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2 O DESENVOLVIMENTO E A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO

3.1 O FENÔMENO TEMPORAL NO PROCESSO

3.1.1 O tempo objetivo, o tempo subjetivo e o tempo social

A tentativa de objetivar um conceito de tempo para que haja padronização e sincronização revela a existência de outro conceito de tempo, o qual possui relação direta com a subjetividade do observador. Assim, é possível afirmar que a diferença entre o tempo objetivo e o subjetivo está, intrinsicamente, relacionada com a capacidade de levar em consideração ou não a percepção de seu observador. Essa diferença entre o tempo objetivo e subjetivo é relatada por Giacomo Marramao como um referencial à relatividade do tempo da física moderna, considerando também que existe uma nítida diferença entre o tempo objetivo e o subjetivo e que esse último possui relação direta com a percepção do seu observador226.

Para o autor citado, há um elemento de dualidade no tempo, que pode ser percebido de forma quantitativa ou qualitativa. Essa constatação é retirada a partir da descrição de um tempo interior e outro exterior. O primeiro é o tempo sentido, percebido interiormente e difícil de ser expressado. Já o segundo é homogêneo e uniforme.

A Teoria de Einstein fez nascer a ideia de que a percepção do tempo é única e individual para cada um de nós, ao lado do tempo objetivo está o tempo subjetivo e psicológico. Em outras palavras, o tempo é relativo, depende da velocidade do seu observador e a sua percepção depende não somente de questões objetivas, mas também de fatores psicológicos relacionados com a espera da passagem do tempo por cada um.

Considerando que o acusado desenvolve expectativas para o desfecho do processo, para ele a espera pelo julgamento parece bem mais longa e dolorosa, pois ele aguarda o resultado sob a contagem de um tempo não meramente cronológico, mas, sobretudo, psicológico. Destaca Lopes Júnior que, “Na perspectiva da relatividade, podemos falar em tempo objetivo e subjetivo, mas primordialmente de uma percepção do tempo e de sua dinâmica, de forma completamente diversa para cada observador”227.

Nesse sentido, o envolvimento emocional do acusado e a geração de expectativas para o resultado do processo torna o tempo de espera relativo e com uma percepção baseada nas impressões subjetivas de ordem mais psicológica do que cronológica.

226 MARRAMAO, Giacomo. Kairós: apologia del tempo debito. Roma: Laterza, 2005, p. 9. 227 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 105.

Além do tempo objetivo e subjetivo, há também o tempo social. Niklas Luhmann é responsável por introduzir o conceito de tempo social. Inicialmente, é importante frisar que, para esse teórico, a sociedade é compreendida como um sistema autopoiético, no qual um sistema social se diferencia dos que estão ao seu redor e com eles se comunicam228. Segundo esse autor, a sociedade é um sistema complexo e

composto por vários subsistemas que trocam informações entre si sem perder suas características peculiares229. No mesmo sentido, ao analisar o universalismo da

globalização em Giacomo Marramao, Vagner Kuhn e Sara Brizolla afirmam que, “[...] para se conceber o universal não é como as diferenças se olham e sim como cada cultura se imagina e pensa o universal. Uma perspectiva de cada comunidade, com seus valores e suas próprias declarações de direitos fundamentais”230.

Do mesmo modo, para Luhmann, há uma influência da cultura sobre o tempo e, a partir da ideia da sociedade como sistema autopoiético, ele desenvolve a percepção social sobre o tempo231. Então, se a cultura exerce influência sobre a compreensão do

tempo, seria impossível que todas as sociedades o assimilem da mesma forma. Conforme o pensamento do autor, a percepção do tempo por uma determinada sociedade depende de suas experiências, então isso possui relação direta com as particularidades de cada cultura.

Assim, considerando a influência que a cultura das sociedades exerce sobre a percepção do tempo, sob a perspectiva do tempo social de Luhmann, é possível compreender a existência de vários tempos paralelos, com base em cada observador referência que pode ser uma pessoa, uma sociedade ou uma organização. Ao explicar o tempo social em Luhmann, Carlos Marden assevera que, “Existem, portanto, várias percepções e várias perspectivas que são interdependentes dentro da dinâmica social”232.

Enfim, o tempo social de Luhmann explica como cada sociedade dita o seu próprio ritmo de passagem do tempo e que existem várias perspectivas de percepção de

228 MARDEN, Carlos. A Razoável Duração do Processo: o fenômeno temporal e o modelo constitucional processual. Curitiba: Juruá, 2015, p. 68.

229 SIMIONATTO FILHO, Danilo; Cagliari, Cláudia Taís Siqueira. Tempo, Abandono de Paradigmas, institucionalização. Revista Eletrônica do Curso de Direito. Santa Maria, v. 5, n. 1, 2010, p.8.

230 KUHN, Vagner Felipe; BRIZOLLA, Sara Marina Pierine. A Filosofia da Globalização de Giacomo Marramao. Revista Jurídica Direito, Sociedade e Justiça. Dourados, n. 3, 2016, p. 2.

231 LUHMANN, Niklas. Introdução à Teoria dos Sistemas. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 209. 232 MARDEN, op. cit., p. 73.

tempo diferentes compondo uma mesma dinâmica social233. Em resumo, uma sociedade

e sua cultura influenciam diretamente na percepção do tempo por seus integrantes, o que representa o reflexo da cultura de um povo ou de um determinado grupo social sobre a percepção do tempo.

Por isso, o processo de estandardização do multiculturalismo, assim como a simples importação de modelos sem adequações não são apropriados, considerando que o universalismo não pode ser completamente homogêneo, além de que existem vários caminhos capazes de conduzir ao mesmo resultado. Então, a partir de uma ordem constitucional baseada em diferentes concepções de valores e direitos fundamentais, é possível fortificar e reconhecer uma universalização que acolha as diferenças e a pluralidade de culturas234.

Por outro lado, em que pesem as ideias do tempo subjetivo e do tempo social, a dinâmica adotada pelo direito é a do tempo objetivo (absoluto), dado o seu caráter uniformizador. No entanto, os conceitos de tempo subjetivo e tempo social são muito importantes para compreender a dinâmica processual da espera, sob a ótica do acusado e da sociedade. Em outras palavras, para o direito, impera a dinâmica do tempo objetivo como elemento padronizador da contagem do tempo, ao passo que, para o acusado e para a sociedade, opera-se a lógica dos tempos subjetivo e social, no que se refere à percepção de sua passagem, porém esses dois últimos não são levados em consideração pelo Direito.

Sobre essa constatação, Lopes Júnior aponta que apesar do tempo não ser algo absoluto, tanto do ponto de vista da física como de sua explicação subjetiva ou social, a concepção jurídica de tempo é a absoluta (objetiva). Para o autor, “O Direito só reconhece o tempo do calendário e do relógio, juridicamente objetivado e definitivo”. No entanto, há um contraste entre o tempo absoluto do direito e o tempo subjetivo do acusado e isso deve ser observado quando se analisa o direito de ser julgado dentro de um prazo razoável e as possíveis consequências da inobservância dessa garantia fundamental235.

233MARDEN, Carlos. A Razoável Duração do Processo: o fenômeno temporal e o modelo constitucional processual. Curitiba: Juruá, 2015, p. 73.

234 KUHN, Vagner Felipe; BRIZOLLA, Sara Marina Pierine. A Filosofia da Globalização de Giacomo Marramao. Revista Jurídica Direito, Sociedade e Justiça. Dourados, n.3, 2016, p. 2-4.