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Classificação e mensuração pelas normas prudenciais

Conforme apresentado no item 2.3, por meio da Circular nº 3.068/2001, o Bacen adota, contabilmente, a classificação dos instrumentos financeiros em três categorias: mantidos até o vencimento, títulos para negociação e disponíveis para venda.

No tocante à Basiléia, a segregação ocorre em apenas duas categorias: trading e banking. Considerando as características das atividades dos bancos, o Joint Working Group of Banking Associations on Financial Instruments - JWGBA (1999, p. 10) define que as atividades de

banking consistem na obtenção de recursos e o seu investimento em ativos com o intuito de

obter lucros com a margem entre o montante recebido de juros sobre os ativos e o montante pago de juros sobre os passivos. Quanto às atividades de trading ou non-banking, por sua vez, o JWGBA (Ibid, p. 11) define como aquelas cujo objetivo é obter lucros de curto prazo, oriundos de flutuações nos preços de mercado.

Assim, de acordo com a estrutura conceitual revisada pelo Basel Committee on Banking

Supervision - Comitê da Basiléia para Supervisão Bancária31 (BCBS, 2004, p. 150-151):

Trading book consiste em posições em instrumentos financeiros e mercadorias mantidas tanto com

intenção de negociação ou para proteger outros elementos do trading book. Para ser elegível ao tratamento de capital do trading book, instrumentos financeiros devem ser livres de qualquer cláusula restritiva em sua negociação ou ser capaz de ser protegido completamente. Adicionalmente, posições devem ser, frequente e precisamente, valorizadas e a carteira deve ser ativamente gerenciada.32

A referida estrutura conceitual acrescenta que as posições mantidas com intenção de negociação são aquelas mantidas intencionalmente com o intuito de revenda no curto prazo e/ou para a obtenção de benefícios com a variação em preços ou para lucros em arbitragens. E, para ser elegível à classificação no trading book, os seguintes requisitos básicos devem ser atendidos:

a) a estratégia de negociação precisa estar claramente documentada e aprovada pela gerência responsável;

b) as políticas e procedimentos devem estar claramente definidos, para o gerenciamento ativo das posições, incluindo:

o posições que são gerenciadas na mesa de negociação;

o os limites de posições devem ser definidos e monitorados quanto à adequada aplicação;

o a autonomia aos negociadores de assumir posições dentro de um limite definido e conforme a estratégia documentada;

o as posições são marcadas a mercado no mínimo diariamente e quando os parâmetros do modelo usado precisam ser calculados diariamente;

o as posições são reportadas ao gerenciamento responsável como parte integral do processo de gerenciamento de risco e

31 Comitê estabelecido em 1974 pelos países do G-10, que tem por objetivos básicos a manutenção da

estabilidade dos sistemas financeiros e a mitigação do risco sistêmico. Sua atuação vincula-se à formulação de padrões mínimos de supervisão, recomendações de melhores práticas e ao encorajamento à convergência de critérios de supervisão bancária. Atualmente, o Comitê conta com a participação dos seguintes membros: Alemanha, Bélgica, Canadá, Japão, Estados Unidos, Holanda, Itália, Reino Unido, França, Suécia, Suíça, membros do G-10, acrescidos de Luxemburgo e Espanha. Doravante Comitê da Basiléia.

32 “A trading book consists of positions in financial instruments and commodities held either with trading intent or in order to hedge other elements of the trading book. To be eligible for trading book capital treatment, financial instruments must either be free of any restrictive covenants on their tradability or able to be hedged completely. In addition, positions should be frequently and accurately valued, and the portfolio should be actively managed.” Tradução livre.

o as posições são ativamente monitoradas em relação às fontes de mercado, o que inclui obter a qualidade e disponibilidade dos inputs de mercado, para o processo de avaliação, o nível de rotatividade de mercado, o tamanho das posições negociadas no mercado etc..

c) as políticas e procedimentos devem estar claramente definidas para monitorar as posições contrárias à estratégia de negociação do banco, incluindo o monitoramento da rotatividade e as posições passadas registradas no trading book da instituição.

No Brasil, o Bacen estabeleceu os critérios para a classificação na carteira de negociação por meio da Circular n° 3.354, de 27 de junho de 2007. A referida circular (BACEN, 2007a) estabelece que a intenção de negociação precisa estar comprovada por meio de estratégias claramente documentadas e políticas e procedimentos de gestão ativa definidas. Ademais, a política de determinação das operações a serem incluídas na carteira precisa prever a descrição das operações passíveis de inclusão, a metodologia de marcação a mercado, as hipóteses de reclassificação e os procedimentos para os casos de baixa liquidez. Por último, os critérios devem ser consistentes e devem incluir controles de monitoramento da rotatividade das operações incluídas na carteira.

No que tange ao banking book, não existe uma definição tanto do Comitê da Basiléia, como do Bacen. Em geral, assume-se que as operações que não se enquadram na definição de

trading book, automaticamente são classificadas no banking book (e.g. operações de crédito e

TVMs não destinados à negociação).

Segundo Chianamea e Onishi (2004, p. 11), o termo banking book, na literatura estrangeira, contrapõe-se ao termo trading book. Os títulos, na carteira da instituição financeira, pertencem a um grupo ou ao outro. Para o termo trading book, no caso brasileiro, é feita uma analogia quase automática com os títulos classificados na carteira de negociação. Já para o termo banking book há controvérsias, uma vez que ambos os títulos mantidos até o vencimento ou disponíveis para venda podem ser assim considerados ou, alternativamente, apenas os títulos mantidos até o vencimento, dependendo da interpretação.

Corroborando, de acordo com o Comitê da Basiléia (BCBS, 1999, p. 51), existem vários desafios para o Novo Acordo, os quais se originam das diferenças entre o trading e o banking

nos dois books como resultado de diversos fatores, incluindo diferentes estruturas conceituais sobre contabilização e avaliação, assumidos horizontes de tempo de manutenção e ponderações de riscos. Assim, segundo o próprio Comitê, o capital requerido para risco de crédito das operações no trading book é potencialmente menor, provendo um potencial incentivo aos bancos de empreender arbitragem no capital regulatório, entre as duas categorias.

Conforme pesquisa sobre o trading book, conduzida também pelo Comitê da Basiléia (BCBS, 2005, p. 1), após a publicação do Novo Acordo, “[...] distorções potenciais podem surgir, entre os regimes de banking book e trading book, como resultado da interpretação e/ou implementação da estrutura conceitual revisada.” 33

Adicionalmente, além das distorções entre as categorias, para fins de capital regulatório, a pesquisa (BCBS, 2005, p. 3), também, identificou algumas divergências entre as práticas contábeis e as normas regulatórias.

Entre os exemplos citados estão os derivativos, os quais, especificamente no Canadá e nos Estados Unidos, geralmente são usados para gerenciar e/ou proteger posições do banking

book. Embora os derivativos não atendam, exatamente, a intenção de negociação, para fins

contábeis eles são reconhecidos pelo valor justo e registrados na carteira de negociação. Assim, os bancos respondentes apontaram que tais inconsistências entre as práticas contábeis e as normas regulatórias contribuem para atenuar os limites entre as duas categorias. E, em consequência, muitas entidades expressaram preocupações com a crescente disparidade entre as regras contábeis, principalmente da IAS 39, e a definição de trading book para fins de capital regulatório.

Contribuindo para a análise, conforme previamente citado, Ernst & Young e FIPECAFI (2009, p. 261) ressaltam que, apesar de não abordado pelo IASB, é recomendável que a entidade monitore o giro de seus ativos classificados como disponíveis para venda, pois, caso o giro seja semelhante ou superior ao giro da carteira de negociação, essa carteira estará mais bem classificada como negociação. Entretanto, uma carteira classificada como negociação

33“[…] potential distortions that could arise, between banking book and trading book regimes, as a result of interpretation and/or implementation of the Revised Framework.”

que possua ativos que não estejam sendo negociados por algum tempo, tal fato não o descaracteriza como negociação.

Com base na afirmação acima, conclui-se que, para fins contábeis, mesmo que um título classificado como negociação não esteja sendo negociado por algum tempo, sua classificação não é descaracterizada, haja vista a intenção de negociação. Entretanto, o mesmo não pode ser dito em termos de capital regulatório, uma vez que um dos critérios para a manutenção na carteira de negociação consiste na análise de rotatividade do título. Assim, ao contrário da IAS 39, um título com baixa rotatividade estará mais bem categorizado no banking book.

Por fim, no que tange à mensuração, o JWGBA (1999, p. 10-11) afirma que o custo histórico é a base de mensuração mais adequada para as operações do banking, porque as receitas são oriundas de juros reconhecidos diariamente e não de vantagens tomadas sobre flutuações no valor justo. As operações do trading, em que ativas decisões são tomadas para manter ou vender os instrumentos financeiros, o valor justo é a base de mensuração que melhor representa as transações efetuadas e o desempenho da administração.