordenações Filipinas, V, t. 18, 3). Ver Ordenações Filipinas, fac-símile de uma edição de 1870, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985 e António Manuel Hespanha, “Fundamentos antropológicos da família de Antigo Regime: os sentimentos familiares”, em José Mattoso (dir), História

de Portugal, vol. IV, p. 275.

333 ARM, RP, Porto Moniz, Livro de Visitação da Igreja de Nossa Senhora da Conceição …, fls. 165-

165v.

334

ADF, Seixal, Livro de Provimentos …, fl. 84v e ARM, RP, S. Pedro, Registo dos Provimentos e

134 matéria de matrimónios passaram a centrar-se mais no exame de doutrina feito aos noivos, tendo em vista a necessidade que depois a “possão ensinar a seus filhos e familia como são obrigados”, conforme se espelhou na maior parte das freguesias visitadas por aquela altura335.

Esta insistência no cumprimento dos preceitos relativos ao casamento acabou por se revelar frutífera pois, a crer no autor das Memorias …., por volta de 1737, achavam-se “reformados (…) os abuzos que respeitavam aos matrimónios e recebimentos”, ou seja, esta seria mais uma das áreas em que a postura reformadora do prelado revelaria ser a adequada à resolução dos problemas da diocese, ou, pelo menos, ele assim o cria336.

Outro dos sacramentos que foi objecto de intervenção detectável nos provimentos, por um lado, e nas Memorias… por outro, foi a confissão e aquilo que se pretendia que fossem as boas práticas a ela associadas.

A penitência, ou confissão, como era mais vulgarmente conhecida, nascera de uma referência contida no Evangelho de S. João (20, 23) em que se aludia à necessidade do conhecimento das faltas dos pecadores por ministro habilitado, o qual devia avaliar a gravidade dos erros cometidos, mas a progressiva consciência que a Igreja foi adquirindo do valor de disciplinamento social, controlo, e interiorização de normas de comportamento possibilitados por este mecanismo foi promovendo uma cada vez maior importância do sacramento. Com efeito, este sacramento que, por um lado reconciliava o crente consigo mesmo, depois de uma falta que lhe provocava remorso e, por outro, o reconduzia ao seio da Santa Madre Igreja, no pleno gozo de todas as suas prerrogativas, revelava-se incontornável como forma de exercício de um poder coercivo/ persuasivo de indiscutível valor. Foi este reconhecimento que determinou que, em 1215, no IV Concílio de Latrão, fosse instituída a obrigatoriedade da confissão anual, e que promoveu a “crescente intensificação da confissão” a que se assistiu na Idade Moderna, constatável, de resto, pela proliferação de manuais de confessores, obras destinadas a ajudar os sacerdotes habilitados a conduzirem os fiéis pelo labiríntico universo do pecado337. Da obrigatoriedade do cumprimento anual do preceito, que se

335 ARM, RP, Porto Moniz, Livro de Visitação da Igreja de Nossa Senhora da Conceição …, fl. 174v. O

mesmo se encontra provido no Paúl do Mar, fl. 26, em S. Gonçalo, fl. 19, em S. Martinho, fl. 9, entre vários outros casos.

336 ARM, APEF, doc. 270, Memorias dos acontecimentos…, fl. 91 337

António Camões Gouveia, “A sacramentalização dos ritos de passagem”, em Carlos Moreira de Azevedo, História Religiosa de Portugal…, vol. II, pp. 538-549.

135 manteve ao longo dos séculos, passou-se para uma recomendação do aumento da frequência, prática defendida por algumas correntes de pensamento teológico, nomeadamente a jacobeia. Um dos ideólogos do movimento, Frei Francisco da Anunciação, defendia como “muito lícita e louvável a todos os fiéis a praxe frequente da confissão”, mais até que a da comunhão, porque “entre as duas não corre em tudo a paridade igual” e, sem margem para dúvidas, aconselhava a todos os fiéis a confissão semanal, ou até mais amiudada338.

Por tudo quanto se acabou de dizer não deixa de parecer um pouco estranha a posição que o jacobeu D. Frei Manuel Coutinho assumiu num provimento que deixou em S. Pedro, em 1736, em que determinou que os beneficiados daquela colegiada não confessassem em horas que deviam estar no coro “ou em outras quaesquer funções de seus benefício, sob pena de serem apontados na hora em que faltarem; porem no cazo que se lhe acabe o sino da 3ª, estando no confessionário, finda que seja a tal confissão, não continuará outra (…), e isto sem embargo da constituição 8ª, título 12, em que manda haver por prezentes e interessentes os que estiverem occupados nas confissões, porque nesta parte declaramos a mesma constituição attendendo a não haver ministros bastantes nesta collegiada para as funções de devoção a que se deve preferir a obrigação do beneficio”. Estas decisões do prelado podem causar algum espanto porque, aparentemente, desvalorizam a tarefa da confissão, preferindo a ela a presença no coro. Ora, sendo D. Frei Manuel Coutinho jacobeu, esta posição não é facilmente entendível, pelo que há que procurar explicação para ela. E essa explicação pode, eventualmente, ser a de que o bispo fora informado de que muitas vezes se achava o coro daquela igreja desprovido de ministros necessários para aquele ofício, por se encontrarem ocupados a confessar, faltando também a outras obrigações, e ser aquela falta “notavel

338 Citado por António Pereira da Silva, A questão do sigilismo em Portugal…, pp. 136-137. Evergton

Sales Souza também salienta a importância de que a confissão se revestia para os jacobeus, afirmando que aquele era um dos exercícios mais recomendados a todos os que queriam aceder à vida devota. E exemplifica citando o padre Manoel de Deus que defendia o mesmo princípio com base na assunção que “quem faz huma coisa muitas vezes, sabe fazê-la melhor, do que quem a faz poucas: que o rosto se lava todos os dias, e as mãos nos dias muitas vezes; e que não he justo tenhas maior cuidado na limpeza do rosto e das mãos, que na da alma”. Evergton Sales Souza, Jansénisme…, pp.197-199. As próprias constituições do bispado do Funchal, sem chegarem tão longe quanto a confissão semanal, não deixavam de aconselhar aos fregueses que não se contentassem com uma confissão por ano “como manda a sancta madre igreja, mas que frequentem a dita confissão e comunhão ao menos pelo Natal, spirito sancto e Nossa Senhora de Agosto”. No que respeitava aos padres, porém, a periodicidade encurtava drasticamente, sendo recomendado que os sacerdotes que diziam missa diária se deviam confessar uma vez por semana, ou no máximo, de quinze em quinze dias. Para os que celebravam apenas duas ou três vezes por semana, bastaria uma confissão quinzenal, ou, não o conseguindo, mensal. Ver Constituições

136 e continua”339. Este desacerto e a má impressão que não deixaria de causar aos fiéis a

imagem de um coro despovoado numa colegiada que, à partida, estava dotada dos meios necessários ao seu cabal funcionamento, forçaram o bispo a tomar medidas que repusessem a ordem nas cerimónias e devolvessem aos ofícios o brilho expectável. E foi, com certeza, este o quadro que provocou o tal provimento que, no fundo, mais não pretendia que os beneficiados da colegiada gerissem correctamente o seu tempo, de modo a acomodarem nele, de forma adequada, todas as funções a que a própria posse dos benefícios os obrigava. Apesar do que acabara de prover, o prelado considerava que se poderia abrir uma excepção nos dias em que, por haver festa, se registava muito concurso de fiéis, pelo que em tais ocasiões se facultava ao vigário a possibilidade de chamar os beneficiados que bem entendesse e que fossem confessores, e autorizá-los, excepcionalmente, a confessar nas horas do coro, ou de desempenho de outras tarefas. A determinação episcopal que se tem vindo a referir demonstra a forma como o bispo entendia que se devia pautar o comportamento do clero sob as suas ordens. Era preciso que houvesse regras, era preciso rigor no cumprimento das obrigações, eram necessários disciplina e compromisso, e isto sim, eram princípios que se compaginavam perfeitamente com a forma de pensar de qualquer seguidor da jacobeia.

Em termos da correcta prática da confissão, as constituições determinavam, ainda, que todas as igrejas paroquiais com cura de almas deviam ter confessionários em “lugares públicos e apparentes”, onde os párocos confessariam, com a sobrepeliz posta, todos os seus paroquianos, particularmente as mulheres, o que, no entanto, não se encontrava integralmente cumprido no tempo em que D. Frei Manuel Coutinho empreendeu a sua actividade visitacional340.

Em 1726, o prelado, em visita à Ponta de Sol, deparara-se com uma igreja sem confessionários capazes e isso tinha feito com que, excepcionalmente, concedesse autorização para se ouvirem em confissão, tanto homens como mulheres, em qualquer