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IFRS 9: classificação e mensuração dos ativos financeiros

2.5 Revisão da norma IAS 39

2.5.2 IFRS 9: classificação e mensuração dos ativos financeiros

Em 12 de novembro de 2009, o IASB publicou a IFRS 9 – Instrumentos Financeiros (IASB, 2009a), referente à classificação e mensuração dos ativos financeiros, como parte do projeto de revisão da norma IAS 39. Assim, a primeira fase do projeto foi parcialmente atingida, haja vista que o escopo ficou limitado aos ativos financeiros, não alterando a classificação e mensuração dos passivos financeiros, os quais permanecem seguindo as regras definidas pela IAS 39.

Como consequência, a complexidade da IAS 39 foi reduzida por meio da:

a) eliminação das quatro categorias de classificação e introdução de duas categorias com critérios mais racionais de classificação e mensuração;

b) eliminação do requisito de separar o derivativo embutido do ativo financeiro contrato hospedeiro; 36

c) eliminação de algumas restrições, tais como a proibição a uma entidade de mensurar um ativo financeiro pelo custo amortizado, caso outros instrumentos financeiros, que foram previamente classificados em tal categoria, tenham sido vendidos antes de seu vencimento e

d) definição de apenas um método para teste de impairment, para os ativos financeiros mensurados pelo custo amortizado, e permissão de reversão de perdas por impairment, reconhecidas em períodos anteriores.

Um ativo financeiro deve ser reconhecido nas demonstrações financeiras quando a entidade tornar-se parte das cláusulas contratuais do instrumento. Por exemplo, contas a receber incondicionais são reconhecidas como ativos quando a entidade se torna uma parte do contrato e, como consequência, tem direito legal de receber em dinheiro. (IASB, 2008b, p. 2045).

Uma vez reconhecido, o ativo precisa ser classificado. E, nesse tocante, a norma eliminou as atuais categorias da IAS 39, apresentadas no item 2.3, concentrando-se em duas categorias de mensuração: custo amortizado e valor justo.

Dessa forma, um ativo financeiro será mensurado pelo custo amortizado caso duas condições sejam atendidas. Entretanto, caso o instrumento não atenda ambas as condições, ele deve ser mensurado pelo valor justo. As condições requeridas pela IFRS 9 (IASB, 2009a, p. 10) são as que seguem:

a) o ativo seja mantido num modelo de negócio cujo objetivo seja manter ativos com a finalidade de obter fluxos de caixa contratuais e

36 Segundo a norma, “Um derivativo embutido é um componente de um contrato híbrido que também inclua um

hospedeiro não derivativo – com o efeito que alguns dos fluxos de caixa do contrato combinado variem de forma similar ao fluxo de caixa do derivativo sozinho.” Tradução livre.

b) os termos contratuais do ativo financeiro ocasionam, em datas específicas, fluxos de caixa que consistam, exclusivamente, em pagamentos de principal e juros sobre o principal pendente.

A referida norma esclarece que juros correspondem ao valor do dinheiro no tempo e ao risco de crédito associado ao montante principal pendente durante um período particular de tempo. São exemplos de ativos que geralmente serão classificados como custo amortizado, desde que consistentes com o modelo de negócio da entidade, os empréstimos tradicionais, instrumentos simples de dívida e as contas a receber. (POUNDER, 2009, p. 20).

Portanto, o processo de determinação da forma de mensuração consiste em analisar as características do modelo de negócio, primeiramente, e do instrumento financeiro, a fim de concluir se ele pode ser avaliado pelo método do custo amortizado. Não podendo ser mensurado por tal método, automaticamente o instrumento deve ser mensurado pelo valor justo. Logo, o processo para a determinação da forma de mensuração pode ser resumido conforme apresentado na Figura 2.

Figura 2 – Processo para determinação da forma de mensuração Fonte: Elaborada com base no IASB (2009a)

Não Título patrimonial? Valor justo --- Ganhos ou perdas em OCI Valor justo --- Ganhos ou perdas na DRE

Instrumento financeiro dentro do escopo da IFRS 9

Modelo de negócio com objetivo de manter ativo financeiro para coletar fluxos

de caixa contratuais?

Termos contratuais com pagamento de principal mais juros, apenas?

Não Custo Amortizado Não Não Sim Sim Sim Mantido para negociação? Eleito irrevogavelmente para OCI? Sim Sim

Fair Value Option?

Não Não

Com relação ao modelo de negócio, a norma define que ele não depende da intenção da administração, quanto a um ativo isolado. A classificação não é feita individualmente por instrumento, mas, sim, determinada em alto nível de agregação, como, por exemplo, numa carteira de ativos financeiros. Ademais, uma mesma entidade pode ter mais de um modelo de negócio e a classificação não precisa ser determinada no nível de relato da entidade.

Assim, para ser mensurado pelo custo amortizado, é necessário que o modelo de negócio consista naquele cujo objetivo seja manter os ativos para obter fluxos de caixa contratuais, ao invés de vender os ativos antes de seu vencimento, de forma a realizar variações no valor justo.

Tendo atendido o primeiro requisito, faz-se necessário observar as características de cada contrato, individualmente. Para ser categorizado como custo amortizado, é preciso que o contrato estabeleça que o ativo renderá o valor principal mais os juros. Outras cláusulas contratuais que resultem em fluxos de caixa que não sejam pagamentos do principal e dos juros devidos não enquadram o ativo financeiro na categoria de custo amortizado.

Seguindo o fluxo da Figura 2, a norma mantém a permissão à entidade de eleger, no reconhecimento inicial, a mensuração de um instrumento financeiro pelo valor justo (fair

value option), com efeitos reconhecidos no resultado do período, somente se tal designação

eliminar ou significativamente reduzir as inconsistências de mensuração e reconhecimento.

Portanto, atendendo às duas exigências e não se fazendo a opção pelo valor justo, o ativo financeiro pode ser classificado com custo amortizado. Caso contrário, ele deverá ser classificado como valor justo.

O reconhecimento inicial de um ativo financeiro deve ser feito pelo valor justo. No caso do ativo estar na categoria de custo amortizado, os custos de transação, aqueles diretamente atribuídos à aquisição do ativo financeiro, podem ser acrescidos. Subsequentemente, tais instrumentos devem ser mensurados de acordo com a categoria na qual tenham sido classificados. (IASB, 2009a, p. 11).

Os ganhos ou perdas nos instrumentos mensurados pelo valor justo e que não sejam parte de uma relação de hedge devem ser apresentados no resultado do período, a menos que se trate

de um instrumento patrimonial, para o qual a entidade tenha elegido, no reconhecimento inicial, por reconhecer os ganhos ou perdas no patrimônio líquido. (IASB, 2009a, p. 12).

Com relação aos instrumentos mensurados pelo custo amortizado, os ganhos ou perdas devem ser reconhecidos no resultado quando o instrumento é baixado, quando apurada perda por

impairment, em caso de reclassificação e pelo próprio processo de amortização. (IASB,

2009a, p. 12).

As reclassificações são permitidas entre as duas categorias, porém, somente se a entidade mudar seu modelo de negócio para gerenciar os ativos financeiros. E, caso efetuadas, deverão ser aplicadas prospectivamente, a partir da data de reclassificação. Essa, por sua vez, consiste no primeiro dia do exercício subsequente ao período em que o modelo de negócio tenha se alterado, de forma a reduzir o risco de gerenciamento de resultados. Ademais, os ganhos, perdas ou juros reconhecidos previamente pela entidade não devem ser republicados.

No caso de reclassificação de um ativo financeiro da categoria custo amortizado para a de valor justo, o valor justo é determinado na data da reclassificação. Os ganhos ou perdas, entre o montante previamente reconhecido e o valor justo nesta data, devem ser reconhecidos no resultado. Caso a reclassificação seja da categoria valor justo para a de custo amortizado, o valor justo da data da reclassificação passa a ser o custo a ser “carregado”.

Entre os demais assuntos abordados pela norma estão os instrumentos patrimoniais. A IFRS 9 requer que todos sejam mensurados pelo valor justo, tendo em vista que eles não possuem fluxos de caixa definidos em contrato. Adicionalmente, a norma permite que a entidade possa eleger, de maneira irrevogável, no reconhecimento inicial de ativos que não sejam mantidos para negociação, que o registro das variações do valor justo seja efetuado em OCI. Os respectivos dividendos devem ser registrados no resultado, de acordo com a IAS 18 – Receitas.

Entretanto, não haverá transferências dos ganhos ou perdas entre OCI e a demonstração de resultado, em caso de alienação, por exemplo. A única reclassificação permitida poderá ser feita entre contas do próprio patrimônio líquido.

Conforme previamente mencionado, um contrato híbrido, cujo contrato hospedeiro seja um ativo financeiro que esteja no escopo da IFRS 9, deve ser totalmente classificado em conformidade com a nova proposta de classificação trazida pela norma revista e não mais tratado separadamente, como previa a IAS 39.

O último assunto abordado pela norma consiste na definição de apenas um único método de

impairment, como resultado do novo modelo de classificação, ficando restrito aos ativos

financeiros mensurados pelo custo amortizado.

A IFRS 9 passa a ser mandatória a partir de 1º de janeiro de 2013, porém sua aplicação antecipada é incentivada. Para isso, como regra de transição, a data da aplicação pode ser em qualquer data entre a emissão da norma e 31 de dezembro de 2010. A partir de então, somente poderá ser adotada no começo dos exercícios de 2011 ou 2012.

Caso a norma seja adotada antes de 2012, não há necessidade de republicação e os ajustes de transição devem ser reconhecidos em Lucros Acumulados.

Quanto ao reconhecimento inicial, que, nesse caso, consiste na data da aplicação da norma, é permitido à entidade analisar se seus ativos financeiros atendem os critérios introduzidos pela norma revisada e reclassificá-los de maneira retrospectiva. A aplicação retrospectiva visa facilitar a comparabilidade e envolve apresentar as demonstrações financeiras como se a norma revisada tivesse sido sempre aplicada.

Uma vez explanado sobre classificação e mensuração de instrumentos financeiros pelo IAS 39, bem como as alterações introduzidas pela IFRS 9, surge a oportunidade de discutir aspectos como a possibilidade de gerenciamento de resultados por meio de reclassificações, a convergência entre as classificações pelas normas contábeis versus as normas prudenciais e analisar se os objetivos da revisão da norma foram atingidos. Tais discussões são apresentadas nas seções que seguem.

Vale ressaltar que as próximas seções não incluem uma discussão sobre a relação entre a IFRS 9 e a crise financeira, uma vez que os aspectos recentemente debatidos sobre a contabilidade dos instrumentos financeiros, em decorrência da crise financeira de 2008, dizem respeito à mensuração pelo valor justo e as provisões para perdas baseadas nas perdas

incorridas (LAUX; LEUZ, 2009; BARTH; LANDSMAN, 2010), algo que foge ao escopo deste estudo, o qual foca a mudança na classificação dos ativos financeiros, com a introdução da IFRS 9.