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Classificações contábeis versus prudenciais: convergência

2.5 Revisão da norma IAS 39

2.5.5 Classificações contábeis versus prudenciais: convergência

De acordo com Borio e Tsatsaronis (2005, p. 1), o crescimento rápido do setor financeiro, sua grandiosa sofisticação e suas características globais têm estimulado o interesse dos participantes de mercado e dos políticos, os quais têm se atentado à produção e à disseminação de informação. Esta, por sua vez, é vista como um fator-chave que permite que o sistema financeiro conduza os recursos aos usos mais produtivos e aloque e gerencie riscos.

As crises financeiras e os episódios de má conduta corporativa têm destacado alguns aspectos disfuncionais de fornecimento e processamento de informações. Como resultado, Borio e Tsatsaronis (Ibid., p. 1) destacam as iniciativas que visam suprir a demanda por mais informações e de melhor qualidade, bem como as estratégias de fortalecimento das informações disponíveis sobre cada uma das firmas.

Dentre as iniciativas, os referidos autores destacam os evidentes esforços para o desenvolvimento de normas internacionais (IFRS) harmonizadas, lideradas pelos profissionais da contabilidade, e aqueles para melhorar as normas de divulgação sobre os riscos das instituições financeiras reguladas, lideradas pelas autoridades prudenciais, particularmente o Comitê da Basiléia, no contexto do Novo Acordo de Capital (Basiléia II).

Corroborando, Duke (2009, p. 1) afirma que reguladores e políticos, ao redor do mundo, vêm avaliando as mudanças nas práticas e estruturas para corrigir as fraquezas reveladas pela

recente crise mundial. Acrescenta que, ao mesmo tempo, normatizadores contábeis estão propondo mudanças que, por sua vez, afetarão as normas prudenciais.

Como já mencionado previamente, existem divergências entre as práticas contábeis e as normas regulatórias, no que tange às classificações. (BCBS, 2005, p. 3). Pelas normas contábeis, a IAS 39 prevê quatro classificações para os ativos financeiros (valor justo pelo resultado, mantido até o vencimento, disponível para venda e empréstimos e recebíveis), ao passo que para fins prudenciais, apenas duas classificações existem (trading e banking).

Como resposta rápida à crise financeira foi introduzida a IFRS 9, cujo objetivo é reduzir a complexidade da contabilidade dos ativos financeiros, em virtude das numerosas classificações da IAS 39, por meio do estabelecimento de apenas duas categorias de classificação: custo amortizado e valor justo. Com sua introdução, surge a indagação se a forma como as normas prudenciais e contábeis classificam os ativos financeiros estão convergindo.

Inicialmente, é preciso um breve esclarecimento do conceito de convergência. O termo tem sido muito utilizado para descrever os esforços dos Estados Unidos e dos países europeus para mover em direção a uma prática global de contabilidade. Convergir significa dirigir-se, tender para um ponto comum. (MICHAELIS, 2008, p. 224).

Pelas regras prudenciais, a classificação, nas categorias trading ou banking, visa espelhar a maneira como os ativos financeiros são geridos, alinhados com o modelo de negócio da entidade. As atividades de trading visam aos lucros nas mudanças de curto prazo nos preços de mercado ou a proteção de itens do trading book . Por outro lado, o propósito do banking

book é gerar renda líquida com juros e não lucros no curto prazo, oriundos de mudanças no

mercado. Ademais, inclui-se no banking book os instrumentos utilizados para a proteção de outros itens desse book.

Pela IFRS 9, primeiramente, deve-se observar o modelo de negócio da entidade. Logo, até o primeiro passo, as duas regras se alinham, uma vez que, até esse ponto, o importante é a maneira como o instrumento financeiro é gerido. Todavia, o segundo passo da IFRS 9 requer analisar as características do instrumento, passo que gera algumas divergências entre as duas normas e resulta, por exemplo, em títulos classificados como valor justo, para fins contábeis,

porém classificados no trading ou banking book, de acordo com a forma como a instituição os gerencia.

De maneira simplificada e sem o intuito de ser exaustivo, tomando-se por base a análise efetuada no Quadro 5, foram incluídos alguns exemplos de ativos financeiros e as respectivas classificações pelas normas contábeis e prudenciais, resultando no Quadro 6. As categorias contábeis baseiam-se nas definições da IFRS 9, enquanto as categorias prudenciais consideram, apenas, se o modelo de negócio visa negociar ou manter o ativo, sem considerar todas as regras necessárias para a qualificação em cada um dos books.

Quadro 6 – Exemplos de ativos financeiros e respectivas classificações pela IFRS 9 e normas prudenciais IFRS 9 Exemplos Categoria pelas normas prudenciais Categoria Subcategorias Valor justo

Instrumentos para negociação. Letra do Tesouro Nacional Trading

Instrumentos que serão mantidos pela entidade, porém falharam no teste sobre as suas características e,

portanto, não se qualificam como custo amortizado.

Derivativo (proteção de instrumento do banking

book) Banking

Debênture conversível Banking Fair Value Option de instrumentos que

se qualificam como custo amortizado. Letra do Tesouro Nacional Banking Instrumentos eleitos para efeito em

OCI. Ações Banking

Custo Amortizado

Itens que se qualificam como custo amortizado.

Empréstimo simples

(principal + juros) Banking Letra do Tesouro Nacional Banking

Conforme apresentado no Quadro 6, uma Letra do Tesouro Nacional pode ser classificada, contabilmente, como valor justo, por ter sido adquirido visando à negociação no curto prazo. Sendo um instrumento com tal intuito, para fins prudenciais, estará mais bem classificado no

trading book.

Por outro lado, esse mesmo ativo financeiro pode ter sido adquirido com objetivo de ser mantido para coletar os fluxos de caixa contratuais. Nesse caso, analisando as características do instrumento, ele se qualifica para a categoria de custo amortizado e, para fins prudenciais, estará mais bem classificado no banking book. Entretanto, caso haja a opção pelo valor justo (Fair Value Option), apesar de se qualificar para custo amortizado, o ativo será classificado na categoria valor justo, porém mantido no banking book.

Os derivativos e as debêntures conversíveis, por não atenderem as características dos instrumentos que se qualificam ao custo amortizado, embora sejam mantidos pela entidade e isso os eleja ao banking book, para fins contábeis eles serão tratados como valor justo.

As ações, para fins contábeis, serão sempre classificadas na categoria valor justo, devido às próprias características do instrumento. Entretanto, a IFRS 9 prevê a opção irrevogável de eleger que os ganhos ou perdas não realizados, dos títulos patrimoniais, sejam reconhecidos em OCI. Para fins prudenciais, considerando o objetivo de manter o ativo, ele foi classificado no banking book.

Por último, os empréstimos simples foram classificados como custo amortizado por atenderem os dois passos necessários para tal categoria. Por se tratarem de instrumentos com objetivo de manutenção para coletar fluxos de caixa contratuais, eles foram considerados no

banking book, para fins prudenciais.

Em suma, tomando como base os exemplos apresentados no Quadro 6, conclui-se que os instrumentos classificados contabilmente como custo amortizado estarão classificados pelas normas prudenciais no banking book. Entretanto, o inverso não pode ser afirmado, uma vez que, no banking book, haverá títulos tanto da categoria valor justo (e.g. debênture conversível; derivativos) como custo amortizado (e.g. empréstimo simples).

Ao contrário, os instrumentos classificados contabilmente como valor justo estarão classificados pelas normas prudenciais tanto no trading quanto no banking book, dependendo da maneira como são geridos pela instituição. Entretanto, os instrumentos classificados no

trading book estarão classificados contabilmente como valor justo.

Com base na análise simplificada efetuada, observa-se que uma só categoria contábil (e.g. valor justo) pode estar presente nas duas categorias prudenciais, ao passo que uma só categoria prudencial (e.g. trading book) conterá somente ativos da categoria valor justo. Da mesma forma, o custo amortizado conterá somente títulos do banking book, ao passo que ele estará presente nas duas categorias contábeis. A título de ilustração, a Figura 3 apresenta a relação entre as categorias contábeis e prudenciais, concluída com base na análise simplificada dos exemplos mencionados anteriormente.

Figura 3 – Relação entre as categorias contábeis e prudenciais

Com base no exposto, observa-se que divergências anteriormente identificadas permanecem, tais como o valor justo dos derivativos, independentemente deles serem utilizados para proteção de ativos registrados no banking book. Entretanto, há que se ressaltar o ganho em termos de redução dos controles paralelos das categorias, haja vista a redução das categorias, quando comparadas com as previstas pela IAS 39.

Ademais, segundo Duke (2009, p. 1-2), as perspectivas dos órgãos reguladores quanto à revisão da IAS 39, em termos de relevância, era que o princípio de mensuração deveria refletir a maneira como as entidades usam os instrumentos financeiros. Nesse sentido, o modelo de negócio e a abordagem de gerenciamento de riscos tomada pela entidade, assim como a forma pela qual o valor do instrumento provavelmente será realizado, deveriam ser fatores na determinação da mensuração.

A referida autora acrescenta que se o modelo de negócio consiste na negociação de instrumentos financeiros para a realização de valor ou outras estratégias que essencialmente foquem na movimentação de preços no curto prazo, logo o valor justo é relevante. Em contraste, se o modelo é baseado na realização de valor por meio do retorno do principal e os juros sobre a vida útil do instrumento financeiro, o valor justo é menos relevante.

Em linha com Duke, o Comitê da Basiléia, em seu Guiding principles for the replacement of IAS 39 (BCBS, 2009, p. 1), esperava que a nova norma permitisse que as transações bancárias pudessem ser apresentadas de maneira robusta e consistente, em linha com sua substância econômica. Ademais, ela deveria refletir o modelo de negócio conforme adotado pelo

Categoria Contábil Categoria Prudencial

Custo Amortizado

Valor Justo

Banking book

Conselho de Administração e Alta Administração, consistente com a estratégia e práticas de gerenciamento de riscos documentadas pela entidade, embora considerando as características dos instrumentos.

Portanto, apesar de divergências entre as normas contábeis e prudenciais ainda permanecerem, ao tomar como base as expectativas dos órgãos reguladores, sintetizados por Duke (2009) e pelo Comitê da Basiléia (2009), e as mudanças introduzidas pela IFRS 9, é possível concluir que a introdução dessa norma reflete um movimento de convergência entre as normas contábeis e as regras prudenciais.

3 RISCOS

O objetivo desse capítulo, primeiramente, é apresentar o conceito de risco. Na sequência, mostrar os riscos aos quais o Sistema Financeiro está exposto e que compõem o cálculo do Índice da Basiléia. E, para encerrar o capítulo, destacar a importância da gestão de riscos e do papel que as regras prudenciais exercem para o fortalecimento da solidez e da estabilidade do sistema financeiro.