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2 O DESENVOLVIMENTO E A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO

3.1 O FENÔMENO TEMPORAL NO PROCESSO

3.1.3 O tempo devido do processo e o conceito de tempestividade

O tempo devido não é algo exato, preciso e minimamente calculado, porém ocupa lugar dentro de uma determinada margem de um período, reconhecendo que não há uma data exata, mas um período oportuno que comporta início, meio e fim. Essa constatação permite dizer que, dentro de um universo compreendido por um período preestabelecido, tanto a sua antecipação como o seu retardo representam intempestividade246.

Assim, a perspectiva de tempo kairológico resgatada da Antiguidade propõe trabalhar com um conceito de tempo mais detalhado, complexo e de forma qualitativa. Nesse sentido, Carlos Marden destaca que, “[...] desde a sua origem, a palavra ‘tempo’ sempre teve em si implícita a ideia de tempestividade, o que se deve ao fato de que o correspondente grego para o latim tempus não é chonos, mas sim kairós”247.

Então, na relação entre o tempo e o processo, o tempo devido deve ser entendido como a busca pelo equilíbrio existente entre a lentidão e a pressa. Portanto, afasta-se tanto das dilações indevidas quanto da rapidez arriscada, para dar o devido espaço ao tempo oportuno. Nas palavras de Carlos Marden, “o segredo da correta percepção do fenômeno do tempo consiste, então em buscar o equilíbrio entre a lentidão e a pressa, [...]”248.

Desse modo, a partir dos estudos sobre a definição e compreensão do tempo, é possível dar um novo significado à razoável duração do processo, com base na ideia do tempo devido e da tempestividade. Mas, ainda sim, permanece o questionamento se há

246 MARDEN, Carlos. A Razoável Duração do Processo: o fenômeno temporal e o modelo constitucional processual. Curitiba: Juruá, 2015, p. 97.

247 Ibid., p. 96. 248 Ibid., p. 93.

uma compreensão concreta do que seja razoável duração. O problema é que, por muitas vezes, o termo duração é entendido de uma forma simplificada como o intervalo de tempo existente entre a propositura da ação e resultado final do processo.

Nesse sentido, é importante destacar que, entre o início e o fim do processo, existem períodos de ociosidade, nos quais não estão correndo prazos para as partes e o processo permanece parado, sob a espera de um pronunciamento do juiz. Esse intervalo de tempo do processo em que nada acontece é considerado um tempo inútil. Para Carlos Marden, esse é o tempo morto, relembra o autor que a duração do processo é composta pela soma do tempo processual, no qual os atos e pronunciamentos acontecem, ao tempo morto249.

Essa divisão é importante, pois, a partir dela, torna-se possível analisar a razoável duração do processo de uma forma mais profunda e minuciosa. Isso porque é possível separar os casos complexos, nos quais a maior parte do tempo está ocupado pelos períodos em que os atos acontecem, dos casos de dilações indevidas, em que a maior parte do tempo é ocupada pelo tempo morto, em que nada acontece. Do mesmo modo, Carlos Marden afirma que o tempo processual “se apresenta como o tempo disponível e/ou necessário para que as partes possam exercer os seus direitos fundamentais processuais”250.

Com essa diferenciação, é possível buscar soluções que visem diminuir o tempo morto do processo. Na verdade, esse é o ponto de partida racional para se discutir a razoável duração do processo e a celeridade processual. As medidas que visem à redução do tempo de duração do processo devem atacar o tempo morto e não o tempo processual, que é o período no qual o processo se desenvolve para que sejam assegurados os direitos e garantias fundamentais pertencentes ao acusado. Na mesma linha de raciocínio, Aury Lopes Júnior constata a necessidade de redução do tempo burocrático, por meio do uso da tecnologia e da otimização de atos cartorários e até mesmo judiciais251.

Em resumo, Carlos Marden diferencia duração do processo de tempo processual. Assim, a duração do processo é como se fosse toda a vida do processo. Já o tempo processual, segundo o autor, compreende “o lapso temporal necessário para que sejam

249 MARDEN, Carlos. A Razoável Duração do Processo: o fenômeno temporal e o modelo constitucional processual. Curitiba: Juruá, p. 106.

250 Ibid., p. 107.

realizados os atos processuais essenciais para que o processo (enquanto procedimento em contraditório) atinja sua finalidade”252. Nessa ótica, o tempo considerado razoável

para a duração do processo é aquele em que há tempo necessário e suficiente para que sejam contemplados todos os direitos e garantias fundamentais do acusado253.

Dada essa afirmação, é importante reforçar que a razoável duração do processo compreende a justiça no tempo certo, por essa razão ela não pode significar aceleração do tempo processual. Isso ocorre porque, no processo criminal, a máxima proteção dos direitos e garantias fundamentais, sobretudo, o direito à ampla defesa, representa a medida e o freio da aceleração do tempo. Assim como, em razão de, no processo criminal, formalidade significar garantia e pressuposto do devido processo legal, ela não pode ser atropelada.

Segundo Aury Lopes Júnior, “O poder estatal de perseguir e punir deve ser estritamente limitado pela Legalidade, e isso também inclui o respeito a certas condições temporais máximas”254. Por isso mesmo, conforme a linha de pensamento do

autor, razoável duração do processo também não pode ser demora excessiva. Sobre essa construção, tem-se que, para o acusado, o processo que se delonga excessivamente no tempo compreende uma violação a uma garantia processual, já para a sociedade, representa impunidade aos infratores e descredibilidade do sistema jurisdicional.

Ao analisar o modelo de processo constitucional, José Alfredo Baracho afirma que, “Sobressai-se, nos pressupostos essenciais do Processo Constitucional, o direito à tempestividade da tutela jurisdicional. O processo é essencialmente dinâmico, pelo que não se exaure seu ciclo vital em apenas um instante”255. Assim, a justiça no tempo certo

contrapõe tanto a demora excessiva quanto a aceleração desmedida. Em outros dizeres, a razoável duração do processo irradia o seu comando a fim de que o responsável por aplicar o direito e realizar a justiça assegure uma resposta penal em um tempo razoável,

252 MARDEN, Carlos. A Razoável Duração do Processo: o fenômeno temporal e o modelo constitucional processual. Curitiba: Juruá, p. 105-106.

253 Segundo Carlos Marden, “Na verdade, o tempo a ser privilegiado é o tempo kairológico, assim entendido o tempo devido (oportuno). Esta alteração de perspectiva permite perceber que a melhor duração nem sempre é a cronologicamente mais curta, na medida em que a velocidade pode ser transformada em pressa e assim se terá por consequência a busca de uma duração tão breve torne inviável se alcançar a meta original pretendida.”

Ibid., p. 97.

254 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 128.

255 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria do Processo Constitucional. Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horinzonte, v. 90, p. 69-169, 2004, p. 79.

sem que isso represente violações aos direitos e garantias fundamentais pertencentes ao acusado.

Carlos Marden explica que o estabelecimento de limites temporais visando afastar tanto a pressa como a celeridade exige a alusão aos elementos externos e atemporais, a fim de relativizar o tempo256. A partir dessa concepção, entende-se que os

fatores subjetivos e sociais devem ser incorporados na construção de um espaço-tempo, observando-se também os elementos contributivos da Teoria da Relatividade de Einstein para compreender o tempo, acima de tudo, como um fenômeno complexo.

Outrossim, para o Carlos Marden, cada processo tem seu ritmo próprio, considerado a partir de sua complexidade e objetivos. Ele destaca que, “somente respeitando este ritmo é possível permitir que conclua todo o conjunto de eventos necessários ao aperfeiçoamento do fenômeno processual”257. Em que pese a excelente

contribuição do autor, ele afirma que cada processo tem seu ritmo, porém sabe-se que, na Jurisdição Criminal, é preciso haver limites ao jus puniend estatal, portanto, esse ritmo não pode ser absoluto e deve haver um limite temporal para a existência do processo.

Então, a garantia fundamental à razoável duração do processo compreende um meio termo, ou seja, no intuito de assegurar a proteção dos direitos e garantias fundamentais, ela desaprova tanto a dilação processual indevida quanto a aceleração processual desmedida. Dessa forma, a importância do tópico 3.1 e seus subtópicos consiste em desbravar concepções mais aprofundadas sobre o tempo e suas perspectivas de percepções, com o intuito de clarificar uma releitura da razoável duração e da celeridade processual em um sistema processual penal democrático, no qual se descarta tanto o imediatismo como a pressa na construção processual, esse é o tempo devido do processo.

256 MARDEN, Carlos. A Razoável Duração do Processo: o fenômeno temporal e o modelo constitucional processual. Curitiba: Juruá, p. 98.