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Teoria da Variação e Mudança

No documento Universidade Federal do Rio de Janeiro (páginas 44-52)

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.2. Teoria da Variação e Mudança

O presente trabalho vale-se do arcabouço teórico-metodológico da Sociolinguística Laboviana, também chamada de Sociolinguística Variacionista, Quantitativa, ou Teoria da Variação e Mudança. Essa teoria parte do pressuposto de que o fenômeno da variação – que precede necessariamente o da mudança linguística – se dá em todos os sistemas linguísticos de modo não arbitrário. Em outras palavras, a variação é inerente à língua e não ocorre aleatoriamente, uma vez que variáveis do tipo linguístico e extralinguístico (des)favorecem o processo de variação e/ou mudança (WEINREICH, LABOV & HERZOG, 1968; LABOV, 1972, 1994).

No Manual de Ciencias da Linguaxe, Anxo M. Lorenzo Suárez (2000:5) ressalta que:

O objeto de estudo primordial da sociolinguística são as línguas tal como se manifestam nos indivíduos, nos grupos sociais e nas comunidades. A manifestação social e individual das línguas não produz um objeto único, uniforme e bem delimitado, mas todo o contrário: os falantes e os grupos sociais utilizam elementos e

variedades linguísticas delimitadas em função de um conjunto de

características formais e funcionais. E o estudo das variedades linguísticas constitui o objeto de estudo da variação linguística.9

Verifica-se, portanto, que a Sociolinguística estuda a variação linguística, analisa a língua observada e descrita em seu contexto social, isto é, em situações reais de uso. No texto de Weinreich, Labov & Herzog (1968 [2006]), o caráter não sistemático da variação linguística fica claro no postulado de que todas as línguas evidenciam o princípio da heterogeneidade ordenada – diferentemente do que focalizava Saussure, ao conceber a natureza essencialmente homogênea do sistema linguístico. Os autores também mostram que a língua não é uma entidade autônoma e, por isso, devem-se levar em conta os indivíduos que a utilizam, inseridos em contextos socioculturais.

Na obra Handbook of Sociolinguistic, James Milroy e Lesley Milroy (1997:47) ressaltam que a heterogeneidade ordenada é a grande descoberta de Labov:

Muitos princípios importantes são definidos (...), mas o mais relevante para a presente discussão é o princípio de que a

variabilidade na linguagem é ou pode ser mostrada como

9 O obxecto de estudio primordial da sociolinguística son as línguas tal como estas se manifestan nos

indivíduos, nos grupos sociais e nas comunidades. A manifestación social e individual das línguas non produce un obxecto único, uniforme e ben delimitado, senón todo o contrario: os falantes e os grupos sociais utilizan elementos e variedades linguísticas delimitadas en función dun conxunto de características formais e funcionais. E o estudio das variedades linguísticas constitúe o obxeto de estudio da variación linguística.

estruturada. Weinreich, Labov e Herzog (1968) observaram que os

estudiosos da linguística geral, não só privilegiaram estados uniformes da língua, mas também equipararam essa uniformidade à estruturação.10

O presente trabalho ocupa-se fundamentalmente da variação linguística no âmbito do Português Europeu popular, não assumindo por interesse precípuo o debate sobre a mudança linguística (ainda que consciente da íntima relação entre variação e mudança na proposta laboviana, como se detalhará mais adiante). Desse modo, vale-se da modalidade oral, tendo em vista que nela se dá a concretização das estruturas que podem compor o que Labov postula como vernáculo: “o estilo em que se presta o mínimo de atenção ao monitoramento da fala. A observação do vernáculo nos oferece os dados mais sistemáticos para a análise da estrutura linguística” (1972 [2008]:244).

Não se tem a ilusão de que o material investigado contenha o grau máximo de espontaneidade para o estudo das estruturas representativas de uma dada variedade. Como o corpus é composto por entrevistas, a presença de um entrevistador, que busca a fala mais espontânea possível do entrevistado, acaba por acarretar o que Labov identificou como o paradoxo do observador (LABOV, 1972 [2008]:244): o entrevistador busca a fala mais natural do entrevistado, como se este não estivesse sendo observado, mas, para obtê-la, ele o entrevista. Ainda assim, tomando por base a vasta produção de estudos com base em entrevistas sociolinguísticas, acredita-se ser esse material produtivo na indicação das tendências que configuram as variedades em estudo.

Para analisar a variação linguística e detectar o que seria o padrão de uso dentro de determinado grupo social, Labov sugere que se pesquise a comunidade de fala, que é composta por um grupo de falantes que compartilham um conjunto de estruturas linguísticas e de atitudes sociais em relação à língua. Neste trabalho, as comunidades linguísticas representadas são aquelas que foram objeto da configuração do corpus CORDIAL-SIN (apresentado mais adiante, na metodologia), as quais contam com informantes europeus de nenhum ou baixíssimo contato com o ensino formal, oriundos de diversas regiões.

10

Many important principles are set out in this work, but the most relevant to the present discussion is the principle that variability in language is, or may be shown to be, structured. Weinreich, Labov, and Herzog (1968) observed that linguistic scholars generally had not only focused mainly on uniform states of language, but had also equated this uniformity with structuredness.

Considerando o objeto central de uma pesquisa variacionista, é tarefa fundamental do sociolinguista em relação ao fenômeno variável em estudo – que constitui a variável dependente –, investigar a influência de grupos de fatores estruturais e sociais, identificados como variáveis independentes. A determinação da regra variável pressupõe a existência de duas premissas básicas quanto ao reconhecimento das formas linguísticas alternantes: (i) que elas sirvam à expressão do mesmo conteúdo básico; e (ii) que elas ocorram no mesmo contexto estrutural..

Quanto à abordagem dos fenômenos variáveis, o avanço dos estudos sociolinguísticos tem demonstrado que é possível estudar a variação em vários níveis gramaticais, e não só no fonético-fonológico, como ocorrera inicialmente. Essa ampliação do estudo da variação causou, na história dos estudos sociolinguísticos, produtivo debate. Para Lavandera (1978), o que explica a variação fonológica não seria facilmente aplicável a dados não-fonológicos. Assim, a autora defende que só se deveria estudar a variação linguística no nível fonológico, uma vez que apenas nesse campo se diria a mesma coisa de formas diferentes, ou seja, não haveria qualquer mudança de significado.

Labov (1978) responde ao questionamento feito por Lavandera e afirma que, de fato, o resultado da análise de dados da sintaxe não é tão fácil de se interpretar. No entanto, ele afirma que o estudo da regra variável, compreendendo formas de dizer o mesmo conteúdo básico, é muito importante para a teoria da variação, uma vez que permite analisar fenômenos variáveis em diversos níveis gramaticais, que inevitavelmente aparecem nas línguas do mundo.

Observando o debate sobre variação sintática proposta por Labov e Lavandera, Romaine (1981) sugere que o conceito de regra variável deve ser de fato ampliado, considerando até mesmo o nível pragmático-discursivo. Assim, a autora dá destaque a um sistema de sentenças pragmatizadas, que permita dar conta dos fatores sociais, sem desconsiderar as influências do contexto interacional.

No que diz respeito à aplicação do conceito de regra variável ao fenômeno da colocação dos clíticos pronominais em lexias verbais simples, verifica-se que se dá a manutenção do conteúdo básico e do mesmo contexto estrutural entre as variantes, como se pode observar nos seguintes exemplos: Vive-se (pós-verbal) e (Não) se vive (pré-verbal). Nos dois exemplos, diz-se a “mesma coisa” em um mesmo contexto – que abrange a forma verbal mais o clítico indeterminador –, mas de formas diferentes: as formas alternantes vive-se e se vive designam que uma pessoa reside, mora, habita (em

algum lugar); a mudança da colocação do clítico pronominal não altera o conteúdo básico que se quer transmitir.

Em relação aos complexos verbais, deve-se analisar com maior cautela a manutenção das premissas básicas da regra variável tendo como base a variedade de complexos. O clítico possui, no mínimo, três posições: pré-complexo verbal (Não se pode viver), intra-complexo verbal (Pode-se viver) e pós-complexo verbal (Pode viver- se). Para maior detalhamento dos contextos considerados como complexos verbais, consultar o capítulo 4.3.1 (Variável dependente).

Verifica-se que, na maioria dos casos de complexos verbais, não resta dúvida de que as formas alternantes mantêm o mesmo conteúdo básico, mas há algumas estruturas em que essa manutenção pode ser questionada. A título de exemplificação, pode-se observar a estrutura a seguir: “Ele, ao mesmo tempo, o Senhor deixa-lhe cair um bugalho na cabeça, diz ele assim: ‘Ó Senhor, não olheis para os meus ditos, olhai para os meus [calditos], Senhor’!” [FIS-Confúcio-H]11. Nesse exemplo, não há certeza se há a manutenção do mesmo conteúdo básico nas formas alternantes: Não lhe deixa cair, deixa-lhe cair e deixa cair-lhe. Observa-se que, dependendo da posição em que se encontra o clítico, pode haver significados diferentes. A última estrutura, por exemplo, parece que não mantém o significado proposto na sentença. Verificou-se, assim, que construções com verbos causativos/sensitivos, como a do exemplo anterior, causam diferença na relação sintática entre o pronome e os verbos do complexo verbal, dependendo da posição em que o clítico se encontra, e podem ser interpretadas como duas orações. Dessa forma, consideram-se, para o presente estudo, somente os complexos verbais que mantêm o mesmo conteúdo básico.

Conforme já se informou, a presente pesquisa não se ocupa especificamente da mudança linguística. Tendo em vista os objetivos postulados para a investigação, que dizem respeito à caracterização sincrônica da ordem dos clíticos pronominais em variedades populares do PE, o foco central da investigação é na configuração da regra variável no corpus estudado. Como o corpus utilizado possui dados de uma mesma sincronia e a variável “faixa etária” não foi controlada, o presente estudo não pode investigar a mudança linguística, nem em tempo real, nem em tempo aparente.

11 Ressalta-se que a identificação entre colchetes, de todos os exemplos, refere-se, respectivamente à

localidade do informante (FIS), ao nome fictício dado para o informante (Confúcio) e ao sexo do informante (H). Vale destacar que a localidade dos informantes está mostrada pelas siglas, mas o nome completo da localidade encontra-se na seção 4.3.2.1 Variáveis extralinguísticas. Por exemplo, a localidade FIS refere-se à Fiscal (Braga) e os informantes que se encontram nessa localidade são: Crescência e Confúcio. Em relação ao sexo, homem está abreviado com a letra H e mulher com a letra M.

A investigação da mudança em tempo real depende da observação do fenômeno em estudo consoante o passar dos anos, em mais de um período do decurso temporal. Na Sociolingüística laboviana, pressupõe-se que deva haver ao menos um intervalo de cerca de 20 anos para que seja possível observar a mudança linguística. Quanto à investigação da mudança em tempo aparente, concebe-se que a observação de indivíduos de diferentes faixas etárias permite estabelecer tendências de mudança em progresso (quando há índices crescentes ou decrescentes de uma variante de uma faixa para outra) ou de variação estável (quando a alteração do comportamento do falante de uma faixa para outra regride posteriormente, de modo que a última das três faixas etárias postuladas acaba por refletir as opções linguísticas iniciais, mais próximas da norma vernacular).

Embora a presente pesquisa focalize a regra variável em estudo numa dada sincronia, é importante informar que, na Teoria da Variação e Mudança, é concebida estreita relação entre variação e mudança linguística, tendo em vista o pressuposto de que toda mudança linguística advém de uma competição de formas alternantes. Assim, variação e mudança ficam intimamente relacionadas, em consonância com o postulado de que “nem toda variabilidade e heterogeneidade na estrutura linguística implica mudança, mas toda mudança implica variabilidade e heterogeneidade.” (WEINREICH, LABOV & HERZOG 1968 [2006]:126). Assim sendo, em se tratando de um fenômeno variável, é sempre possível supor a instauração de um processo de mudança, que resulta da pressão de fatores externos e internos do sistema linguístico. Ademais, segundo o princípio do uniformitarismo (LABOV, 1994 [1996]:60), dados do presente podem refletir o uso do passado. Assim, pode-se dizer que o estudo sincrônico permite reflexões sobre a mudança. Dessa forma, a análise da variação pode auxiliar, ainda que indiretamente, na compreensão de uma possível mudança.

Weinreich, Labov & Herzog (1968 [2006]) destacam o fato de a variação linguística ser algo inerente à competência linguística dos membros da comunidade de fala. Dessa forma, os autores formulam cinco problemas para a investigação da mudança linguística, tornando possível, assim, relacionar os dados variáveis aos pressupostos teóricos. A seguir, há uma sucinta apresentação dos cinco problemas da mudança:

(i) O problema dos fatores condicionantes ou das restrições

Para que seja possível analisar um fato linguístico variável, devem-se observar os possíveis condicionamentos para a variação. Sendo assim, faz-se necessário verificar os fatores linguísticos e sociais – variáveis independentes – que podem atuar na realização da variável dependente. Com essa investigação, discute-se sobre o que favoreceria ou restringiria as mudanças, o que pode torná-las possíveis ou não. Destaca- se que o sistema linguístico não é restrito à fala de um único indivíduo, mas segundo a comunidade de fala como um todo.

(ii) O problema da transição

Refere-se ao percurso através do qual a mudança se realiza e como essa transição ocorre. Esse é o problema da transição: a mudança se processa por estágios discretos ou através de um continuum? Assim, segundo a Sociolinguística Variacionista, a língua é uma entidade dinâmica sujeita as variações e motivações, que podem ser internas ou externas a ela. Dessa forma, os fatos sob análise não se limitam a fatores internos; o problema da transição proporciona estudar o percurso da mudança linguística à estrutura social.

Várias pesquisas sociolinguísticas mostram que o fenômeno linguístico em mudança ocorre de forma gradativa e vagarosa. Sendo assim, em geral, não há a adoção de uma forma nova em detrimento da mais antiga, mas um período de transição, em que convivem, em um mesmo período, as formas inovadoras e conservadoras. Dessa forma, há um continuum ininterrupto de variação, não uma mudança súbita de uma forma para outra.

(iii) O problema do encaixamento

Baseando-se no princípio estruturalista de que uma mudança linguística só poderá ser compreendida se for considerada sua inserção no sistema linguístico que a afeta, o problema do encaixamento procura mostrar como se encaixa cada aspecto em mudança na língua como um todo, qual seria a natureza e a extensão desse encaixamento, como essa mudança se encaixaria na matriz linguística. Verifica-se, também, o encaixamento na matriz social e como o ambiente social influenciaria nessa mudança. Sendo assim, ocorre o problema do encaixamento, pois uma mudança pode acabar acarretando outra. O aporte sociolinguístico desmembra o problema do

encaixamento em duas partes que são complementares: o encaixamento na estrutura linguística e o encaixamento na estrutura social.

(a) Encaixamento na estrutura linguística

Baseia-se na correlação dos elementos que são estritamente estruturais. A língua apresenta “variáveis intrínsecas” ao sistema que demarcam as possibilidades de mudança. Ressalta-se que esse sistema, segundo a visão da Sociolinguística, é caracterizado por uma heterogeneidade ordenada. Sendo assim, a modificação de algo na estrutura linguística pode ocasionar mudança em outros planos gramaticais.

(b) Encaixamento na estrutura social

Admite-se que uma análise com abordagem fundamentalmente linguística não daria conta do processo da mudança. Sendo assim, acredita-se que a mudança linguística é motivada por variáveis linguísticas e também sociais, uma vez que a junção dessa variável oferece uma visão mais adequada para a variação e mudança linguística. A análise da alteração de algum componente linguístico dentro de uma comunidade linguística permite verificar o surgimento de uma possível mudança.

Verifica-se, assim, que a análise de fatores linguísticos e extralinguísticos pode colaborar para o esclarecimento do processo de mudança.

(iv) Problema da avaliação

Investiga o papel do falante frente à própria língua e frente à mudança. Questiona-se o princípio saussuriano – de que o indivíduo é um ser passivo, ou seja, aceita passivamente tudo o que lhe é exposto – e afirma-se que, além de o indivíduo ser um ser ativo, sua avaliação subjetiva pode mudar o andamento de uma mudança ou até fazer retroagir o possível processo de mudança. Dessa forma, investiga-se em que medida essa avaliação subjetiva pode influenciar o processo de mudança e como essas informações representacionais mudam sem comprometer o funcionamento da língua. Assim, o problema da avaliação verifica as reações conscientes e inconscientes do indivíduo em relação à mudança, observando se tal mudança é avaliada de forma positiva, negativa ou neutra pelos falantes. Segundo Weinreich, Herzog e Labov (1968 [2006]:124), “o nível de consciência social é uma propriedade importante da mudança linguística que tem de ser determinada diretamente”.

Metodologicamente, é possível observar a avaliação social a partir da realização de testes de atitudes. Na fase final da mudança, torna-se mais fácil verificar a norma conservadora – considerada como a de prestígio – e os estereótipos – forma que possui estigmatização pelo grupo que a censura. A principal questão do problema da avaliação é verificar como a avaliação subjetiva pode interferir na seleção de uma forma e, assim, dar continuidade ou conter o processo de mudança.

(v) Problema da implementação

Tal problema pretende responder à seguinte pergunta: “Por que uma dada mudança ocorreu em um momento e em um lugar determinados, e não em outro momento e/ou outro lugar?” (LUCCHESI, 2004:179). Busca-se, então, verificar o motivo que gerou uma mudança em um determinado momento e/ou lugar e não em outro. Ressalta-se que há dificuldades de se encontrar respostas seguras e confiáveis a respeito desse problema, uma vez que, em geral, há poucas fontes que confirmem as hipóteses inicialmente formuladas.

Vale destacar que todos os problemas supracitados não estão dissociados, mas inter-relacionados, fazendo com que se tenha uma visão mais integrada da mudança. Na presente pesquisa, dentre os problemas comentados, investiga-se, de forma especial, o problema da restrição, ou fatores condicionantes, que pretende verificar quais as condições que favorecem ou restringem a variação. Para tanto, utilizou-se o pacote de programas Goldvarb-X que é de suma importância, uma vez que mostra a produtividade do fenômeno no corpus estudado, além de definir as condições que favorecem ou restringem as variações e/ou mudanças. Dessa forma, no próximo capítulo, serão mostradas as variáveis linguísticas e extralinguísticas que possam favorecer ou restringir o uso de determinada variante.

No documento Universidade Federal do Rio de Janeiro (páginas 44-52)

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