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2 O DESENVOLVIMENTO E A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO

2.3 O MARCO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O MODELO CONSTITUCIONAL

2.3.3 O juiz das garantias

Atualmente, um tema de relevante importância relacionado com Estado Democrático Constitucional, o sistema/princípio acusatório e a razoável duração do processo, que vem sendo discutido pela comunidade jurídica, é a viabilidade da implantação do juiz das garantias no Brasil. Nesse sentido, a Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019, conhecida como Pacote Anticrime, prevê a criação do sistema no Brasil, no entanto, no primeiro semestre de 2020, o STF determinou a suspensão de sua implantação.

Nesse sistema, o juiz da fase investigatória não pode atuar novamente na fase de conhecimento (instrução e julgamento)182, uma vez que cabe ao juiz das garantias

proceder na fase de inquérito e investigação, sendo o responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos e garantias fundamentais do investigado, art. 3º-B, CPP183. Ao passo que, ao juiz do processo, cabe

funcionar na fase de conhecimento, a fim de afastar-se da fase de investigação e ter a sua imparcialidade, pressuposto fundamental da jurisdição, resguardada. Embora esse último possa ter o amplo acesso ao material colhido da fase pré-processual.

Atualmente, o juiz que conduz a fase processual é o mesmo que atua na fase de investigação, por força do critério da prevenção, art. 83, CPP184. Para Aury Lopes

Júnior, essa escolha brasileira é equivocada, pois o critério da prevenção – quanto se trata do juiz que atuou durante a fase de investigação – deveria ser regra de exclusão de competência, por revelar uma incompatibilidade psicológica em razão de todas as atividades da investigação com que teve contato185. Para Goldschmidt, há um erro

psicológico em confiar imparcialidade a um julgador envolvido na fase de investigação e esse foi um dos motivos para o declínio do sistema inquisitivo186.

O sistema do juiz das garantias não é novidade na pauta reformista do processo criminal brasileiro. Ele já constava no Projeto de Lei de um novo CPP de 2009, de iniciativa do Senado Federal, (Projeto de Lei do Senado nº 156)187. Na Câmara de

Deputados, converteu-se no Projeto de Lei nº 8.045/10188, mas, devido à escolha de uma

reforma penal em lugar da edição de um novo código, foi arquivado.

O modelo do juiz das garantias alinha-se ao sistema/princípio acusatório e veda qualquer iniciativa do magistrado na fase de investigação, além de reclamar não só o princípio do juiz natural, como também do promotor natural (art. 3º-A, CPP)189.

182Art. 3º-C. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código. 183Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, (...).

184 ANDRADE, Mauro Fonseca. Juiz das Garantias. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2015, p. 15.

185 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal: fundamentos da instrumentalidade constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 93.

186 GOLDSCHMIDT, James. Problemas Juridicos y Politicos del Proceso Penal: conferencias dadas em la universidad de madrid en los meses de diciembre de 1934, enero, febrero y marzo de 1935. Barcelona. Bosch. 1935, p. 29.

187 ANDRADE, Mauro Fonseca. Juiz das Garantias. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2015, p. 17-18. 188 Ibid., p 19.

189Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.

Nele, o magistrado da investigação atua em todos os procedimentos que dizem respeito à fase de investigação, a exemplo da prisão em flagrante, da temporária e da preventiva, das medidas cautelares, da produção antecipada de provas, da prorrogação do prazo para a conclusão do IP, do trancamento do IP, da interceptação telefônica, ou quaisquer outros atos inerentes à fase de investigação, considerando que o rol de procedimentos estabelecido pela Lei 13.964, de 2019, não é taxativo.

Contrário ao modelo do juiz das garantias, Mauro Andrade afirma que não está dito na Constituição que o Brasil segue o modelo acusatório de processo190. Além de

que, para o autor, designar um mesmo juiz para a fase de investigação e para fase de julgamento não significa adotar o sistema inquisitivo, porque o que marca o juiz inquisidor é ele participar da fase investigatória e acusatória como gestor da prova, o que não acontece no atual sistema brasileiro191.

Porém, em posição antagônica ao autor supramencionado, esclarece-se que, embora não esteja expresso na Constituição, o sistema/princípio acusatório é o adotado pelo Brasil e por todos os outros sistemas democráticos. Isso está implícito. Não é possível uma democracia ter como princípio informador de seu sistema criminal o inquisitivo. Até mesmo porque, conforme já dito por Goldschmidt, “[...] a estrutura do processo penal de uma nação não é mais do que o termômetro dos elementos corporativos ou autoritários de sua constituição”192. Ou seja, o modelo processual

brasileiro é o acusatório porque, após o paradigma da Constituição de 1988, não se vive mais o Estado autoritário, senão o democrático, que, por consequência, reclama o sistema/princípio processual penal acusatório.

Ademais, quando se fala de juiz das garantias, não se está mais combatendo o juiz inquisidor, o qual investigava e acusava ao mesmo tempo (juiz instrutor), essa é uma discussão superada e não mais passível de dúvida no sistema/princípio acusatório. Na verdade, o que se fala é na construção figura de um juiz garante, com competência específica para a fase investigativa e na garantia da imparcialidade da jurisdição. Para Walter Nunes, o juiz das garantias trata-se de um juiz da investigação e constitui uma

190 ANDRADE, Mauro Fonseca. Juiz das Garantias. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2015, p. 39. 191 Ibid., p. 40-42.

192 Para Goldschmidt, “Pode-se dizer que a estrutura do processo penal de uma nação não é mais do que o termômetro dos elementos corporativos ou autoritários de sua constituição”.

GOLDSCHMIDT, James Paul. Princípios Gerais do Processo Penal: conferências proferidas na Universidade de Madrid nos meses de dezembro de 1934 e de janeiro, fevereiro e março de 1935. Trad. Hilton Martins Oliveira. Belo Horizonte: Líder, 2002, p. 71.

das medidas que devem ser adotadas para eliminar a cultura inquisitiva e consolidar o sistema/princípio acusatório no Brasil193.

Nesse sentido, a designação de um juiz específico, diferente daquele que participou da fase de investigação, é uma técnica específica para afastar do julgamento possíveis intuições preconcebidas de um juiz que participou da investigação194. Em

outras palavras, a apreciação de assuntos que dizem respeito à fase da investigação criminal resulta na formação de juízos prévios ou preconceitos em relação ao acusado que podem comprometer o juiz psicologicamente e afetar a imparcialidade da jurisdição195.

No Brasil, o julgamento do ex-presidente Lula, na “Operação Lava Jato”, por um magistrado que atuou tanto na fase de IP como na fase processual ilustrou perfeitamente o comprometimento da imparcialidade de um juiz, quando ele atua na fase pré-processual e na fase processual196. No caso mencionado, não bastando

ilegalidades ocorridas ao arrepio do Estado Democrático Constitucional e do sistema/princípio acusatório, como a condução coercitiva do acusado e a divulgação de interceptações telefônicas inválidas197, o acusado ainda foi julgado pelo mesmo juiz que

atuou na fase pré-processual.

Em 06 de junho de 2019, questionado sobre sua imparcialidade ao CNJ, o ex- Ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro, à época juiz do processo, teve seu processo arquivado e sua suposta imparcialidade no caso reafirmada. Em que pese o resultado de tal processo administrativo, poucos dias antes, o jornal eletrônico The Intercept Brasil divulgou mensagens do aplicativo Telegram trocadas entre o ex-juiz Sérgio Moro e Procurador de Justiça do caso, Deltan Dallagnol, nas quais o ex- magistrado orientava o membro do Ministério Público Federal a como conduzir a

193 SILVA JÚNIOR. Walter Nunes da. Curso de Direito Processual Penal: Teoria Constitucional do Processo Penal. 2. ed. Natal: OWL, 2015, p. 125-126.

194 Destaca Walter Nunes que, “O escopo é afastar, o máximo possível, da fase preparatória o juiz incumbido do processo no qual será decidido se há bases para a condenação ou se o acusado deve ser absolvido, a fim de evitar o seu envolvimento com interesses investigatórios”.

Ibid., p. 126.

195LOPES JÚNIOR, Aury; RITTER, Ruiz. A Imprescindibilidade do Juiz das Garantias para uma Jurisdição Penal Imparcial: reflexões a partir da Teoria da Dissonância Cognitiva. Revista Duc in Altum Cadernos de Direito. V. 8. n. 16, set-dez, 2016, p. 58-59.

196RODAS, Sérgio. Moro Reconhece Erro em Grampo de Dilma e Lula, Mas Mantém Divulgação. Consultor Jurídico. Mar. 2016. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-mar-17/moro-reconhece- erro-grampo-dilma-lula-nao-recua. Acesso em: 07 abr. 2020.

197 Ainda que fosse válida, a gravação colhida em interceptação telefônica não poderia ter sido divulgada. Isso porque, a quebra de sigilo telefônico é uma medida de restrição de direito fundamental que se presta somente para fins de investigação criminal e não para objetivos midiático e políticos.

acusação contra o ex-presidente Lula no caso do tríplex198. Dessa forma, demonstrando

claros sinais da formação de juízos prévios e do comprometimento da imparcialidade do magistrado, característicos de um juiz instrutor e próprio do sistema inquisitivo.

A implantação do juiz das garantias em um sistema criminal que, embora seja acusatório, ainda não superou os resquícios do modelo inquisitivo, não parece nada fácil, sobretudo porque é necessário romper a cultura jurídica inquisitiva. Já experimentado na França, Itália, Portugal, Chile e Argentina, onde atualmente se encontram em funcionamento, o modelo do juiz das garantias foi duramente criticado no Brasil.

Após a promulgação da Lei 13.964, de 2019, a instituição do juiz das garantias foi impugnada por meio das ADIs 6298, 6299 e 6300, que pediram a declaração de inconstitucionalidade da norma. Em 15 de janeiro de 2020, o ministro do STF Dias Toffoli suspendeu por 180 dias a aplicação do juiz das garantias, mediante decisão liminar199. Em seguida, em 22 de janeiro de 2020, o ministro Luiz Fux, relator das ADIs

mencionadas, suspendeu a implantação do juiz das garantias por tempo indeterminado, nos autos da ADI 6305200, na qual também é designado relator.

O posicionamento do STF não surpreendeu a comunidade jurídica porque, já em 2008 e antes do Projeto de Lei que propunha um novo CPP, o STF já havia firmado, no julgamento do Habeas Corpus 92.893-5201, que o critério da prevenção não feria o

sistema/princípio acusatório.

Historicamente, o juiz das garantias foi instituído pela primeira vez na França, onde é chamado de juiz das liberdades e da detenção e possui fundamento no postulado da presunção de inocência e/ou não culpabilidade. O instituto também está intimamente relacionado com a busca pela persecução dos fins do sistema/princípio acusatório, o estrito controle da legalidade dos atos investigatórios e da máxima proteção dos direitos e garantias fundamentais do acusado. Além disso, compreende uma técnica estratégica

198ZANARDO, André. CNJ Arquivou Processos que Julgavam Parcialidade de Moro Dias Antes do Vazamento de Conversas. Justificando: Mentes Inquietas Pensam Direito. Jun. 2019. Disponível em: <http://www.justificando.com/2019/06/10/cnj-arquivou-processos-que-julgavam-parcialidade-de-moro- dias-antes-do-vazamento-de-conversas/>. Acesso em: 07 abr. 2020.

199 SUPREMO TRIBUNAL FEDRAL. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.298. Distrito Federal. Rel. Min. Luiz Fux. Fux. Dje. pub. 15/01/2020.

200 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 6.305. Distrito Federal. Rel. Min. Luiz Fux. Dje. pub. 22/01/2020.

201 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Habeas Corpus 92.893-5. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. j. 02/10/2008.

no tocante à realização do postulado da garantia constitucional da imparcialidade da jurisdição202.

A implantação do juiz das garantias altera toda a estrutura judiciária e, assim como qualquer mudança de cunho estruturante-inovador, gera resistência em uma parcela dos envolvidos. Não por acaso, duas das ADIs que se opõem ao juiz das garantias partem uma de iniciativa da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) e outra da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

E do mesmo modo que se operou a instauração do modelo acusatório na fase processual, com a promulgação da Constituição de 1988, a implantação do juiz das garantias na fase de investigação, com o Pacote Anticrime, também representará uma virada garantista e exigirá mudanças estruturais e fundantes em todo o sistema da fase de investigação. E como se observa, isso ou qualquer outra conquista que envolva direitos humanos não será fácil. Para o caso do juiz das garantias, envolverá um processo de luta pela desconstrução do império inquisitivo na fase de investigação.

Outro ponto fundamental consiste nas severas críticas que questionam o vício formal de iniciativa da proposta legislativo, sob o argumento de que, por envolver uma questão de estrutura judiciária, a Lei que instituiu o juiz das garantias deveria partir de iniciativa dos tribunais e não dos parlamentares. Sabe-se que haverá a necessidade de uma reorganização judiciária, no entanto, isso é uma consequência e não o próprio objeto da Lei que institui o juiz das garantias.

Nesse sentido, a implementação de tal instituto visa, como já dito, o controle da legalidade da investigação criminal e a salvaguarda dos direitos e garantias fundamentais do investigado. Portanto, embora tenha como uma das suas consequências de implementação o rearranjo da organização da estrutura judiciária, na verdade, a norma possui conteúdo de direitos e garantias fundamentais. E, conforme já ventilado neste capítulo, um dos pressupostos do constitucionalismo moderno é a vinculação dos três poderes da República ao cumprimento e respeito aos direitos e garantias fundamentais.

Por isso, a necessidade de aumentar o número de magistrados não pode ser fundamento impeditivo para a implementação do juiz das garantias, caso essa medida seja necessária, que se contratem novos juízes. Assim como, o sistema deve abarcar

202LOPES JÚNIOR, Aury; RITTER, Ruiz. A Imprescindibilidade do Juiz das Garantias para uma Jurisdição Penal Imparcial: reflexões a partir da Teoria da Dissonância Cognitiva. Revista Duc in Altum Cadernos de Direito. V. 8. n. 16, set-dez, 2016, p.75.

todas as instâncias, independente de possuir o investigado foro por prerrogativa de função ou não, pela simples justificativa de serem todos os cidadãos titulares dos direitos e garantias fundamentais, sem distinção em razão do cargo que ocupem. Já em relação processo de implantação, como toda e qualquer modificação no sistema jurídico, requer normas de disposição transitória, que devem ser fundamentadas na dogmática do direito intertemporal.

Na verdade, os argumentos sustentados pelas instituições que se opõem ao funcionamento do juiz das garantias amparam-se em completas abstrações infundadas, que, como tela de fundo, marcam a resistência ao do modelo acusatório e refletem os resquícios do sistema inquisitivo na cultura jurídica brasileira, sobretudo na magistratura.

E, de fato, a implementação de tal sistema requer um tempo para que o Poder Judiciário adapte sua estrutura, o que repercute na necessidade de edição de normas de organização judiciária e de dotação orçamentária para a realização de reformas estruturais. Porém, a necessidade de reestruturação dos tribunais não pode ser fator impeditivo à compatibilização do procedimento investigatório brasileiro com o sistema/princípio acusatório203. Assim como a implantação do Processo Judicial

eletrônico (Pje), o sistema do juiz de garantias exige uma força tarefa do Poder Judiciário e de seu órgão gestor de política administrativa interna, o CNJ.

Em síntese, apesar da Lei que trata da implantação do sistema do juiz das garantias, Lei 13.964, de 2019, resultar na alteração da estrutura interna do Poder Judiciário, em sua substância, o objeto da norma não se resume a isso, ele vai muito além. Em seu conteúdo, ela trata especificamente da proteção dos direitos e garantias fundamentais do investigado/acusado (preservação da imparcialidade da jurisdição), tanto que, no art. 3º B, explicita-se o dever do juiz das garantias de exercer o controle da legalidade e a salvaguarda dos direitos individuais (fundamentais), durante a

203 Relembra Aury Lopes Júnior e Ritter que, “Tal como a questão estrutural-orçamentária (que como se viu não serve de fundamento para objeção a reforma), igualmente infundada a invocação da razoável duração do processo para problematizar o novo instituto, considerando-se que é inadmissível a utilização de uma garantia fundamental (CF, art. 5o, LXXVIII) em favor do poder punitivo estatal(?), quando sua função é justamente a sua limitação. O rol do artigo 5º da Constituição impõe deveres para o Estado em face dos indivíduos e não o contrário. Logo, completamente equivocada, pra dizer o mínimo, qualquer interpretação nesse sentido”.

LOPES JÚNIOR, Aury; RITTER, Ruiz. A Imprescindibilidade do Juiz das Garantias para uma Jurisdição Penal Imparcial: reflexões a partir da Teoria da Dissonância Cognitiva. Revista Duc in Altum Cadernos de Direito. V. 8. n. 16, set-dez, 2016, p. 84.

investigação criminal. Por isso, ao julgar a constitucionalidade de tal Lei, o STF deve voltar seus olhares para a compatibilidade da norma com Estado Democrático Constitucional e com o sistema/princípio acusatório.

Ademais, outro argumento central utilizado pelo ministro Luiz Fux, relator das ADIs contra a implementação do juiz das garantias, foi a violação ao princípio da razoável duração do processo, utilizado pelo ministro de uma forma abstrata e sem a devida desenvoltura de justificativas e fundamentos. Na ótica do magistrado, o juiz das garantias vai atrasar o desenvolvimento das investigações criminais, resultando em um julgamento mais tardio.

Em que pesem as afirmações do Ministro, qualquer transformação de cunho estruturante que venha a ocorrer no Poder Judiciário exige planejamento, mudança de cultura jurídica e esforços para implantação. Isso porque, a implementação de reformas sem um eventual planejamento para a execução, decerto resultará em atrasos e congestão no sistema. Nesse aspecto, a razoável duração do processo é um argumento “coringa” para se opor à realização de qualquer mudança no sistema, por vezes, ela é utilizada de maneira indistinta e esvaziada de fundamento e serve à ala jurídica conservadora do comodismo e resistente às mudanças substanciais que devem orientar o processo criminal constitucionalizado.

Em síntese, tudo que de forma racional e justificada adiciona-se ao processo a fim de assegurar os direitos e garantias fundamentais não viola a razoável duração do processo, considerando que esse é um direito que deve coexistir em harmonia com os demais direitos e garantias fundamentais. E, ao passo que o juiz das garantias é um instituto que serve à proteção da legalidade da investigação criminal e a salvaguarda dos direitos e garantias fundamentais do acusado, bem como está compatível com o sistema/princípio acusatório, ele não entra em choque com a razoável duração do processo.

Nesse ponto, é possível notar que o sistema criminal se depara com outro problema, a razoável duração da investigação criminal. Contrário ao significado dado à razoável duração do processo pelo ministro da decisão, no Estado Democrático Constitucional, a investigação não pode durar infinitamente. Então, é provável que seja função do juiz das garantias zelar pela razoável duração da investigação criminal e não atrasar o processo, como aduziu o ministro.

E se a estrutura atual do judiciário não está adequada à implantação do sistema do juiz das garantias, que seja promovida a formação compatível aos juízes, o

aparelhamento das varas que serão destinadas à fase de investigação, a contratação de novos profissionais, aí também incluídos magistrados, ou quaisquer outras medidas necessárias para que sejam atendidos os fins da Lei 13.964, de 2019, no tocante ao juiz das garantias. Ou seja, o controle eficiente da legalidade da investigação criminal e efetiva salvaguarda dos direitos e garantias fundamentais do investigado.

A implantação do sistema do juiz das garantias é um exemplo de suma importância para entender tanto o sistema/princípio acusatório como a maneira pela qual o princípio da razoável duração do processo é utilizado pelas autoridades judiciárias, muitas vezes, de forma banalizada e sem a devida análise crítica.

É como se qualquer tempo acrescentado à investigação ou ao processo, em razão da observação e cumprimento de outros direitos e garantias fundamentais do investigado ou acusado, entrasse em conflito com a garantia fundamental à razoável duração do processo. Quando, na verdade, a razoável duração não significa menor tempo de duração, mas duração necessária e suficiente para conclusão da investigação ou processo com a devida observação aos direitos e garantias fundamentais da pessoa investigada ou acusada.

Em outras palavras, os intérpretes do direito pouco dominam os conceitos relacionados ao tempo no processo e na investigação. Por isso, não raras vezes, confundem os termos, os vocábulos, as finalidades dos institutos e misturam a noção dos instrumentos que compõem os meios com aqueles que representam os fins da