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2 O DESENVOLVIMENTO E A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO

3.2 A GARANTIA FUNDAMENTAL À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

3.2.2 Classificação doutrinária e conceito jurídico

Alguns autores, como André Nicolitt, classificam a razoável duração do processo como um direito fundamental. Nas palavras desse autor, “Trata-se de um verdadeiro direito subjetivo público, autônomo e de índole constitucional”271. No

entanto, há outros autores que a classificam como uma garantia fundamental. Isso porque, na visão dos constitucionalistas, há uma distinção entre direitos fundamentais e garantias fundamentais. Segundo Dimitri Dimoulis e Leonardos Martins, “As garantias fundamentais correspondem às disposições constitucionais que não enunciam direitos, mas objetivam prevenir e/ou corrigir uma violação de direitos”272.

Em resumo, os teóricos do Direito Constitucional realizam uma distinção entre direitos fundamentais e garantias fundamentais, em especial aqueles que dedicam seus estudos à Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Nesse sentido, José Afonso da Silva destaca que os direitos fundamentais são bens e vantagens garantidos por lei, ao passo que as garantias fundamentais constituem meios hábeis a garantir esses direitos273.

Então, para esse autor, as garantias são instrumentos destinados a assegurar o exercício e o gozo dos direitos fundamentais.

Já para outros autores, a exemplo de J.J. Canotilho, as garantias são também direitos, apesar de seu caráter instrumental de proteção de direitos fundamentais. Então, elas representam o direito do cidadão de exigir do Estado o reconhecimento e a proteção de seus direitos274. Para Paulo Bonavides, as garantias fundamentais existem em face da

proteção de valores e interesses, desse modo, resguardam os direitos fundamentais frente às atuações desmedidas do Estado275. Para esse autor, as garantias fundamentais

fazem efetivos os direitos fundamentais.

Sobre essa temática, é importante frisar que a Constituição brasileira menciona a Carta de Direitos Fundamentais com o título “Direitos e Garantias Fundamentais”, portanto, sinaliza que adota essa metodologia de diferenciação entre direitos e garantias

271 NICOLITT, André. A Duração Razoável do Processo. 2. ed. ver e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 37.

272 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 82.

273 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 41. ed. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 415-422.

274 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra. Almedina. 7. Ed. 2004, p. 396.

fundamentais. Logo, convém observar essa distinção realizada tanto pela doutrina como pela legislação entre direitos e garantias, no intuito de melhor entender a natureza jurídica do preceito constitucional ora estudado, para compreender suas características e seus desdobramentos no ordenamento jurídico pátrio.

É importante observar que as garantias fundamentais funcionam como instrumentos responsáveis por efetivar os direitos fundamentais por elas tutelados. E elas estão sempre ligadas aos direitos fundamentais e asseguram a possibilidade de se exigir do Estado o efetivo cumprimento desses. Na verdade, as garantias fundamentais exercem função protetivo-garantidora dos direitos fundamentais. Aponta Ingo Sarlet que, “[...] a maioria destes direitos-garantia encontram-se vinculada ao direito penal, processo penal e direito processual em geral”276.

Além disso, quando se trata da garantia fundamental à razoável duração do processo, a situação é ainda mais peculiar porque o direito a ter um julgamento dentro de um prazo razoável e justo carrega consigo a lisura de muitos outros direitos. Na mesma perspectiva, Aury Lopes Júnior relembra que, “a lista de direitos fundamentais violados cresce na mesma proporção em que o processo penal se dilata indevidamente”277.

Assim, a distinção entre direito fundamental e garantia fundamental realizada pela doutrina e pela legislação constitucional organiza os preceitos basilares para que eles sejam classificados de forma a facilitar o seu entendimento e a sua aplicação prática. No entanto, também e de grande relevância compreender essa classificação como apenas uma metodologia para melhor entender esses preceitos fundamentais, portanto, mais importante do que estabelecer uma diferenciação entre direitos fundamentais e garantias fundamentais, é compreender o que eles significam, em outras palavras, a substância e o conteúdo por eles representados.

Dessa maneira, independentemente de classificar a razoável duração do processo como direito ou garantia, é primordial absorver que ela está contida em núcleo mínimo de direitos humanos fundamentados na dignidade da pessoa humana, ou seja, de toda forma, direitos e garantias fundamentais são, igualmente, direitos humanos. Além disso, sabe-se que existe o direito material e o direito processual (garantias), e, nesse

276 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 179- 180.

caso, a razoável duração do processo é um direito processual (garantia), porque ela só existe dentro de um processo.

Ademais, sobre a formulação de um conceito para o termo jurídico razoável duração do processo, é possível observar que também não há um consenso doutrinário sobre o assunto. Para Paulo Rangel, ela compreende uma norma programática278. Já

para André Nicolitt, o termo compreende um preceito jurídico vago e indeterminado279.

No mesmo sentido, segue Vivian Cruz dos Santos, para quem a formulação de um conceito depende de construções doutrinárias e jurisprudenciais, assim como, deve possuir como “núcleo essencial da garantia o trâmite processual sem dilações indevidas”280. Já Humberto de Moura entende que “[...] o direito à duração razoável do

processo tem o inconveniente de lidar com dois conceitos indeterminados, quais sejam, a própria definição ou convenção do termo tempo, bem como duração razoável”281.

Em que pese a constatação dos autores acima, entende-se que o Estado Democrático inspira o modelo constitucional de processo, portanto, nele é possível construir um conceito para a razoável duração do processo como sendo a garantia a um processo sem dilações indevidas e sem acelerações que suprimam o exercício dos direitos e garantias fundamentais. Desse modo, a razoável duração do processo compreende o intervalo de tempo necessário e suficiente, no qual o processo se desenvolva sendo capaz de assegurar todos os direitos e garantias fundamentais pertencentes ao acusado.

Nessa construção sobre a razoável duração e o modelo constitucional de processo, ao observar as lições de José Alfredo Baracho, Carlos Marden afirma que, “tem-se portanto, a proposta de que o tempo processual seja percebido como tempo devido do processo, ou seja, aquele tempo que o processo precisa para cumprir a sua função, enquanto metodologia de garantia de direitos fundamentais”282.

278 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 116.

279 NICOLITT, André. A Duração Razoável do Processo. 2. ed. ver e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 39-40.

280 SANTOS, Vivian Cruz dos. O Princípio da Razoável Duração do Processo. Rio de Janeiro, 2014, 27 p. Trabalho de conclusão de curso de pós-graduação. Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, p.13.

281 MOURA. Humberto Fernandes de. Duração Razoável do Processo: análise de seus pressupostos e contribuição para definição de parâmetros objetivos. Universitas Jus, Brasília, v. 25, n. 2, p. 115-125, 2014, p. 116.

282 MARDEN, Carlos. A Razoável Duração do Processo: o fenômeno temporal e o modelo constitucional processual. Curitiba: Juruá, 2015, p. 110.

Enfim, apesar das controvérsias que circulam em torno da razoável duração do processo quanto a sua classificação doutrinária e da formulação de um conceito jurídico para o termo, sabe-se que tal preceito constitucional possui natureza jurídica de garantia fundamental ou direito fundamental (como preferem chamar alguns doutrinadores). Assim como, há uma dualidade na doutrina, na qual uma parte dos autores a classificam como conceito jurídico indeterminado e a outra como norma programática.

E em relação à formulação de um conceito, a doutrina aponta para a impossibilidade de sua definição por ser o termo um conceito jurídico vago ou indeterminado. Porém, sob o prisma do modelo constitucional de processo, é possível afirmar que a garantia fundamental à razoável duração do processo compreende o desenvolvimento processual sem dilações indevidas e com o intervalo de tempo necessário e suficiente para que todos os direitos e garantias fundamentais sejam assegurados ao acusado.

Ademais, conforme já foi visto no tópico 3.2.1, a razoável duração do processo nasce na era das constituições e, de início, não recebeu essa nomenclatura. A Magna Carta Inglesa de 1215283 afirmava que, “a ninguém retardaremos direito ou justiça”, no

século XVIII, Beccaria levantou a discussão sobre o assunto, quando tratou da rapidez da pena, na obra Dos Delitos e das Penas284. Em 1791, a Constituição dos Estados

Unidos da América definiu que, “Em todos os processos criminais, o acusado terá direito a um julgamento rápido e público”285. Posteriormente, essa garantia fundamental

se espalhou pelo globo e o termo razoável duração do processo passou a ser usado como expressão definidora do que seria a garantia processual de ter um julgamento dentro de um prazo razoável.

Então, com natureza jurídica de direito ou garantia fundamental, visto que está encartada na Constituição e compreende um princípio constitucional explícito, a razoável duração do processo, conforme foi visto no tópico 3.2.1 (Surgimento e incorporação ao ordenamento jurídico), faz parte do núcleo mínimo de direitos humanos

283 INGLATERRA. Magna Carta (1215). Disponível em: http://corvobranco.tripod.com/dwnl/magna_ carta.pdf. Acesso em 29 ago. 2020.

284 BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos Delitos e das Penas. Trad. J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 77-79.

285 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Carta de Direitos dos Estados Unidos da América (redigida

em 1789 e ratificada em 1791). Disponível:

universais ligados ao fundamento da dignidade da pessoa humana, portanto, é dotada de historicidade e todos os outros atributos inerentes aos diretos e garantias fundamentais.

À vista disso, nos Estados Democráticos Constitucionais, os ordenamentos jurídicos coadunam-se com um modelo axiológico valorativo e os direitos e garantias fundamentais revelam-se, geralmente, na forma de princípios. Por isso, a compreensão dessas normas requer uma interpretação sistemática, conforme o modelo de Estado no qual está inserido e os valores sociais e humanos por ele tutelados. Nesse passo, para melhor entender a garantia fundamental à razoável duração do processo, é preciso compreender os valores inerentes aos Estados Democráticos Constitucionais e o sentido e alcance dessa norma nesse sistema jurídico.