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3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1. Cliticização

Tendo em vista que a presente pesquisa investiga a colocação dos clíticos pronominais no Português Europeu, é relevante apresentar algumas definições que dizem respeito à natureza do clítico.

De acordo com o Dicionário Aurélio (1986:418), o vocábulo clítico, de origem grega, significa “qualquer monossílabo átono subordinado, por meio de elemento prosódico, ao vocábulo que o precede, ou que o segue, ou no qual se acha inserido”. Segundo o Dicionário Houaiss (2001:741), clítico significa “vocábulo átono que, num enunciado, se integra fonologicamente à palavra anterior ou posterior, formando uma sílaba da mesma (pronomes oblíquos, preposições, conjunções, artigos etc.)”.

De acordo com David Crystal (1997:49-50), clítico seria:

Um termo usado na gramática com referência a uma forma que se assemelha a uma palavra, mas não pode aparecer sozinha em um enunciado normal, sendo estruturalmente dependente da palavra vizinha na construção. (O termo clítico vem do grego “inclinado”) (...).

Verifica-se que as definições apresentadas sobre o que seria clítico consideram todas as partículas átonas, como artigos, preposições, conjunções, não se restringindo apenas aos pronomes átonos.

Em se tratando de cliticização pronominal, trata-se especificamente da ligação das formas pronominais oblíquas átonas aos verbos. Assim, os clíticos de natureza pronominal costumam ser classificados como proclíticos, enclíticos ou mesoclíticos, dependendo da posição em relação à palavra de que dependem sintaticamente – a forma verbal.

No que tange à natureza das partículas átonas, há linguistas que reconhecem a necessidade de estabelecer uma tipologia de clíticos de acordo com seu estatuto

morfológico, sintático e/ou fonológico. Dessa forma, recomendam que o tratamento do tema deve focalizar a interface dos componentes gramaticais. Segundo Aronoff (1994 apud VIEIRA, 2002), que trata do tema no campo dos estudos morfossintáticos, é possível que uma construção gramatical seja, ao mesmo tempo, morfológica e sintática. O caráter morfológico é explicado pelo fato de ser uma construção gramatical, e o sintático, por exibir formas dependentes.

Em relação ao âmbito fonológico, verifica-se que, em geral, os clíticos dependem de outro vocábulo, tendo em vista a falta de um acento próprio, mostrando- se, dessa forma, deficientes em relação aos aspectos prosódicos. Sendo assim, os clíticos possuiriam o aspecto sintático das palavras e a natureza fonológica presente nos afixos.

No que diz respeito à natureza geral dos clíticos, são de suma importância os trabalhos de Zwicky & Pullum (1983), que distinguem as categorias de clíticos e afixos, e Zwicky (1985), que caracteriza os clíticos e as palavras.

De acordo com Zwicky & Pullum (1983), há seis critérios que mostram as principais características de clíticos e afixos: (i) seletividade; (ii) lacunas; (iii) alterações morfofonológicas; (iv) alterações semânticas; (v) aplicação da sintaxe; e (vi) contexto de ligação.6

Tomando por base tais critérios, Vieira (2002) analisa a natureza dos clíticos em português. A autora destaca, de um lado, duas propriedades dos pronomes da língua portuguesa que os aproximam da categoria de afixos: (i) o clítico pronominal posiciona- se adjacente ao verbo, da mesma forma que um afixo, que se encontra adjacente à raiz a que se liga; e (ii) assim como os afixos flexionais, os pronomes oblíquos átonos da língua portuguesa integram um grupo relativamente fechado e pequeno, diferentemente das classes abertas, como nome, adjetivo e verbo, que constituem um inventário aberto. No entanto, essas propriedades não podem ser tomadas isoladamente, tendo em vista que a autora mostra também duas outras propriedades do pronome átono português que impedem seu tratamento como afixo, no sentido estrito da palavra: (i) eles unem-se a uma instância sintática, não a raízes vocabulares; e (ii) possuem relativa mobilidade, já que não se comportam como formas presas, podendo aparecer antes ou depois do verbo. No que tange às propostas de Zwicky (1985), Vieira revela as características sintáticas que colaboram para o enquadramento dos clíticos pronominais na categoria de

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palavras. A autora sintetiza os testes sintáticos para a diferenciação de clíticos e palavras propostos pelo autor e desenvolve as seguintes considerações:

(i) o pronome do Português está sujeito ao apagamento quando idêntico (p. ex.: <eu oi vi e Øi admirei>); (ii) sendo o próprio clítico

uma proforma de um referente representável por um SN, pode vir retomado, por ele próprio, numa espécie de proforma por substituição repetitiva (cf. KOCH, 1990), como em <eu o vi e o admirei>; e (iii) está sujeito à regra de movimento, podendo antepor-se ou pospor-se ao verbo. (VIEIRA, 2002: 392)

Dessa forma, verifica-se que o pronome átono apresenta algumas propriedades mais afixais e outras mais típicas de palavra; sendo assim, ele pode ser tratado como um “afixo sintagmático”. Nesse sentido, Fontana (1993: 24 apud VIEIRA, 2002) declara:

Clíticos são definidos como elementos que, ao mesmo tempo em que se ligam fonologicamente a palavras, se ligam sintaticamente a sintagmas. Para Klavans, a ligação sintagmática é uma propriedade inerente dos clíticos, e, consequentemente, uma característica que os define universalmente: ela define clíticos especificamente como afixos sintagmáticos.

Vieira (2002), além de levar em consideração a interface dos níveis gramaticais na caracterização da ordem dos clíticos pronominais, tem por objetivo sistematizar os parâmetros que efetivamente condicionariam a ordem dos pronomes átonos. Para tanto, baseia-se em Klavans (1985), que propõe categorizar as línguas do mundo segundo parâmetros de cliticização. Segundo a autora, os clíticos possuem características ora de palavras, ora de afixos. Dessa forma, no nível da sintaxe, eles são semelhantes às palavras independentes, enquanto, no nível morfológico e/ou fonológico, se assemelham, na maioria das vezes, como partes de palavras (afixos).

A fim de investigar a natureza da dependência do clítico com seu hospedeiro, Klavans (1985:97-98) propõe que atuem de forma independente os componentes sintático e fonológico, ou seja, considera que o hospedeiro sintático não necessita ser necessariamente o hospedeiro fonológico desse pronome átono. Dessa forma, os pronomes átonos podem estar ligados sintaticamente a um hospedeiro e fonologicamente a outro. Após observar os clíticos em várias línguas, a autora propõe os seguintes parâmetros, sendo o primeiro e o segundo de natureza sintática e o terceiro de natureza fonológica:

P1) Dominância: INICIAL / FINAL

O parâmetro 1 (também identificado como P1) expressa a possibilidade de que o clítico se ligue ao constituinte inicial ou final dominado por um sintagma específico.

P2) Precedência: ANTES / DEPOIS

O segundo parâmetro, P2, codifica a outra parte da informação configuracional, i.e. PRECEDÊNCIA: especifica se um clítico ocorre ANTES ou DEPOIS do hospedeiro escolhido por P1.

P3) Ligação fonológica: PROCLÍTICO / ENCLÍTICO

O terceiro parâmetro (P3) dá a direção da ligação fonológica; trata-se de uma propriedade do próprio clítico.

(KLAVANS 1985:97-98) 7

Vale ressaltar que o presente trabalho se vale, especificamente, do segundo parâmetro de cliticização, que se refere à ordem do clítico pronominal. Assim, deseja-se saber se o clítico, em relação às lexias verbais simples, aparece na posição pré-verbal (cl v) ou pós-verbal (v-cl); e, no que diz respeito aos complexos verbais, a posição anterior ao complexo (cl v1 v2), interveniente (v1-cl v2) ou posterior (v1 v2-cl) na modalidade oral dos dialetos do Português Europeu.

Em relação ao primeiro parâmetro, sabe-se que, na Língua Portuguesa, a escolha é única, uma vez que o clítico seleciona apenas o verbo como hospedeiro.

Quanto ao terceiro parâmetro, apesar de os dados do presente trabalho serem oriundos da oralidade, não se pretende fazer uma análise de natureza fonético- fonológica, tendo em vista os limites definidos para a pesquisa (conferir detalhamento na metodologia), além da impossibilidade de acesso às gravações.8

Após tais considerações sobre o que seria cliticização, expõe-se a fundamentação teórica que permitirá o estudo específico das questões sobre variação e mudança na língua.

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Parameter 1 (also referred to as P1) expresses the possibility that a clític attaches to the initial or final constituent dominated by a specified phrase.

(…) The second parameter, P2, encodes the other part of configurational information, i.e. PRECEDENCE: it specifies whether a clitic occurs BEFORE or AFTER the host chosen by P1.

(…) The third parameter (P3) gives the direction of phonological attachment; it is a property of the clitic itself. (KLAVANS 1985: 97-98)

8 Para ter acesso às gravações, deve-se ir a Portugal, como afirmou uma das organizadoras do corpus

No documento Universidade Federal do Rio de Janeiro (páginas 40-44)

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