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2.1 – D José de Sousa de Castelo Branco e a Sé vacante anterior a 1725.

D. José de Sousa de Castelo Branco foi o bispo que antecedeu D. Frei Manuel Coutinho na mitra do Funchal (1698-1721), e esteve à frente do bispado por um período de vinte e três anos, dezassete dos quais como residente e os últimos seis retirado para o reino por motivos de saúde, entre outros89.

Nasceu a 2 de Novembro de 1654, em Leiria, filho de Heitor Vaz de Castelo Branco “senhor de Lagar del Rey e Comendador de Santa Maria de Caminha na Ordem Militar de Christo” e de Dona Luísa Maria da Silva Arnault “senhora do Morgado do Moinho novo”90. Estudou em Coimbra, onde se doutorou em Teologia em 1680, e dali

seguiu para Leiria como cónego, após o que iniciou uma carreira na Inquisição. Começou-a em Évora, como deputado (1684), passou para Lisboa já na condição de promotor (1689), foi transferido para Coimbra na qualidade de presidente da Inquisição (1695), e aí se encontrava quando foi escolhido por D. Pedro II para bispo do Funchal (1697)91. A sagração deu-se em Lisboa, no oratório de São Filipe de Neri, a 28 e Junho

de 1698 e recebeu-a das mãos do inquisidor geral D. Frei José de Lencastre, após o que embarcou para o Funchal, fazendo, como era costume, escala em Mazagão para doutrinar e crismar os locais.

Já durante a viagem D. José de Sousa de Castelo Branco começou a dar sinais de um dos traços que marcariam o seu episcopado - a amizade pela nobreza, conforme se pode concluir do que a esse respeito se encontra nas Memorias para a Historia da Diocese

…, quando se diz que

“Gaspar Mendes de Vasconcellos, que seu pay tinha mandado para o Reino assentar praça, elle o trouse consigo e a bordo o ordenou, e lhe deu huma conezia, e quando saltou em terra mandou o seu Mordomo a caza do tenente general Ignacio de Betancurth e Vasconcellos que ali lhe mandava o seu filho conego, e que esperava elle lhe perdoasse o vir contra as suas determinações”92.

89 Henrique Henriques de Noronha, Memorias Seculares…, pp. 126-128 e Fernando Augusto da Silva,

Subsídios…, pp. 216-218.

90

Henrique Henriques de Noronha, Memorias Seculares…, p. 126.

91 Estas informações continuam a ser recolhidas de Henrique Henriques de Noronha, excepto para a

informação de que foi presidente do tribunal da Inquisição em Coimbra, que está em Fernando Augusto da Silva, Subsídios…p.216.

44 Este modo de actuar não foi, contudo, caso único, pois, segundo o autor anónimo das referidas Memorias…, “Foi este o Bispo mais amante da nobreza que tem vindo a esta Ilha. Não houve Caza que não beneficiasse criando-lhe alguns dos seus filhos em Cónegos na Cathedral”, o que se passou com os Correias, que tiveram direito a chantre e deão, na pessoa de António Correia, a cónego e mestre-escola, dignidade em que foi provido Tomás Correia, e ainda a um simples cónego, Francisco Cândido Correia. Aos Ornelas, fez três filhos cónegos, aos Freitas, dois, aos Berengueres, um, mas outras famílias receberam igualmente benefícios. Para além destas demonstrações de boa vontade, “continuamente lhe estava fazendo a elles prezentes de trastes, e ainda cortes de vestidos…” e “Hia passar dias de Verão nas Quintas dos Cavalleiros da terra e com todos fez huma boa armonia”93.

No que diz respeito a benefícios, proveu-os sobretudo em madeirenses, de quem se rodeou e a quem ofereceu lugares de colaboradores muito próximos, como se pode ver pelos indigitados para deão, e mestre-escola, a que se juntaram as demais dignidades capitulares (excepto o chantre) e o resto do cabido, pelo que não há notícias de reclamações para o reino relativamente a este assunto94.

No que toca aos governadores, porém, as suas relações oscilaram entre a conflitualidade grave e a melhor das convivências. A ilustrar o primeiro caso registe-se o que aconteceu com o governador João da Costa Ataíde, acompanhado pelo provedor Manuel Mexia Galvão, com quem “em rezão do officio de bom Pastor teve algumas discensões”, de que se fizeram queixas mútuas para Lisboa. Do Reino foi, por isso, enviado o desembargador Diogo Salter de Macedo a fazer uma sindicância, da qual resultou o ter-se esclarecido que o provedor tinha dado como suspeito o vigário-geral que, entretanto o acusara de mancebia “mais por vingança e odio que por defensa…

93 Op. cit., fl. 97.

94 Numa provisão passada ao p. Filipe de Oliveira Maia pelo escrivão da câmara eclesiástica de D. Frei

Manuel Coutinho, no âmbito de um processo que a Câmara do Funchal movera ao bispo por causa do provimento de benefícios, faz-se referência a provimentos em não naturais da terra feitos por prelados anteriores. E a D. José de Sousa de Castelo Branco apontam-se apenas três: um na colegiada de S. Pedro a um seu familiar, o p. Manuel Antunes Guerra, natural de Leiria, outro em Joseph Hodges, inglês, que ocupou um lugar na colegiada da Calheta, donde passou para a de Nossa Senhora do Calhau e, finalmente, o chantrado, que foi provido num irmão do bispo, Manuel da Cunha Pinheiro, que nunca veio ocupá-lo na Madeira, e de que ainda (em 1730) lhe “esta comendo os frutos”em Lisboa. Uma folha solta inserta no mesmo documento alude, ainda, a um outro, Bernardo Leitão, natural de Lisboa e familiar do bispo. ADF, cx. 10, doc. avulso, com cópia da provisão passada ao padre Filipe de Oliveira Maia, de 25 de Julho de 1730. Henrique Henriques de Noronha, nas Memorias Seculares …, pp. 148-149, elenca as dignidades da Sé em 1722, bem como os seus possuidores.

45 com animo vingativo de injuriar a pessoa de hum Prelado seu Bispo a quem devia tratar com o respeito de Pay e obsequio de Prelado”. Em consequência, determinou-se que o provedor fosse chamado à Câmara, para ser pública e asperamente repreendido (o governador não é referido por ter entretanto falecido), e que se queimassem os autos das suspeições “para que de tão estranho modo de recuzação não haja em tempo algum memoria nem lembrança”95.

Com o governador Duarte Sodré Pereira (1704-1712) manteve D. José de Sousa de Castelo Branco muito boas relações, a ponto de ser padrinho de um dos seus filhos e, portanto, seu compadre, mas o mesmo já não aconteceu com o sucessor, Pedro Alves da Cunha, homem a cujo “genio extravagante, e dispotico, ninguém escapava”, com quem teve diferendos, nomeadamente por causa do lugar que deviam os governadores ocupar na Sé96. Acabada a comissão de Pedro Alves da Cunha, foi o

bispo apresentar cumprimentos ao sucessor, mas pela conversa que tiveram, ficou com a impressão de que João de Saldanha da Gama “era do mesmo carácter que o seu antecessor”, pelo que decidiu abandonar a Ilha e “partio para Lisboa na mesma Nao em que hia aquelle por cuja cauza elle largava o Bispado”, palavras que deixam entrever que o bispo não decidiu demandar o reino exclusivamente por razões de saúde97.

A ida de D. José de Sousa de Castelo Branco para o Reino, motivada, como se viu, mais por dissenções com outros representantes dos poderes do centro, do que por qualquer incompatibilidade com a elite madeirense, com quem sempre manteve as melhores relações, não terminou o seu episcopado, que se prolongou até 1722, mas deu origem à sua substituição interina pelo homem que fora seu vigário-geral, e que passará a asssumir as funções de governador do bispado, em período de sé vacante: Pedro Álvares Uzel.

Este homem, que começara por ser “Arcediago, vigario geral, Provisor” e se tornava, agora “Governador deste Bispado, por nomeação do Bispo D. Jozeph de

95 Para a primeira citação, ver Henrique Henriques de Noronha, Memorias Seculares…, p. p. 127. Para as

outras duas, ARM, CMF, Livro 1218, fl. 255. Esta provisão, com data de 1 de Março de 1704, está largamente transcrita nas Memorias dos acontecimentos…, fls. 6v e 7.

96 Sobre a circunstância do compadrio, ver Rui Carita, História da Madeira, vol. IV, p. 350. Sobre o

diferendo com o governador, as Memórias para a Historia da Diocese…, que se têm vindo a citar, fl. 97v, e ARM, CMF, Livro 1218, fl. 294.

97

Continuam-se a citar as Memorias para a Historia da Diocese…, fl. 97v. Para além dos acontecimentos referidos, o episcopado de D. José de Sousa de Castelo Branco registou também a mudança do seminário do paço episcopal, onde até então tinha estado, para o Mosteiro Novo, e as frequentes visitas que o prelado pessoalmente fez a toda a diocese, Porto Santo incluído. Ver Noronha, Memorias Seculares…, p. 127, e Fernando A. da Silva, Subsídios…, p. 217.

46 Souza de Castellobranco” era formado em Cânones pela Universidade de Coimbra, onde estudou entre 1682 e 1688, e descendia de Pedro Ribeiro Barreto e de Maria da Silva Vieira, sendo irmão de Eusébio da Silva Barreto cuja pretensão ao cargo de familiar do Santo Ofício levantou uma série de problemas que também tocaram ao irmão e permitiram esclarecer parte da sua carreira eclesiástica98.

Como se sabe, a candidatura a qualquer lugar no Santo Ofício obrigava a uma apertadíssima pesquisa dos antecedentes do pretendente pois, se para qualquer lugar na hierarquia da Igreja era exigido ser-se filho de legítimo matrimónio e ter limpeza de sangue, para a Inquisição estes requisitos eram levados às últimas consequências e os inquiridores não se poupavam a esforços no sentido do cabal esclarecimento de qualquer suspeita que pudesse surgir. E na habilitação de Eusébio Barreto, cujas testemunhas começaram a ser ouvidas a 11 de Julho de 1704, cedo apareceram algumas a acusar o habilitando de ser infamado de cristão-novo por parte do avô paterno, António Guterres, filho de Isabel Guterres que tinha tido parentes apanhados na finta de 1606, e da avó materna que também tinha “casta de x.n.”99. Estas acusações, que

acabaram por invalidar a pretensão do candidato ao título de familiar, também se aplicavam a Pedro Álvares Uzel, seu irmão inteiro, o qual a 9 de Fevereiro de 1704 acabara de ser provido numa conesia na Sé100. O facto de este provimento ter sido feito

por D. José de Sousa de Castelo Branco levou a que o bispo fosse chamado a depor no processo, a fim de explicitar as diligências que fizera e que lhe tinham permitido proceder à referida nomeação. O bispo foi ouvido em Lisboa, onde já se encontrava em 1716, e no contexto do interrogatório acabou por falar mais do irmão do que do habilitando, não só por estar directamente implicado nos provimentos que tinham sido feitos em Pedro Álvares Uzel, como porque, para efeitos de limpeza de sangue, o que valesse para um, valia para o outro. No seu depoimento referiu que na altura em que vagara a vigararia de S. Pedro tinham aparecido muitos opositores ao concurso, entre os

98 Henrique Henriques de Noronha, Memorias seculares… p. 149. Sobre a questão das habilitações

académicas, ver na Revista do Arquivo Histórico da Madeira, vol. II, fasc. 4, “Estudantes da Ilha da Madeira na Universidade de Coimbra nos anos de 1573 a 1730”, p. 170.

99 DGARQ, TSO, CG, Habilitações, Eusébio, mç. 1, proc. 21, fls. 30 e 24v. A finta de 1606 é um imposto

que foi lançado por D. Filipe III sobre os cristãos-novos, os quais, para efeitos de verificação do pagamento, foram lançados num rol: o rol dos judeus. Na Madeira, exemplares desse rol andavam nas mãos de famílias importantes que queriam acautelar os casamentos dos filhos e evitar contaminações com sangue impuro. Maria de Fátima Barros, Rol dos judeus e seus descendentes, Arquivo Histórico da Madeira, Série Transcrições Documentais 1, Funchal: 2003.

47 quais o Dr. Pedro Álvares Uzel “que a todos se avantejava no meresimento”, mas “como os Ilheos pela sua ambição são faces em se levantar testemunhos huns aos outros para melhorarem as sua pertençoens”, logo surgira uma carta anónima, enviada à Mesa de Consciência e Ordens, em que se lhe supunha “a inhabilidade de christão novo”. Perante isto, o Tribunal mandara investigar e o bispo tinha ouvido informalmente uma série de pessoas que lhe garantiram ser tal afirmação uma falsidade, atribuível, eventualmente, ao facto de o pai, Pedro Barreto, ter sido alcaide do mar, na alfândega “e como o dito officio sempre anda fazendo execuções na cobrança da fazenda real algumas pessoas se queixavão delle e dizião em mormoração que elle era christão novo”101. Convencido da legitimidade das aspirações do Dr. Pedro Uzel, o

bispo informou Lisboa, que lhe deu crédito e proveu o candidato na vigararia “de onde elle depoente annos depois o melhorou para cónego de sua See e depois para Mestre Escolla, que actualmente he, Vezitador e Vigario Geral e elle depoente o deixou por Governador do Bispado”. Um pouco mais adiante o bispo declarava, ainda, que sabia que quer um quer outro dos irmãos tinham inimigos na Ilha, sendo um deles um dos dois comissários do Santo Ofício, o arcediago António Correia Bettencourt, enquanto o outro comissário, o cónego Bartolomeu César de Andrade, pelo contrário, lhes seria demasiadamente afecto, razão que levou a que, a partir desse momento, o processo fosse entregue ao padre Miguel Vitus, da Companhia de Jesus, personalidade isenta e muito admirada pelo prelado102.

Mais adiante, uma outra testemunha, o capitão Pedro Carvalho Valdevesso, acabou por lançar alguma luz sobre a identidade do autor da carta anónima de denúncia ao Tribunal da Mesa, afirmando que fora escrita e entregue pelo padre Feliciano Fernandes Mondim, outro dos candidatos à vigaria de S. Pedro, movido “por odio e ma vontade que tinha do dito Pedro Alvares Uzel”103.

100 ARM, APEF, doc. 219, Registo das Nomeações que a Sua Alteza fazião os Senhores Bispos, para o

Provimento das Dignidades, Conezias, Vigairarias e Benefícios das Igrejas deste Bispado, principiado em 1675 e findo em 15 de Janeiro de 1748, mf. 681, fl 45v.

101 DGARQ, TSO, CG, Habilitações, Eusébio, proc. 1,fls. 61-61v.

102DGARQ, op. cit., fl. 64. D. José de Castelo Branco considerava o p. Miguel Vitus pessoa muito

“singular em tudo, na capacidade, letras, virtude e ardente zelo na conversão dos hereges (…)” pelo que

afirmava parecer-lhe “que Vossa Senhoria pode fiar delle tudo e que só a elle se devem cometer os negocios de maior importância ou risco”conforme se pode ver em Maria do Carmo Jasmins Dias Farinha, “A Inquisição na Madeira no período de transição entre os séculos XVII e XVIII (1690-1719)”, em Actas

do III Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal: SRTC, CEHA, 1993, p. 887, onde a

autora a cita a partir de AN/TT, Inquisição de Lisboa, Livro 922, fls. 264-265v.

48 Daqui se pode concluir que o Dr. Pedro Álvares Uzel fez uma carreira não isenta de percalços, suspeições e inimigos, o que talvez tenha contribuído para, quando no exercício do cargo de governador do bispado, manifestar alguma tibieza na acção, conforme se depreende da sua atitude perante o padre Martinho Teixeira, vigário de Ponta Delgada que, “no tempo do governador do Bispado, sabendo que ia vezita a sua freguezia, auzentava-se, e nunca por isso o castigarão”104. A mesma postura de evitar os

conflitos se pode encontrar na posição que tomou perante a questão dos encargos pios. Nas Memorias dos acontecimentos…, quando se fala disso, diz-se que foi o assunto responsável por

“huma das mais renhidas batalhas e fera contradição que experimentou o Prelado: Em 1º lugar lhe disputarão o poder, porque lhes fez novidade serem constrangidos pelo Bispo, e o seu Provizor Pedro Alvares Uzel, sendo homem douto e de recta intenção, e tendo governado o Bispado muitos annos, defendia acerrimamente que o Reziduo Secular era o Juiz privativo para a satisfação das capellas”,

ou seja, mesmo depois da chegada do novo bispo, o Dr. Pedro Uzel continuava a procurar contornar uma área potencialmente geradora de fortes tensões105. O próprio

D. Frei Manuel Coutinho, numa carta que escreveu ao rei a dar conta do estado em que tinha encontrado a diocese, se queixava de ter encontrado uma multidão “de reos impunidos, assim clérigos como leygos, ainda depois de sentenciados”, o que deixa entrever que o Dr. Pedro Uzel não exercia a sua jurisdição até às últimas consequências106.

Este breve apanhado dos anos que antecederam a chegada de D. Frei Manuel Coutinho ao Funchal permite chegar a algumas conclusões: em primeiro lugar, que quer D. José de Sousa Castelo Branco, pela deferência e amizade com que sempre tratou os principais da ilha, quer o Dr. Pedro Uzel, pela brandura por que pautou a sua acção, não prepararam o bispado para a intervenção de um bispo rigoroso, disciplinador e que não atendia a outros critérios para além dos do foro religioso, o que poderá explicar o clima de elevada conflitualidade que marcou o novo episcopado logo desde o início; em segundo lugar, que os confrontos que opuseram D. José aos governadores teriam sido o motivo pelo qual D. Frei Manuel Coutinho veio assumir funções munido de

104 ARM, APEF, doc. 270, Memorias dos acontecimentos…, fl. 112. 105

Op. cit., fl. 57.

49 documentos que redefiniam e reforçavam o papel do prelado na diocese, e que serão objecto de atenção no ponto seguinte.

51

3. Preparativos para assumir o lugar

Desde a vacatura de uma diocese até a tomada de posse do prelado seguinte decorria um espaço de tempo que ia, normalmente, de seis a doze meses, para as dioceses da metrópole, mas que ultrapassava sempre o ano, para as ultramarinas107. No

caso de D. Frei Manuel Coutinho, o tempo de espera foi maior dado que decorreram cerca de vinte e sete meses entre a indigitação régia, a 25 de Novembro de 1722, e a confirmação pelo papa Bento XIII, que só se deu a 19 de Fevereiro de 1725108. A

demora entre a decisão do rei e a aceitação pelo papa é explicada nas Memorias dos

acontecimentos… “pella diferença com que então estava o Reyno com Roma”, numa

alusão aos problemas que, na altura, afectavam as relações entre D. João V e a Santa Sé, e que tinham como causa próxima a promoção ao cardinalato do núncio Bichi, e como causa remota a ânsia de “paridade diplomática” que o rei português pretendia obter em Roma, de modo a equiparar-se a outras potências europeias109. Ultrapassadas todas as

dificuldades, a 13 de Abril de 1725, o bispo foi empossado em Lisboa, perante o notário apostólico, e no mesmo dia passou procuração a três elementos do cabido da sé do Funchal, o deão António Correia Bettencourt, o arcediago Pedro Álvares Uzel e o cónego Estêvão de Faria e Castro para, em seu nome, tomarem posse do cargo110. A

sagração episcopal deu-se a 13 de Maio, na capela real, e foi recebida das mãos do patriarca D. Tomás de Almeida, em cerimónia a que igualmente assistiram o bispo de Patara e o arcebispo de Lacedemónia111. A 1 de Junho foram expedidos os alvarás que

antecederam a assunção do bispado: o de mantimentos, onde se declarava quanto devia o bispo receber e se determinava que começasse a vencer o seu rendimento desde a data da confirmação papal, o de esmolas, em que se estipulava o valor de 180 000 réis

107 José Pedro Paiva, Os Bispos…, p. 110 108

AHU, Madeira, Avulsos, cx. 3, doc. 405.

109 Sobre a questão que se levantou entre D. João V e a cúria romana ver Fortunato de Almeida, História

da Igreja em Portugal…, vol. II, p. 345, Luís Ferrand de Almeida, “O absolutismo de D. João V”, em Páginas Dispersas, Estudos de História Moderna de Portugal, Coimbra: ed. Instituto de História

Económica e Social, 1995, pp. 190-191 e Maria Paula Marçal Lourenço, “Do «Poder absoluto» ao «Absolutismo»: as terminologias em confronto”, em Joel Serrão e A. H. Oliveira Marques (dir.) e Avelino de Freitas Meneses (coord.), Nova História de Portugal, vol. 7, p. 26.

110 ARM, APEF, doc. 27, Registo da Câmara Eclesiástica…, fls. 45-46v. 111

BNL, Manuel Caetano de Sousa, Purpuras consagradas ou catalogo de Principes assumptos ao

52 anuais para os pobres, sendo que 20 000 deviam ser afectos ao hospital, o de pagamento da embarcação para as visitas e, ainda, o que atribuía ao bispo a capacidade de apresentação das pessoas para prover as dignidades e outros benefícios do bispado, excepção feita à de deão, que era privativa do rei112.