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1.3 – O “relatório” do vigário geral.

A 30 de Dezembro de 1725, o Dr. Bernardo Rodrigues Nogueira, na sequência do pedido do bispo para que o informasse “do fundamento que tinhão as queixas deste povo, que forão muitas no principio do governo, e lhe desse a rezão de todas as opperações para averiguar a justiça do que obrava”, produziu um documento em que circunstanciadamente analisava as reclamações e fornecia a justificação legal do seu procedimento. Começava, então, o vigário-geral por um balanço global da situação, dizendo:

“Hé percizo (Senhor) que os testamentos se cumprão; que as uzuras e superstições se desterrem; que os bens sonegados às igrejas se restituão; que os legados e missas que se estão devendo há muitos annos, se satisfação; que os que pertendem ser eccleziasticos se habilitem, e também os que já forem não o estando; que os patrimónios se revejão; que os breves apostólicos se justifiquem; que os parochos prezentem e registem os seos rois no tempo devido; que os catholicos se confessem; que os preceytos da Igreja se guardem; que os culpados se executem; que os escandalos se emendem; e nada disto athe agora se fazia”185.

A concordância deste enunciado com as preocupações expressas pelo prelado na carta ao rei é total, pelo que parece lícita a conclusão de que o vigário-geral mais não fazia que cumprir, ponto por ponto, as instruções que o bispo lhe dera. Como explicar, então, que o prelado peça contas da execução de medidas que ele próprio preconizara? As razões poderiam ser duas. Por um lado, quereria o prelado certificar-se de que não havia abusos na forma de cumprir as suas determinações; por outro, e este parece ser o factor mais importante, pretenderia obter uma justificação jurídica para fazer face às queixas, que ele, como teólogo, não teria, mas que o vigário-geral, canonista, com facilidade daria.

82 A justificação jurídica está, de facto, presente em cada ponto da resposta. Assim, para a satisfação dos testamentos e ordem que se mandou aos párocos para que mandassem rol dos que estivessem por cumprir nas suas freguesias “de alguma das quais vierão mais de quarenta, e parte delles feitos de quarenta e sincoenta annos pertencentes todos a este Juízo”, invocava-se a concordata e “Themudo decis. 350”. Sobre a sua competência como juiz do resíduo eclesiástico para proceder assim “he rezolução assentada em Direito, e ponto que não padece a menor duvida”. Quando se mandava aos testamenteiros que apresentassem os testamentos, ou, no mínimo, treslados autênticos “(que he o que não deve ser), disto se queixão amargamente”, apesar de estar conforme o estabelecido na Ordenação do Reino, “livro 1, titulo 64”. As certidões que se apresentavam não vinham juradas nem reconhecidas, e quando se passou a exigir que o fossem pelo pároco e escrivão do resíduo,

“disto se formão grandes queixas; sendo que esta compayxão que uso com elles me deixa escrupulozo de não proceder na forma da Ley e Ordenação do Reyno, lib. 1, título 62, § 2, et ibi. Pegas Glos. 27; aonde dispoem que não se leve em conta o que os testamenteiros expendem sem ser em prezença de tabalião (…); o que se deve observar no Juízo Eccleziastico, como diz Themudo Decis. 16, nº5”186.

E o texto prosseguia neste tom, sublinhando as queixas que, apesar da aparente brandura com que o vigário geral aplicava a lei, não deixavam de se fazer ouvir, e apresentando, para todas as situações, os fundamentos legais que sustentavam as decisões. Outros assuntos inventariados são as contas das confrarias, (uma preocupação que atravessará todo o episcopado); os exames para confessores e a apresentação de certidões de genere para clérigos, bem como os patrimónios necessários à ordenação, de que os visados se queixam “dizendo que o rigor he demaziado; e que bastava observar o estylo do bispado”; os breves apostólicos para interstícios, extra tempora e outros que agora só se aceitam com justificação e, também, a falta de róis de confessados, que os párocos haviam de se apresentar até à Quaresma e que ainda estavam em falta no princípio de Outubro, o que levou à concessão de um prazo de quinze dias para regularizar a situação, do que logo reclamaram “muito offendidos, e de que agora se lhes faça o que nunca se lhes fez”. Para se justificarem, disseram os párocos que não tinham mandado os róis por ainda haver gente por confessar, “erro peyor que o

83 primeyro”, porque se deviam ter excomungado os que não se desobrigaram dentro dos prazos da Constituição.

Este assunto levou à questão dos “espaçados”, termo cujo sentido o vigário- geral procurou esclarecer, tendo-lhe sido dito que se referia às mulheres expostas, aos amancebados e aos pecadores públicos que admitiam o estado em que andavam, mas não podiam ser absolvidos, ficando, portanto, numa espécie de limbo. O vigário-geral mandou proceder contra eles, dando-lhes um mês para se confessarem, “alias fossem declarados: o que se fez com tão bom sucesso que, por graça de Deos, todos se cofessarão e desobrigarão”, apesar da oposição que lhe moveram os “letrados mais authorizados da terra”. Os párocos também não procediam contra os que não iam à missa nem ensinavam doutrina aos filhos, justificando-se com o facto de o texto do Concílio de Trento usar a palavra “moneat”, que os obrigava a admoestar, mas não a punir, o que se resolveu explicando que o “moneat” excluía a excomunhão mas contemplava as penas pecuniárias que se passaram a aplicar, não sem que mais uma vez se comentasse que “tudo isto se estranha, e por isso há queixas”. Reclamava-se, igualmente, de se terem deixado de admitir os casamentos sem banhos e os que se realizavam de noite em casa dos contraentes, “dizendo que sempre foi estylo neste bispado deferirse a tudo isto; e que agora parece inclemência querer encontrar hum costume tão antigo, e recebido no dito bispado”. O mesmo se passava com o casamento sem confissão prévia, que passou a ser inaceitável, invocando-se para isso a Constituição do bispado, título 10, constituição 2ª, o Concílio de Trento e os textos constitucionais de outras dioceses. E o vigário geral concluía observando que “Isto he, Senhor, o que se obra, e estes os fundamentos porque se faz, e porque se não seguem alguns costumes que neste Bispado havia: tudo Vossa Illustrissima mandou assim na sua pastoral fundado nos textos e nos doutores citados, e em outros mais que por não molestar, deixo de referir” e se os “vexados” se acharem oprimidos pelos ditos procedimentos “podem recorrer a Tribunal Superior, ou a Vossa Illustrissima que sempre hade mandar e determinar o que for mais serviço de Deos”187.

O Dr. Bernardo Rodrigues Nogueira, justificando-se sempre com o preceituado jurídico que foi invocando (as constituições do bispado, o Concílio de Trento, as leis do reino, as opiniões dos doutores), demonstrou que não se excedera no cumprimento da pastoral do prelado e que todas as suas acções eram indispensáveis para a concretização

84 da reforma de que o bispado precisava urgentemente. Mas não deixou de sublinhar as fortes resistências que já se desenhavam, advindas sobretudo do clima de relativa impunidade até então vigente, e que deixavam antever os tempos difíceis que se avizinhavam, caso persistissem naquele rumo. D. Frei Manuel Coutinho, contudo, não pedira aquelas justificações para avaliar o mal-estar da população com vista a arrepiar caminho. A convicção de que a lei estava do seu lado e de que aquela linha de rumo se impunha a bem da salvação das almas das suas ovelhas, apenas serviu para fortalecer a determinação de continuar a cumprir o seu programa, como efectivamente fez.

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2 – Espirituais

2.1 – A doutrina

A intervenção reformadora de Trento operou-se a diversos níveis: redefiniram- se dogmas, reafirmaram-se princípios, estabeleceram-se normas disciplinares, promoveram-se devoções, e como não podia deixar de ser, também se equacionaram as formas de levar a mensagem desta Igreja transformada aos crentes, base da pirâmide e últimos destinatários da renovação tridentina188. O Concílio, na sua sessão XXII,

capítulo 8, determinava que “as ovelhas de Christo não tenhão fome, e os pequeninos não peção pão, e não haja quem lho reparta”, para o que propunha que os pastores e os curas de almas, durante a missa, “exponhão frequentemente (…) alguma daquellas cousas que se lem na Missa, e entre o mais declarem algum mistério deste santíssimo Sacrifício, principalmente nos Domingos e Festas”189.

A responsabilidade deste processo de esclarecimento dos fiéis cabia, em primeiro lugar, ao bispo que, se por um lado vira os seus poderes substancialmente alargados pelo Concílio, por outro registara também um correspondente aumento das obrigações, uma das quais era, precisamente, a da condução dos fiéis pelos caminhos das novas práticas de Trento. Mas, obviamente, não poderiam ser os prelados a executar pessoalmente a imensa tarefa da doutrinação das massas, pelo que aquilo que se esperava deles era o controlo eficaz dos párocos e capelães aos quais estava cometida a execução desse trabalho. O Concílio, que redefinira as atribuições dos prelados, também não esquecera o papel dos párocos, ciente que estava da importância que um clero bem preparado teria na consecução dos seus objectivos. A criação dos seminários foi uma das estratégias encontradas para realizar aquele desígnio, e o programa de estudos, que incluía instrução “na Sagrada Escritura, livros Eclesiásticos, homilias de

188

Sobre o amplo programa de reforma tridentina ver, por exemplo, Hubert Jedin, Historia del Concilio

de Trento, Pamplona: ed. Universidade de Navarra, 1981, 2 vols, Adriano Prosperi, Il concilio di Trento e la controriforma, Trento: ed. U.C.T., 1999, Jean Delumeau e Monique Cottret, Le catholicisme entre Luther et Voltaire, Paris: P.U.F, 6ª edição, 1996 (1ª edição de 1971).

86 Santos”, o meio escolhido para a preparação dos futuros educadores doutrinais190. Esta

iniciativa foi ainda complementada por um aumento da publicação de catecismos, obras de carácter pedagógico concebidas na base da pergunta/resposta destinadas a facilitar o processo de ensino e, ao mesmo tempo, a garantir alguma uniformidade na abordagem doutrinal por toda o mundo católico191. A catequese, palavra que tem origem no termo

grego katecheô que significa ressoar, ou fazer eco, é um processo didáctico de base eminentemente oral que assenta na repetição das perguntas a que corresponderá, com o tempo, um acerto nas respostas, e, espera-se, uma interiorização dos conceitos192. A

opção por este método explica-se pelas elevadíssimas taxas de analfabetismo das populações que, inviabilizando a possibilidade de uma aprendizagem mais solitária, com base na leitura, obrigava igualmente a um ensino muito presencial e dispendioso em termos de tempo. A doutrinação devia ser feita, em princípio, na estação da missa, e consistia, como se viu pelo texto conciliar, na explicação dos mistérios daquele sacrifício, a que se juntava, ainda, a leitura de um capítulo de “doutrina christã”, a aprendizagem das principais orações, o Pai Nosso, a Avé Maria, o Credo, a Salve Rainha, dos Mandamentos da lei de Deus e da Igreja, e da lista dos pecados mortais “tudo em lingoagem”, conforme preconizavam as Constituições Synodais do Bispado do

Funchal193. A estação da missa era um momento privilegiado para o desenvolvimento do

processo de aculturação religiosa que se pretendia levar a cabo, uma vez que era o único período da celebração em que se fazia o uso da língua materna194. A interiorização do

190O sacrossanto e Ecuménico…, vol. II, sessão XXIII, capítulo 18, p. 203. Sobre o papel dos seminários

e o seu contributo para a formação do novo modelo de pároco, ver Fernando Taveira da Fonseca, entrada “Ensino - Época Moderna”, e Manuel Clemente, entrada “Seminário” em Carlos Moreira de Azevedo, (dir.), Dicionário de História Religiosa de Portugal, vols. II, pp. 110-129 e IV, pp. 220-225, e Dominique Julia, “La formation du clergé dans l’espace catholique occidental (XVIe

-XVIIIe siècles)”, em Maurizio Sangalli (dir.), Pastori, pope, preti, rabini. La formazione del ministro di culto in Europa (Secoli XVI-

XIX), Roma: ed. Carocci, 2005. Sobre estes e outros modelos de formação clerical ver ainda José Pedro

Paiva, “Os Mentores”, em Carlos Moreira de Azevedo, História Religiosa de Portugal, vol. II, pp. 214- 215. Informações sobre a formação local do clero madeirense encontram-se em Henrique Henriques de Noronha, Memorias Seculares…, pp. 303-305, Fernando Augusto da Silva, Subsídios…, pp. 268-280, Abel A. Silva, “Seminário do Funchal”, em Revista das Artes e da História da Madeira, nº 34, 1964, pp. 1-12 e nº 35, 1965, pp. 12-21, Rui Carita, O Colégio dos Jesuítas do Funchal, Funchal: ed. SRE, 1987, 1º vol., pp. 39-43, e Jesus Maria de Sousa, “Os jesuítas e a RATIO STUDIORUM. As raízes da formação de professores na Madeira”, em Islenha, nº 32, 2003, pp. 26-46.

191 Sobre a produção e importância dos catecismos ver João Francisco Marques, “A palavra e o livro”, em

Carlos Moreira de Azevedo (dir.), História Religiosa de Portugal…, vol. II, pp. 382-385 e Federico Palomo, A Contra- Reforma em Portugal…, pp. 70-72.

192

Em relação à etimologia da palavra, João Francisco Marques, op. cit.,, p. 380.

193 Constituições Synodaes do Bispado do Funchal, feytas & ordenadas por D.Ieronymo Barreto Bispo do

dito Bispado, Lisboa: MDLXXXV, título 12, Constituição IV, p. 74.

194

Outros pontos referidos pelas Constituições e que também deviam ser abordados na estação da missa eram, por exemplo: a encomendação do aumento da Santa Madre Igreja e do estado Real; a oração pelos

87 preceituado era condição sine qua non para que todos os restantes princípios de Trento fossem cumpridos, na medida em que dela dependia a correcta distinção entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, entre a salvação e o pecado, entre o católico e o protestante, entre a ortodoxia e o desvio à norma. Apesar do cuidado posto na elaboração dos procedimentos e do investimento na formação dos agentes, a doutrinação efectiva dos fiéis revelou-se um processo difícil e moroso, que foi, como se disse, objecto de grandes preocupações dos bispos no exercício das suas funções. D. Frei Manuel Coutinho não constituiu uma excepção e, apesar de assumir um bispado cerca de século e meio depois de Trento, ainda o encontrou muito falho de doutrina e cheio de pessoas rudes. Sobre a forma como o bispo encarou o problema, diz a autor das Memorias … que “neste ponto se esmerou o Prelado deixandose ver nelle hum cuidado que parece excedia a todos os mais que lhe davão os negocios da sua Diocese”, e apesar de a ignorância da doutrina não figurar na lista dos principais problemas do bispado elaborada pelo vigário-geral e já atrás referida, ela constituiu um dos assuntos que atraiu a atenção do bispo que, logo na visita que efectuou ao Porto Moniz, a 10 de Julho de 1726, se lhe referiu nos seguintes termos:

“Primeyramente avizamos, e exhortamos a todos os freguezes desta nossa Parochia se convertão a Deos de todo o coração, e acordem do letargo mortal dos muitos vicios, e peccados, em que os achamos adormecidos, descuidados do eterno, cegos da ambição e do odio, ignorantes dos mistérios da Nossa Santa Fe, que lhes importa saber para se salvarem: e aos reverendos padres, vicevigario e cura desta Igreja exhortamos da mesma sorte e rogamos per viscera Jesu Christi que não cessem de chamar e abrir os olhos a este povo cego, dandolhe doutrina de que está tão falto, e necessitado (…)”195.

que estavam em pecado mortal, pelas almas do purgatório e pelos que andavam no mar; a solicitação a que se faça esmola aos pobres da freguesia; a indicação dos dias santos daquela semana; a leitura dos banhos para os que se queriam casar; o alerta para as coisas perdidas ou furtadas, desde que não fossem leves; a publicação das cartas do bispo ou do vigário geral; a admoestação aos que não vinham à igreja; a repreensão geral aos que não guardavam os dias santos nem respeitavam o jejum (sem identificação dos visados), e aviso de que se deviam confessar; o lançamento “para fora” dos que andavam evitados dos ofícios divinos e, finalmente, a leitura de uma ou duas das constituições que se destinavam ao povo conforme consta das Constituições Synodaes…, p. 75. A duração de todas estas actividades impedia que a estação se fizesse em todas as missas, pelo que, geralmente, se fazia apenas na missa de terça, ou seja na missa que se celebrava às 9 horas da manhã e que era a principal. Sobre a importância do momento da estação da missa, ver João Francisco Marques, op. cit., pp. 393-394, e Maria Fernanda Enes, Reforma

Tridentina e religião vivida…, pp. 77-81.

195 ARM, APEF, doc. 270, Memorias dos acontecimentos…, fl. 120, e ARM, RP, Porto Moniz, Livro de

Visitação da Igreja de Nossa Senhora da Conceição do Porto Moniz, 1656-1795, fl. 152v. A razão por

que a ignorância da doutrina não figurava no primeiro enunciado de problemas apresentado pelo vigário geral é a de que àquele clérigo interessavam, sobretudo, aspectos jurisdicionais e o problema da doutrinação só remotamente se enquadrava nesse âmbito. A questão acabou, no entanto, por ser tratada no texto das explicações dadas pelo vigário geral, com uma chamada de atenção para o entendimento que se

88 O ensino da doutrina continuou a ser um topos no decurso das visitas, sendo raros os provimentos que não lhe faziam referência196. Ainda em 1726, na visita a S.

Pedro, o bispo, apesar de louvar o zelo do pároco na catequização dos fregueses, não deixava de lhe recomendar que não cessasse de obrigá-los “por todos os modos e meyos, a que venhão ouvir e aprender a doutrina, no que lhe encarregamos muito a consciência e lhe pediremos disto estreyta conta” e, logo no ponto seguinte, revelava que sabia que alguns senhores de escravos “tinhão grande omissão em mandar catequizar os servos que se bautizarem”, pelo que o vigário ficava encarregado de advertir e obrigar os tais senhores a enviar, sem demora, os escravos à doutrina e, caso o não fizessem, de informar o bispo para que se tomassem as providências necessárias197. Em 1728, em S. Jorge, o bispo manifestava-se chocado com a ignorância

dos fiéis, a qual lhe causava “grande dor e lastima”, sobretudo por se ficar a dever à omissão do vigário, o qual, por sua vez, se desculpava com o virem os seus fregueses tarde para a missa. Para obviar à situação, D. Frei Manuel determinou que o pároco não deixasse passar Domingo ou dia santo algum sem fazer doutrina, e que mandasse vir o povo “a horas competentes, em modo que antes da missa de terça fique huma hora livre para lhes fazer a doutrina”, e quando, pela solenidade do dia ou por haver confissões, faltasse o tempo de manhã, o fizesse comparecer à tarde “obrigando a vir os

havia de dar ao termo “moneat”, conforme já se disse no ponto anterior. No episcopado de D. Frei Manuel Coutinho, com efeito, passou-se muito além das admoestações para onde remetia o “moneat”, e em casos extremos, chegou-se à aplicação de penas de prisão para os que não vinham ou não faziam vir os seus dependentes à doutrina, como adiante se verá.

196 A preocupação com a doutrinação era tão dominante em D. Frei Manuel Coutinho que, quando

assumiu a mitra de Lamego, apesar de o seu estado de saúde não lhe ter permitido que ocupasse presencialmente o lugar, mandou publicar, através do seu vigário geral, o já conhecido Dr. Bernardo Rodrigues Nogueira, um edital sobre a obrigatoriedade do ensino da doutrina, assunto que fora também abordado na única pastoral que dirigiu à sua nova diocese. Ver M. Gonçalves da Costa, História do

bispado e cidade de Lamego…, vol. V, p. 48. Por outro lado, há que constatar que o esforço em prol da

doutrinação não era, obviamente, exclusivo nem da época post-tridentina, nem da Madeira. A comprová- lo estão as menções ao processo de educação doutrinal que já se encontravam entre 1462 e 1524 na Igreja de São Miguel de Torres Vedras, e que constam de livros de visitação estudados por Isaías da Rosa Pereira, no artigo intitulado “Visitações da Igreja de São Miguel de Torres Vedras (1462-1524)”, publicado em Lusitânia Sacra, 2ª série, tomo VII, Lisboa: 1995, pp. 181-252, e por Manuel Clemente, “Clero Torriense na transição para a modernidade. As visitações da igreja de S. Miguel”, em Lusitânia

Sacra, 2ª série, tomo XI, Lisboa: 1999, pp. 355-360. Por outro lado, noutros espaços encontram-se

preocupações idênticas, comprováveis, em terras açorianas, por exemplo, em pleno século XVII, onde se