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Após a apresentação e interpretação dos resultados da colocação dos pronomes oblíquos átonos nas lexias verbais simples e nos complexos verbais, acredita-se que o presente trabalho, depois de cumprir os objetivos propostos, tenha colaborado com a ampliação do conhecimento da Língua portuguesa, em especial no que se refere às variedades populares do Português Europeu. Sabe-se que há várias pesquisas sobre o tema (cf. capítulo 2), mas salienta-se o fato de o presente estudo, somando-se aos já existentes, ter oferecido, como contribuição, um panorama da cliticização pronominal na modalidade oral popular do PE, em contexto semiespontâneo, considerando lexias verbais simples e, em especial, complexos verbais. Ressalta-se o fato de o fenômeno no PE carecer de descrições variacionistas, o que ainda fica mais evidente no caso dos complexos verbais, pouco abordado na literatura em sociolinguística.

Para que o presente trabalho se concretizasse, foram de fundamental importância a revisão bibliográfica (capítulo 2) – com a qual se analisaram os principais trabalhos relativos ao tema – e a fundamentação teórica (capítulo 3) – em que se tomou por base o arcabouço teórico-metodológico da Sociolinguística Variacionista de orientação laboviana, além do tratamento da cliticização. Esses dois capítulos foram essenciais para a formulação de hipóteses e para a tomada de decisões, de modo a permitir que a metodologia (capítulo 4) utilizada no presente trabalho se delineasse.

A análise dos dados (capítulo 5) foi dividida em duas etapas. Primeiro, descreveram-se as ocorrências de clítico com apenas uma forma verbal (lexias verbais simples), considerando o total de 2.953 ocorrências. Logo após, houve o tratamento dos pronomes oblíquos átonos em 450 construções com mais de uma forma verbal (complexos verbais). Ressalta-se que, pelo fato de as formas do verbo principal (particípio, gerúndio e infinitivo) acarretarem concretizações diferentes da regra variável, a análise dos complexos verbais se realizou de acordo com a forma não finita encontrada nos complexos. Por fim – ainda no capítulo 5 –, fez-se um breve estudo dos dados de interpolação.

Em relação aos dados das lexias verbais simples (cf. sistematização no item 5.1.3), foram descritas e detalhadas as variáveis linguísticas selecionadas pelo programa Goldvarb-X: (i) elemento antecedente ao clítico, (ii) forma verbal, (iii) tipo de oração, (iv) distância entre o clítico e um elemento antecedente.

Dentre os elementos antecedentes ao clítico, as partículas de negação, as preposições para, de, por e sem, os elementos de foco, as estruturas clivadas e os elementos subordinativos – além dos pronomes, advérbios relativos e das palavras QU, que tiveram próclise categórica – constituíram os principais favorecedores da variante proclítica. Vale lembrar que, em início absoluto de oração e de período, não houve qualquer ocorrência com a variante pré-verbal, motivo pelo qual esses contextos foram separados dos contextos em que havia a presença de algum elemento antecedente.

Quanto à forma verbal, a próclise foi favorecida pelas formas do subjuntivo e do gerúndio antecedido de em. Com o indicativo e com o infinitivo, essa variante não foi favorecida. Ademais, não houve qualquer dado com ela no imperativo, nem no futuro do presente do indicativo.

No que concerne ao tipo de oração, constatou-se que as subordinadas reduzidas de infinitivo, as subordinadas desenvolvidas e as estruturas clivadas favoreceram a próclise, enquanto as coordenadas sindéticas e as “independentes” a desfavoreceram.

Por fim, com relação à distância entre o clítico e um elemento antecedente, verificou-se que há o favorecimento da variante proclítica apenas quando não há qualquer elemento interveniente. Quando há alguma sílaba entre os dois elementos, não ocorre o favorecimento anterior – o que não se dá de forma decrescente, como se esperava.

Vale ressaltar, dessa forma, que o condicionamento da ordem dos clíticos pronominais em lexias verbais simples no corpus analisado é eminentemente linguístico. Saliente-se que as variáveis extralinguísticas investigadas – sexo e localidade – não se mostraram relevantes ao fenômeno, já que não houve a seleção desses grupos de fatores pelo programa.

No que se refere aos complexos verbais (cf. sistematização no item 5.2.5), em função do pouco número de dados e por se ter privilegiado o fato de a alternância se dar de forma não binária, optou-se por interpretar os resultados percentuais das variáveis linguísticas investigadas, a saber: (i) elemento antecedente ao clítico; (ii) tipo de clítico; (iii) tipo de complexo verbal; (iv) presença/ausência de elementos intervenientes no complexo verbal; e (v) forma verbal auxiliar.

Dos 450 dados de clíticos em complexos verbais, 6 referem-se a estruturas com dois verbos auxiliares, que foram descritas separadamente, restando, assim, 444 ocorrências. Desses dados, a maior parte ocorre com a forma verbal principal no infinitivo (384 dados), seguida pelo gerúndio (51 dados) e pelo particípio (11 dados).

Considerando a totalidade das ocorrências, a variante mais produtiva no corpus foi a intra-CV, interpretada, nesta investigação, como ênclise ao verbo auxiliar, o que se fundamentou no fato de o clítico ficar adjacente a v1 em todos os casos sem condicionamentos específicos, a seguir descritos.

Em relação à forma do verbo principal, observou-se que, com o infinitivo e com o gerúndio, a ênclise ao verbo auxiliar também foi a mais realizada, comportamento que não foi observado nas estruturas com o particípio, em que a variante mais produzida foi a pré-CV. Quanto à variante v1 v2-cl, constatou-se que a forma do verbo principal é o grande inibidor dessa variante, uma vez que não se registrou a ênclise ao complexo com o verbo principal no particípio, e que, em apenas dois dados, essa variante ocorreu com o gerúndio, fato que se relacionou as motivações de natureza fonética – a associação do clítico o, a(s) a formas do verbo auxiliar ir não seria compatível com o padrão silábico produtivo em Português. Com o verbo principal no infinitivo, os dados distribuíram-se nas três variantes controladas, mostrando, assim, que a forma do verbo principal exerce forte influência na colocação dos pronomes oblíquos átonos em complexos verbais.

Destaca-se, ainda, que, diferentemente das lexias verbais simples, não houve a separação dos dados de início absoluto de oração e de período dos demais contextos por causa da pouca produtividade dos complexos verbais. De todo modo, cabe salientar que não houve a realização da variante cl v1 v2 nesses contextos, como se esperava, confirmando que a variedade europeia cumpre, de fato, o preceito de que pronomes átonos não podem figurar na primeira posição, tanto em lexias verbais simples, quanto nos complexos verbais.

No que tange aos dados com o verbo principal no particípio – quase todos com o auxiliar ter –, constatou-se que a variante mais utilizada foi a pré-CV, variante que, em todos os casos, contou com a presença de elementos “atratores”. Quando havia a ausência dessas estruturas, e em apenas um exemplo em que havia elemento proclisador, a posição intra-CV foi concretizada. De modo geral, pode-se ressaltar que o clítico sempre se encontra adjacente a v1 nos complexos verbais com particípio, antes ou depois dessa forma verbal consoante a atuação dos elementos proclisadores.

Os complexos com gerúndio – a maioria com o auxiliar ir – exibiram preferência pela variante intra-CV; a pré-CV foi concretizada, uma vez mais, mediante a presença de elemento proclisador, e a pós-CV foi realizada somente em dois dados (ambos com o clítico acusativo de 3ª pessoa o (s), a(s), o que pode estar relacionado a motivações fonéticas). Ressalta-se, aqui, que, apesar de raros, esses dados contrariam a

generalização proposta em Mateus et alii (2003), de que não se registraria essa variante nessa construção. Em linhas gerais, ressalta-se que, igualmente aos complexos participiais, os clíticos nos complexos com gerúndio se encontram, preferencialmente, ligados a v1.

Quanto aos complexos com infinitivo, vale ressaltar que a variante intra-CV, a mais produtiva em todo o corpus, também foi a mais registrada nessas construções, com os variados tipos de clíticos (excetuando-se o, a, que aparecem mais comumente na posição enclítica ao complexo) e de complexos. Sua concretização é ainda mais favorecida na ausência de elementos proclisadores, com as formas verbais no indicativo e no gerúndio, e na presença de elementos intervenientes, os quais desfavorecem a subida do clítico. A respeito desses elementos, o estudo permitiu aferir que a posição prototípica da variante intra-CV no PE é adjacente a v1, configurando um caso de ênclise ao verbo auxiliar, exceto nas construções com que/de intervenientes, em que o clítico aparece posposto a tais elementos (como em ter que se fazer, por exemplo)

Em relação à variante cl v1 v2, verificou-se que alguns dos elementos antecedentes ao clítico a favoreceram fortemente, como as preposições para e de, as estruturas clivadas, as partículas de negação e os elementos subordinativos. A variante pré-CV também foi a mais utilizada: (i) com formas clíticas contraídas; (ii) em complexos modais e bi-oracionais; (iii) em construções verbais sem elementos intervenientes; e (iv) com formas verbais auxiliares no subjuntivo. Dessa forma, mostra- se que o contexto morfossintático em que o clítico se insere é de extrema importância para a ordem dos clíticos pronominais no PE nas lexias verbais simples e nos complexos verbais.

Por fim, a ênclise ao complexo com infinitivo, pouco produtiva, parece ser a preferencial em estruturas com os pronomes o, a (s), conforme já se mencionou, e especialmente em construções com o verbo auxiliar infinitivo e com elementos discursivos ou focalizadores no contexto antecedente ao clítico. Desses fatores, o que parece ser determinante, de fato, é a forma pronominal acusativa em questão, que, possivelmente por sua débil natureza fonética, apresenta comportamento destoante de outras formas pronominais, conforme se desenvolveu na análise dos dados.

Feito o destaque aos principais resultados da investigação, pode-se constatar, a título de conclusão, algumas contribuições do presente estudo para a descrição da modalidade oral de variedades populares do Português Europeu, tendo em vista, em

especial, que se trata de um trabalho variacionista, com controle sociolinguístico, pouco verificado nos estudos da variedade europeia. Assim, com a presente dissertação, foi possível:

(i) demonstrar que o início absoluto de oração/período realmente impede a posição proclítica do clítico pronominal em lexias verbais simples e em complexos verbais, no caso do Português Europeu;

(ii) atestar a atuação expressiva dos elementos proclisadores na implementação da próclise, em lexias verbais simples, de forma ainda mais evidente, e em complexos verbais;

(iii) detalhar o efeito das formas proclisadoras em questão, não se restringindo a apenas apontar a categoria gramatical do suposto “atrator”, tendo em vista, por exemplo, que nem todos os advérbios e preposições se comportam como tal; (iv) verificar, ainda em relação aos elementos antecedentes ao clítico, que a próclise ocorre em contextos não contemplados na descrição do chamado português europeu padrão proposta em Mateus et alii, por exemplo, como diante do SN sujeito realizado pelo pronome nós;

(v) constatar que também os adultos não escolarizados ou com pouca instrução – e não só as crianças, apontadas em Mateus et alii (2003) – realizam a posição enclítica, considerada como o padrão básico, em contextos em que se encontram elementos antecedentes do tipo proclisador (embora esse efeito seja forte em Portugal);

(vi) demonstrar, quanto aos complexos verbais, que a variante intra-CV, a mais produtiva em todo o corpus, e também no caso dos complexos com gerúndio e com infinitivo, podendo ser considerada a posição prototípica, preterida apenas em contextos muito específicos;

(vii) confirmar, pelos motivos já expostos, ser a variante intra-CV enclítica a v1 a mais produtiva, exceção apenas verificada nas construções que/de;

(viii) atestar que a presença de elementos intervenientes faz diminuir a incidência de subida de clítico;

(ix) confirmar, ainda, quanto aos complexos verbais, que, com construções participiais, que exigem a adjacência do clítico a v1, não se dá a concretização da variante enclítica ao complexo, mas demonstrar que, com o gerúndio, essa posição não é inexistente no PE – dois dados de ênclise em complexos com

gerúndio impedem a generalização relativa à obrigatoriedade da subida de clítico nessa estrutura; e

(x) verificar, no que se refere à interpolação, a produtividade não só da partícula não, mas também de outros elementos, como alguns pronomes e advérbios, nessas estruturas, confirmando resultados de Magro (2007).

Acredita-se, por fim, que o presente trabalho tenha contribuído para o conhecimento da colocação dos clíticos pronominais na modalidade oral da língua Portuguesa na variedade europeia, além de ter colaborado para a ampliação dos estudos referentes ao tema, segundo a abordagem variacionista da Sociolinguística.

No documento Universidade Federal do Rio de Janeiro (páginas 158-164)

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