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Complexos com gerúndio

No documento Universidade Federal do Rio de Janeiro (páginas 118-124)

5. ANÁLISE DOS DADOS

5.2. Complexos Verbais

5.2.3. Complexos com gerúndio

O gráfico a seguir apresenta a distribuição dos 51 dados encontrados com a forma verbal principal do complexo no gerúndio:

Pode-se constatar que a variante menos produtiva nos complexos com gerúndio é a pós-CV (4%), com apenas 2 dados. Esse resultado não foi o esperado, pois a hipótese inicial era a de que não haveria qualquer ocorrência da variante v1 v2-cl com o gerúndio, tendo em vista a generalização proposta por Mateus et alii (2003:860):

Os complementos participiais e gerundivos de verbos auxiliares e os complementos infinitivos na construção de União de Orações representam os casos extremos de defectividade funcional, com

Subida de Clítico obrigatória para todos os pronomes clíticos.

(grifo nosso).

Antes de fazer a afirmação anterior, as autoras (MATEUS et alii, 2003:857-858) mostraram alguns exemplos com verbos no particípio e no gerúndio e ressaltaram que:

Os exemplos (43) ilustram casos de Subida de Clítico com verbos auxiliares que selecionam formas participiais e gerundivas. Nestes casos, como o contraste entre (43) e (49) mostra, não existe alternativa à Subida de Clítico, devendo o pronome clítico ocorrer obrigatoriamente proclítico ou enclítico ao verbo auxiliar.

(43) [...] O convite foi-lhe finalmente enviado. O João ia-se esquecendo do convite. O convite não lhe foi nunca enviado. O João não se ia esquecendo do convite. (49) [...] *O convite foi finalmente enviado-lhe.

*O João ia esquecendo-se do convite.

*O convite não ia se esquecendo / esquecendo-se do convite. Gráfico 9: Distribuição das variantes com o verbo

principal no gerúndio 82% 14% 4% Pré-CV Intra-CV Pós-CV

Enquanto os dados com verbos principais no particípio confirmam a proposta das autoras, como já se observou, os dados com verbos principais no gerúndio apresentam dois contraexemplos, quais sejam:

88) ● INQ1 E a gemida é a que entrou no coiso.

INF E gemida é ao consoante […] da parreira. Geme-se. A gente vai gemendo-

a assim com cuidado, com cuidado […] para não partir! [OUT-Austrino-H]

89) ● INQ Sevete? O sevete era o quê?

INF Era engatado no cabo de trás da sebe, aqui, no cabo de trás. A gente quando queria descarregar o estrume, ou o milho – milho em maçaroca –,

INQ Pois.

INF quando vinha das terras a gente tirava-o […] e ia puxando-o. Depois engatava […] o cabeçalho por meio […] da canga dos bois, e empilhava o carro e aquilo descarregava tudo duma vez. [CLH-Heraclides-H]

Vale ressaltar que, nos dois exemplos com a variante pós-CV, o tipo de complexo verbal é ir + infinitivo e não há qualquer elemento proclisador, casos equivalentes aos citados por Mateus et alii. A única diferença entre os dados do corpus e os exemplos citados pelas autoras diz respeito ao tipo de pronome: enquanto elas se valem da forma se argumental, os dados coletados apresentam os clíticos de terceira pessoa a e o. Por hipótese, o contexto morfossintático e o débil volume fonético dessas formas pronominais (constituídos de sílaba do tipo V – vogal) podem justificar a ocorrência da variante pós-CV na variedade europeia. Por um lado, a variante pré-CV fica desfavorecida pela falta de elemento proclisador; por outro lado, a variante intra- CV seria desfavorecida em termos fonéticos, visto que a junção do verbo ir no presente do indicativo (vai) e no pretérito imperfeito (ia) com as formas o, a geraria uma construção sonora que, embora possível, não poderia soar muito agradável ao informante (Ex.: Vai-a gemendo / ia-o puxando). Apesar de se tratar apenas de hipótese, registra-se, de todo modo, que não se verificou, no corpus, “Subida de Clítico obrigatória para todos os pronomes clíticos”, conforme propõem Mateus et alii (2003).

Em relação à variante pré-CV (14%), registraram-se apenas 7 ocorrências no corpus, registradas a seguir.

90) ● INF Em vendo o dum vizinho e vem pousar ao meu, não sei se ele é meu, se não é. Agora para ser justamente, se o venho acompanhando, quase dou por ele. [STA-Gotardo-H]

91) ● Alguns debulhavam […] na eira […] com o grão até à noite. E outros […] cada calcadouro que iam deitando, iam […] tirando o trigo para fora […] para o irem

para isso, ia-se lá amanhando como podia. Mas era melhor tirar porque [ele] debulhava mais depressa. [CRV-Feliciano-H]

92) ● Gosto de semear quase sempre é quando é vazante de lua. […] E depois semeio um bocadinho naquela altura, e dali […] a uns tempos semeio mais outra remessazinha, vou andando assim. Semeio ervilhas. Quando chega o tempo, que elas é preciso eu fincar-lhe lenha, para elas se atreparem, eu trago lenha, e aguço-a, e finco-a lá […] para as ervilhas se irem atrepando. [CLH-Heraclides-H]

93) ● INQ1 Com que é que empilhavam?

INF […] Chamava-se calcadoiro, quando era muito. Ele quando era muito, era mesmo com um rodo e os bois a puxar tudo para um monte. Uns a aguentar por baixo e os bois a puxarem, a fazer o monte. E depois acabava-se de ajuntar e depois com as forquilhas é que se ia limpando, com o vento. [STE-Idalécio-H]

94) ● Mas andei muito tempo cheia de fístulas, […] daquelas empolas, rebentou aquilo tudo, aquele pus. Depois foi então lá uma rapariguinha que chamam-na a Etelvina – que é solteirona, coitadinha –, e foi-me atalhar com o azeite e a folha da oliveira. E ela lá sabe aquelas coisinhas. Lá me foi abatendo, lá foi abatendo… [GRJ- Ercília-M]

95) ● INQ Já lá vai muitos anos, disso?

INF Ele há anos, há. Eu era bem novinha então. […] Mas agora é assim: em troca das achinhas e dos pauzinhos, há petróleo. Aquilo é um tal a dar! […] Vida como

se está bem levando agora, […] nunca passou por Santa Maria. [STE-Isaltina-M]

96) ● INF principalmente quando está muito calor. Eu sou mais sentido ao calor do que não ao frio. Tendo frio, trabalho, aqueço; e sendo muito calor, nem sequer a uma sombra, às vezes, estou bem.

INQ1 Claro.

INF E mesmo o médico diz que também […] que não trabalhe muito, principalmente.

INQ2 Pois.

INF E assim se vai andando durante o ano, umas coisas uma vez, outra outra, conforme as coisas vão aparecendo. [CLH-Heraclides-H]

Observa-se, em todos os exemplos, a presença de elemento que pode ser considerado proclisador no contexto anterior ao clítico, o que, consoante a tendência da variedade europeia, justifica a ocorrência da variante cl v1 v2. Nos exemplos em questão, registram-se os seguintes elementos que favoreceram a anteposição do clítico ao complexo: a conjunção se (no exemplo 90), a preposição para (no exemplo 91 e 92), a estrutura clivada é que (no exemplo 93), o advérbio lá (no exemplo 94), a conjunção como (no exemplo 95) e o advérbio assim (no exemplo 96).

No que tange à variante intra-CV, a mais utilizada com o verbo no gerúndio, verifica-se que sua concretização se dá em 82% dos dados, o que equivale a 42 ocorrências. Para efeito de ilustração, observem-se os exemplos abaixo:

97) ● INQ Mas a senhora diz 'blúsia'?

INF Pois, eu dizia… Agora já ninguém diz 'blúsia'. Ele disse, aquele dia: "uma 'blúsia'". E ela disse: "Anda cá. Então como é que se diz: é 'blúsia' ou é blusa"?

INQ Por falar em blusa, ainda bem que me fala nisso! INF Eu vou-lhe descobrindo tudo. [STA-Hortense-M]

98) ● INF2 "O senhor vai por a ribeira e leva logo nove gobos". Que era: três e três, seis, e três, nove. Cada dia três.

INF1 São umas pedrinhas que há assim lisinhas, chamamos-lhe nós gobos. É de andar na água, vão-se arrebolando, vão-se arrebolando, chamamos nós gobos.

INF2 [Aqueles gobos da ribeira]. Ainda lá andam alguns. Agora já lá está [fraco]. [GRJ-Ercília-M]

99) ● INF E faz-se uns bolinhos pequeninos, pequeninos, pequeninos, assim com farinha assim, assim aos bolinhos, aos bolinhos, e bota-se assim num pratinho.

Vai-se fazendo os bolinhos e botando assim num pratinho. Depois deita-se as couves

na panela com a água a ferver e ou põe manteiga ou toicinho, aquilo que se queira-se botar. E depois das couves estarem bem fervendo, põe-se então – então tem também um bocadinho de batata da terra, também. [STE-Isaltina-M]

Ressalta-se que, em quase todos os exemplos encontrados no corpus, não se verificou qualquer elemento do tipo proclisador, o que constitui contexto desfavorecedor da variante pré-CV. Tendo em vista que a variante pós-CV não é favorecida pela forma do verbo principal no gerúndio, a variante intra-CV figura como a estrutura prototípica, preferencial nesse contexto. O único contexto em que havia elemento antecedente ao clítico do tipo proclisador e em que se deu a colocação intra- CV está transcrito a seguir:

100) ● INF2 […] A estrela da manhã?

INF1 A estrela da manhã nem em todos os tempos dá, nem em todos os períodos. Agora dá. Mas nem em todos os períodos dá a estrela da manhã. É como o cajado e o sete-estrelas. Eu tinha marcado. Parece-me que era a vinte e dois de São João que aparecia o cajado. E tinha marcado o período do antigamente […]. Mas agora já vai-me esquecendo. Sabia quando nascia o cajado e sabia quando nascia…[ALV-Ápio-H]

Verifica-se que, mesmo com a presença do elemento “atrator” já, não houve a realização da colocação pré-CV, mas a v1-cl v2.

Ainda em relação à variante intra-CV, destaca-se que, mesmo com a presença de elementos intervenientes no complexo verbal, o clítico se encontra adjacente ao verbo auxiliar. Há apenas 5 dados em que há elementos intervenientes, que podem ser observados a seguir:

101) ● INF2 Eu parecia-me que ele que se escolhia que era antes de ir para o forno secar.

INF1 Não, mas também se escolhe antes de ir para o forno. Mas […] também estando muitos dias em casa, tem que escolher. E depois é então 'aventejado', joeirado e botado em bidões, e vai-se então tirando e fazendo, rodando ao moinho. [CLH- Idalina-M]

102) ● Alguns debulhavam […] na eira […] com o grão até à noite. E outros […] cada calcadouro que iam deitando, iam […] tirando o trigo para fora […] para o irem aventejando ao vento e ele estava aliviando sempre. Mas [ele] o que não tinha gente para isso, ia-se lá amanhando como podia. Mas era melhor tirar porque [ele] debulhava mais depressa. [CRV-Feliciano-H]

103) ● INQ Portanto, essa é a água da sopa, é a carne da sopa? INF A carne da sopa.

INQ Pois, pois.

INF É lavada duas vezes. E ao depois eu vou-me então deitando nas panelas. Quer dizer que vou distribuindo a carne por qualidade, botando peito e rabadilha, quer dizer, nas panelas todas, para uma não levar só peito, a outra não levar só rabadilha, a outra não levar só da parte da perna mais seca – não é? –,para ficar toda dividida por igual, para dar toda o mesmo paladar. [TRC-Brás-H]

104) ● INF1 Pronto, é porque ele já não tem força […] para coisar. A gente depois está dois dias […] ou três e deixa-o acalmar; a gente depois pega, mete-lhe a coisa para o tirar e depois corre lá por um tonel que tem, vai-o a gente tirando aos cântaros ou às latas, como a gente quiser, para as pipas. [OUT-Austrino-H]

105) ● INF E faz-se uns bolinhos pequeninos, pequeninos, pequeninos, assim com farinha assim, assim aos bolinhos, aos bolinhos, e bota-se assim num pratinho. Vai-se fazendo os bolinhos e botando assim num pratinho. Depois deita-se as couves na panela com a água a ferver e ou põe manteiga ou toicinho, aquilo que se queira-se botar. E depois das couves estarem bem fervendo, põe-se então – então tem também um bocadinho de batata da terra, também. Põe-se tudo a ferver. Depois está fervendo, vai-

se com aqueles bolinhos, botando assim… É costume botar primeiro um nada de

couves. [STE-Isaltina-M]

Salienta-se que, em todos os exemplos supracitados, com elementos intervenientes, o clítico se encontra no contexto anterior ao elemento interveniente, o que sinaliza que o padrão europeu de colocação dos pronomes é v1-cl v2, estando o clítico ligado ao verbo auxiliar.

Em relação aos tipos de complexos verbais utilizados com a forma no verbo principal no gerúndio, a maioria dos dados é composta pela estrutura ir + gerúndio (43 das 51 ocorrências) – como se pode observar nos exemplos 101, 102, 103, 104 e 105 citados anteriormente. Há apenas uma ocorrência com a forma vir + gerúndio, uma

com a forma ficar + gerúndio e seis ocorrências com estar + gerúndio. A título de exemplificação, verifiquem-se alguns desses tipos de complexos verbais:

106) ● INF Em vendo o dum vizinho e vem pousar ao meu, não sei se ele é meu, se não é. Agora para ser justamente, se o venho acompanhando, quase dou por ele. [STA-Gotardo-H] (Vir + gerúndio)

107) ● E eu fiquei cá os duzentos paus e digo assim:

"Aquela magana! Vai passear os parentes, não te conheço de lado nenhum"!… Você vai-me arrematando que eu levei-lhe muito e eu fico-a arrematando que devia-lhe ainda ter mamado mais cinquenta, e não coiso. E depois quando você desanda de lá, que vai para lá para os lados de Lisboa, vem outro para o lado do Algarve, papa esse que vai para o lado do Algarve. [ALJ-Herodiano-H] (Ficar + gerúndio)

108) ● INQ Não havia costume de fritar o peixe?… INF Não. O salgado, não senhor.

INQ Pois.

INF O salgado nunca se fritava.

INQ Hoje em dia já se, já se, já se frita o salgado?

INF Não, não, não. Só se outras pessoas! A gente aqui não. Eu estou-me

referindo a quase tudo em minha casa.

INQ Pois, pois. [CRV-Filomena-M] (Estar + gerúndio)

109) ● Mas essa da amora pica mais do […] que a que não dá amora. INQ Rhum-rhum. Olhe, e uma que sobe muito pelas paredes? Não há hera? INF Ele há heras, há. Estava-me lembrando mas eu pensei agora que era […] da espécie da silva com picos.

INQ Não. Não era essa. [CRV-Feliciano-H] (Estar + gerúndio)

Verifica-se que, nos exemplos anteriores, o primeiro e único exemplo com o complexo verbal vir + gerúndio ocorreu com a variante pré-CV, em contexto com proclisador; os demais exemplos ocorreram com a variante intra-CV.

Curiosamente, há seis ocorrências de complexos verbais do tipo estar + gerúndio, estrutura considerada como tipicamente brasileira. No Português Europeu, de acordo com a maioria das gramáticas, o mais comum é a estrutura estar + a + infinitivo. Segundo Cunha & Cintra (1985 [2007]:410):

A construção de estar (ou andar) + GERÚNDIO, preferida no Brasil, é a mais antiga no idioma e ainda tem vitalidade em dialetos centro- meridionais de Portugal (principalmente no Alentejo e no Algarve), nos Açores e nos países africanos de língua portuguesa.

No português padrão e nos dialetos setentrionais de Portugal predomina hoje a construção, de sentido idêntico, formada de estar (ou andar) + PREPOSIÇÃO a + INFINITIVO (...).

Analisando-se os seis dados em que ocorreu a estrutura estar + gerúndio, verificou-se que dois deles foram produzidos pela informante Isaltina, um pela informante Filomena e três pelo informante Feliciano. Verificando-se a proveniência desses informantes, constatou-se que os três são das ilhas açorianas de Portugal. Filomena e Feliciano pertencem à mesma região, Corvo (Horta), a região de número 33 do CORDIAL-SIN (cf. 4. Metodologia), e a informante Isaltina pertence à região do Santo Espírito (Ponta Delgada), de número 41. Desse modo, os poucos dados de estar + gerúndio confirmam a descrição proposta por Cunha & Cintra, de que essa construção tem vitalidade em alguns dialetos portugueses.

No documento Universidade Federal do Rio de Janeiro (páginas 118-124)

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