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3. A REGULAMENTAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO

3.2. LEI DE PLANEJAMENTO FAMILIAR- LEI Nº 9.263 DE 1996

3.2.1 Cobertura do tratamento de reprodução assistida pelos planos de saúde

Ainda no que diz respeito ao direito ao acesso às técnicas de reprodução, têm-se as questões que envolvem os planos de saúde e custeamento dos métodos. O assunto sobre a dificuldade para regulamentar as situações que ocorrem diariamente nos tribunais é uma questão tão urgente que se fez necessário que os Tribunais Superiores se posicionassem conforme as demandas foram chegando. A exemplo, a técnica mais simples e mais usada para reprodução assistida é a inseminação artificial, mas como falta lei que diga suas diretrizes, carece de um posicionamento acerca dos direitos de quem quiser realizar o procedimento dos custos, se deverá ser abrangido ou não pelos Planos de Saúde.

Entretanto, a lei que regula o funcionamento dos Planos de Saúde, Lei nº 9.656 de 1998, prevê que os planos não serão obrigados a custear os procedimentos para a inseminação artificial, artigo 10, inciso III. Porém, recentemente, foi incluída nessa mesma Lei, o artigo 35 – C, inciso III, que estabeleceu a obrigação dos planos no

61 Belo Horizonte (MG) – Hosp. das Clinicas da UFMG, Brasília (DF) – Hosp. Materno Inf. de Brasília (HMIB), Goiânia (GO) – Hospital de Clínicas,Natal (RN) – Mat. Escola Januário Cicco;Porto Alegre (RS) – Hosp. N. Senhora. da Conceição – Fêmina;Porto Alegre (RS) – Hosp. das Clínicas;Recife (PE) – Instit. De Med. Int. Prof. Fernando Figueira – IMIP;Rio de janeiro (RJ) – Instituto de Ginecologia da UFRJ; São Paulo (SP) – Hosp. das Clínicas São Paulo São Paulo (SP) – Cent. de Ref. da Saúde da Mulher São Paulo – Pérola Byington São Paulo (SP) – Hosp. das Clínicas FAEPA Ribeirão Preto São Paulo (SP) – UNIFESP São Paulo (SP) – Faculdade de Medicina do ABC.

custeamento do planejamento familiar.63 Pela interpretação dos dois artigos em questão, à primeira vista parece ter ocorrido uma contrariedade dos artigos.

No entanto, foi dada uma interpretação do artigo 10, inciso III, c/c com artigo 35-C, inciso III, no qual entende que o plano não deve ser responsável pelos custos do tratamento, mas que devem prestar o serviço para diagnósticos clínicos que sejam possíveis de detectar a infertilidade, realizar exames que auxiliam na descoberta do melhor procedimento, entre outros. Tal esclarecimentos foi possível porque foi editada uma Resolução nº338/2013, artigo 7º estabelecendo o que se entende como planejamento familiar para os custos do plano de saúde:

Art. 7º As ações de planejamento familiar de que trata o inciso III do artigo 35-C da Lei nº 9.656, de 1998, devem envolver as atividades de educação, aconselhamento e atendimento clínico previstas nos Anexos desta Resolução, observando-se as seguintes definições:

I- Planejamento familiar: conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal;

II- Concepção: fusão de um espermatozoide com um óvulo, resultando na formação de um zigoto;

III- anticoncepção: prevenção da concepção por bloqueio temporário ou permanente da fertilidade;

IV- atividades educacionais: são aquelas executadas por profissional de saúde habilitado mediante a utilização de linguagem acessível, simples e precisa, com o objetivo de oferecer aos beneficiários os conhecimentos necessários para a escolha e posterior utilização do método mais adequado e propiciar a reflexão sobre temas relacionados à concepção e à anticoncepção, inclusive à sexualidade, podendo ser realizadas em grupo ou individualmente e permitindo a troca de informações e experiências baseadas na vivência de cada indivíduo do grupo;

V - Aconselhamento: processo de escuta ativa que pressupõe a identificação e acolhimento das demandas do indivíduo ou casal relacionados às questões de planejamento familiar, prevenção das Doenças Sexualmente Transmissíveis/Síndrome da Imuno deficiência Adquirida - DST/AIDS e outras patologias que possam interferir na concepção/parto; e

VI - Atendimento clínico: realizado após as atividades educativas, incluindo anamnese, exame físico geral e ginecológico para subsidiar a escolha e prescrição do método mais adequado para concepção ou anticoncepção.64

63 BRASÍLIA. Lei nº 9.656, de 3 jun. 1998. Ementa: Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9656.htm>. Acesso em 26 de fev. 2020.

64 BRASI. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa nº 338, de 21 out. 2013.

Ementa: Atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que constitui a referência básica para cobertura assistencial mínima nos planos privados de assistência à saúde, contratados a partir de 1º de janeiro de 1999Diário Oficial da União: 22 out. 2013. Disponível em: <http://www.in.gov.br/materi a//asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/31080465/do1-2013-10-22-resolucao-normativa-rn-n-338-de-21-de-outubro-de-201331080461> Acesso em 26 fev. 2020.

Com a edição dessa Resolução, foi moderado o entendimento amplo que se dava a cobertura dos planos em tratamentos de fertilização. Aliado a essa restrição de interpretação, foi aprovado o Enunciado 20, da I Jornada de Direito de Saúde do Conselho Nacional de Justiça, no qual traz que “A inseminação artificial e a fertilização in vitro não são procedimentos de cobertura obrigatória pelas operadoras de planos de saúde, salvo por expressa previsão contratual”.65

Em consonância com as interpretações dadas ao artigo 35 – C, III, da Lei 9.656/1998, o Superior Tribunal de Justiça fundamentou um Recurso Especial que chegou até o Tribunal no sentido de dar provimento ao pedido de reforma contra o acórdão que estabelecia a obrigação de fazer pelos planos de saúde. No Resp. nº 1.692.179- SP, a Terceira Turma, de forma unânime, deu provimento ao pedido do requerente HB Saúde S/A em que pedia a improcedência do pedido dos autores, com a seguinte ementa:

RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. TRATAMENTO DE FERTILIZAÇÃO IN VITRO COMO FORMA DE ALCANÇAR A GRAVIDEZ. DISCUSSÃO ACERCA DO ALCANCE

DO TERMO PLANEJAMENTO FAMILIAR, INSERIDO NO INCISO III

DO ART. 35-C DA LEI N. 9.656/1998 COMO HIPÓTESE DE COBERTURA OBRIGATÓRIA. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E TELEOLÓGICA DO DISPOSITIVO. FINALIDADE DA NORMA EM GARANTIR O MÍNIMO NECESSÁRIO AOS SEGURADOS EM RELAÇÃO A PROCEDIMENTOS DE PLANEJAMENTO FAMILIAR, OS QUAIS ESTÃO LISTADOS EM RESOLUÇÕES DA ANS, QUE REGULAMENTARAM O ARTIGO EM COMENTO. MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO PLANO E DA PRÓPRIA HIGIDEZ DO SISTEMA DE SUPLEMENTAÇÃO PRIVADA DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. RECURSO PROVIDO.

3. A interpretação sistemática e teleológica do art. 35-C, inciso III, da Lei n. 9.656/1998, somado à necessidade de se buscar sempre a exegese que garanta o equilíbrio econômico-financeiro do sistema de suplementação privada de assistência à saúde, impõe a conclusão no sentido de que os casos de atendimento de planejamento familiar que possuem cobertura obrigatória, nos termos do referido dispositivo legal, são aqueles disciplinados nas respectivas resoluções da ANS, não podendo as operadoras de plano de saúde serem obrigadas ao custeio de todo e qualquer procedimento correlato, salvo se estiver previsto contratualmente. 4. Com efeito, admitir uma interpretação tão abrangente acerca do alcance do termo planejamento familiar, compreendendo-se todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos como hipóteses de cobertura obrigatória, acarretaria, inevitavelmente, negativa repercussão no equilíbrio econômico-financeiro do plano, prejudicando todos os segurados e a própria higidez do sistema de suplementação privada de assistência à saúde. 5. Por essas razões, considerando que o tratamento de fertilização in vitro não possui cobertura

65Enunciados da I, II e III Jornadas e Direito da Saúde: enunciados aprovados. Conselho Nacional de Justiça. Enunciado nº20. Brasília, 25 maio 2014. Disponível em: <https://bd.tjmg.jus.br/jspui/bitstream/ tjmg/9560/1/ENUCIADOS%20APROVADOS%20E%20CONSOLIDADOS%20III%20JORNADA%20 DA%20SA%C3%9ADE.%20%C3%9ALTIMA%20VERS%C3%83O.pdf>. Acesso em 11 jul. 2020.

obrigatória, tampouco, na hipótese dos autos, está previsto contratualmente, é de rigor o restabelecimento da sentença de improcedência do pedido. 6. Recurso especial provido.66

Não obstante, em acórdão recente do Resp. nº 1.815.796 - RJ, interposto pelo plano de saúde, a Terceira Turma do STJ julgou que um plano de saúde deveria custear a criopreservação de óvulos de pacientes até o fim do tratamento de quimioterapia. O Ministro Relator Paulo de Tarso Sanseverino fundamentou que a criopreservação não está dentre os procedimentos de reprodução assistida que não são cobertos pelos planos, mas que tal mecanismo, no caso concreto específico, está dentro da cobertura obrigatória uma vez que faz parte do planejamento familiar, prevista na própria Lei dos Planos de Saúde.

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CPC/2015. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO PARA CÂNCER DE MAMA RECIDIVO. PROGNÓSTICO DE FALÊNCIA OVARIANA COMO SEQUELA DA QUIMIOTERAPIA. PLEITO DE CRIOPRESERVAÇÃO DOS ÓVULOS. EXCLUSÃO DE COBERTURA. RESOLUÇÃO NORMATIVA ANS 387/2016. NECESSIDADE DE MINIMIZAÇÃO DOS EFEITOS COLATERAIS DO TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO. PRINCÍPIO MÉDICO "PRIMUM, NON NOCERE". OBRIGAÇÃO DE COBERTURA DO PROCEDIMENTO ATÉ À ALTA DA QUIMIOTERAPIA NOS TERMOS DO VOTO DA MIN.a NANCY ANDRIGHI. [...] 5. Manutenção da condenação da operadora à cobertura de parte do procedimento pleiteado, como medida de prevenção para a possível infertilidade da paciente, cabendo à beneficiária arcar com os eventuais custos do procedimento a partir da alta do tratamento quimioterápico, nos termos do voto da Min.a NANCY ANDRIGHI. 6. Distinção entre o caso dos autos, em que a paciente é fértil e busca a criopreservação como forma de prevenir a

infertilidade, daqueloutros em que a paciente já é infértil, e pleiteia a criopreservação como meio para a reprodução assistida, casos para os quais não há obrigatoriedade de cobertura. 7. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

[...]

Deveras, o objetivo de todo tratamento médico, além de curar a doença, é não causar mal, "primum, non nocere" (primeiro, não prejudicar), conforme enuncia um dos princípios milenares da medicina.

À luz desse princípio, e diante da particularidade do caso concreto, deve ser fixada uma exegese do referido art. 35-F da Lei 9.656/1998 no sentido de que a obrigatoriedade de cobertura do tratamento quimioterápico abrange também a prevenção de seus efeitos colaterais, dentre os quais a já mencionada falência ovariana, que é a hipótese dos autos.67

66 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.692.179- SP, Processo Eletrônico. RECORRENTE: HB Saúde S/A; RECORRIDO: Ana Carla Sanchez Zanin; Rodrigo Zanin. RELATOR: Ministro Marco Aurélio Bellizze. Brasília, 05 dez. 2017, Diário Oficial Eletrônico em 15 dez. 2017. Lex: jurisprudência STJ. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/532988949/recursoespeci al-resp-1692179-sp-2017-0203592-6/inteiro-teor-532988964>. Acesso em 26 fev. 2020.

67 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma. Recurso Especial nº 1.815.796 – RJ, 20 de maio de 2020, Diário da Justiça Eletrônico: 09 de junho de 2020. Recorrente: Banco Bradesco S/A. Recorrido: Simone Fabris Brito. Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Lex: jurisprudência STJ. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=10844 4743&num_registro=201901504401&data=20200609&tipo=91&formato=PDF>. Acesso em 29 jul. 2020.

Com esse julgado, foi possível reafirmar que a criopreservação está fora do rol dos procedimentos, mas que é um instrumento que torna viável a fertilização tardia ou após os tratamentos químicos. Para tanto, a decisão do magistrado de sentenciar o plano de saúde, para que custeasse o congelamento, está diretamente conectado com direito constitucional de planejamento familiar, conjuntamente com a interpretação dada ao artigo 35 – C, inciso III, da Lei dos Planos de Saúde, visto que é um procedimento clínico para que a interessada não perdesse a capacidade de ser mãe e que, portanto, é de obrigação do plano custear a manutenção dos óvulos congelados.