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4. ASPECTOS BIOJURÍDICOS DA CESSÃO TEMPORÁRIA DE ÚTERO

4.3. A QUESTÃO DA FILIAÇÃO

Segundo Maria Helena Diniz (2010) a filiação pode ser conceituada como:

[...] Vínculo existente entre pais e filhos, vem ser relação de parentesco consanguíneo em linha reta de primeiro grau entre uma pessoa e aqueles que lhe deram a vida, podendo, ainda, ser uma relação socioafetiva entre pai adotivo e institucional e filho adotado ou advindo de inseminação artificial heteróloga.152

Pelo parágrafo anterior, é possível perceber que o conceito atual compreende a novas perspectivas de que todos os filhos são iguais perante à lei e à sociedade, uma vez que os direitos constitucionais e civis dão o mesmo tratamento aos filhos nascidos durante o matrimônio, fora dele, com laços sanguíneos ou não.

No antigo Código Civil de 1916, havia a distinção dos filhos legítimos e dos não legítimos, fazendo-se a discriminação entre os ilegítimos como naturais e espúrios – esses não poderiam ser sujeitos de reconhecimento de filiação, uma vez que previa o referido código que “art. 358. Os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser reconhecidos”153 – tal diferenciação implicava em uma série de direitos que uns teriam, enquanto outros não seriam contemplados.154 Como forma exemplificativa, a respeito da sucessão de herança, os dispositivos de que tratam do assunto, trazia que os filhos legítimos se equiparavam aos legitimados, ou seja, esses são os reconhecidos como filho. No entanto, havia desigualdade nos quinhões que herdaria em razão de sua procedência.

151 TRIBST. Fernanda. As novas entidades familiares. In Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), artigos, em 28 out. 2010. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/artigos/691/As+nova s>. Acesso em 20 maio 2020.

152 DINIZ. Maria Helena. Do direito parental. In Curso de Direito Civil Brasileiro, 5: Direito de Família, 25ª ed., 2010. p. 454.

153 BRASIL. Lei nº 3.071de 1º de janeiro de 1916 (REVOGADO). Ementa: Instituiu o Código Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071.htm>. Acesso em 06 jun. 2020.

154ZENI Bruna Schlindwein. A evolução histórico-legal da filiação no Brasil. In Direito em Debate, ano XVII, nº 31, jan.-jun. 2009. p.59-80.

Art. 1.605. Para os efeitos da sucessão, aos filhos legítimos se equiparam os legitimados, os naturais reconhecidos e os adotivos.

§ 1º Havendo filho legítimo, ou legitimado, só a metade do que a este couber em herança terá direito o filho natural reconhecido na constância do casamento (art. 358).

Como se pode ver, além da exclusão dos filhos que não poderiam ser reconhecidos, também havia diferença de tratamento dependendo do momento em que fossem reconhecidos. Isso quer dizer que, se os filhos fossem reconhecidos na constância do casamento com filhos legítimos, teriam direito apenas metade do quinhão que o filho legítimo do progenitor teria, porém, se o reconhecimento fosse dado antes do casamento, tanto filho legítimo quanto legitimado teriam quinhões iguais na sucessão.155

Para mais, havia distinção, ainda, com os filhos adotados na questão da sucessão, pois era previsto que: “art. 1.605. § 2º Ao filho adotivo, se concorrer com legítimos, supervenientes à adoção (art. 368), tocará somente metade da herança cabível a cada um destes.”156 Ou seja, novamente distinguia-se aqueles ditos legítimos consanguíneos e na constância do casamento, daqueles que tinha o vínculo afetivo. Ademais, também estabelecia que a relação de parentesco se dava apenas entre o adotante e o adotado, não se estendendo a outras pessoas, com exceção para as questões relativas aos impedimentos matrimoniais.

Todavia, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, houve a expressa vedação da distinção entre os filhos. Foi estabelecido pelo artigo 227, §6º que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”157 Dessa forma, as regras previstas pelo Código Civil de 1916 que eram contrárias ao estabelecido pela Carta Magna foram revogadas.

Além disso, não havia regras prevista sobre filhos havidos por técnicas de reprodução assistida, visto que ao tempo da Lei em questão, não havia o desenvolvimento da bioengenharia nessas questões. Não se tinha previsão, porque não era uma realidade da sociedade brasileira, não havia demandas porque ainda não era possível a transmissão de gametas de um terceiro ao corpo daquela que queria gestar ou cessão do útero para que uma mulher pudesse engravidar com o embrião in vitro de um casal.

155 ZENI Bruna Schlindwein. op. cit.

156BRASIL. Lei nº 3.071de 1º de janeiro de 1916 (REVOGADO). op. cit.

Somente depois do nascimento do primeiro bebê de reprodução assistida no Brasil, em 1984, é que se pode formalizar os debates jurídicos, uma vez que a partir desse marco poderia questionar-se os desdobramentos que viriam com o avanço da bioengenharia. O avanço da tecnologia permitiu que aqueles que não pudessem ter filhos de formas naturais, conseguissem se reproduzir com a ajuda de laboratórios. Diante desse cenário, o mundo jurídico, embora de forma mais lenta do que o avanço na ciência e das demandas da sociedade, iniciou a alteração de códigos que não previam a paternidade de filhos nascidos com o auxílio das técnicas reprodutivas.

Dessa forma, o Código Civil de 2002, está em acordo com o que a Constituição Federal do Brasil de 1988 em relação à filiação igualitária, assim como previu também a questão dos filhos tidos por meio da assistência das técnicas de reprodução assistida, como já comentada anteriormente no trabalho. No entanto, com relação a filiação dos que nascem por meio de cessão temporária de útero, não há uma previsão expressa, sendo, portanto, matéria obscura, sendo apenas orientado pela Resolução 2.168/2017, o qual estabelece que os filhos serão daqueles que idealizaram o projeto de fertilização.

Todavia, o tema não é de entendimento pacífico, eis que poderá surgir tanto uma disputa pelo reconhecimento da criança pelas mulheres, a gestante, a “encomendante” e, até mesmo, pela doadora do gameta, quanto ao abandono do infante, ou seja, a negação a sua maternidade ou paternidade. Essas demandas, ao chegarem ao judiciário, podem fazer contrárias decisões a depender da compreensão do magistrado sobre o assunto. Outro ponto de divergência é com relação aos contratos que há entre os idealizadores do projeto e a mulher que gestará, se terá validade ou não, como discutido anteriormente. Bem como a adversidade existente entre o documento de nascido-vivo e a certidão de nascimento, que torna o registro da criança mais demorado.

A cessão temporária de útero é realizada, em regra, através da fertilização in vitro do embrião formado pelos gametas do casal que deseja ter o filho no útero da mulher que cederá temporariamente o espaço para o desenvolvimento do feto. Ocorre que nem sempre o material genético é o do casal ou da pessoa que deseja ter o filho, podendo recorrer aos bancos em que doadores dispuseram os materiais. Isso quer dizer que a criança pode ter como pais biológicos os idealizadores, pode ter só um dos pais como biológico e o outro por doação desse material, assim como também pode não ter nenhum vínculo genético com os idealizadores, sendo em um embrião formado por gametas doados por anônimos.

Diante dessa situação, surgem diferentes posicionamentos acerca de como se comprova a maternidade. Maria Helena Machado diz que o parto prova a maternidade, assim como a gestação.158 Já para Sílvio Venosa, a maternidade é daquela que “teve o óvulo fecundado, não se admitindo outra solução, uma vez que o estado de família é irrenunciável e não admite transação” 159; para o autor, a criança nascida teria duas mães: a de sangue e a cessionária.160 Entretanto, com os avanços da medicina, a estrutura familiar não é apenas aquela formada por filhos nascidos biologicamente. Por isso, Claudia Aparecida Costa Lopes e Valéria Silva Galdino Cardin defendem que já não é mais possível se basear nesse entendimento: “ocorreu, então, a necessidade do esvaziamento do princípio do parto, bem como da herança genética, como definidores da maternidade e a imperiosa adoção de um critério mais adequado à realidade trazida pelas inovações”.161 É possível perceber que a temática gera discordância entre os próprios operadores do direito, pois se filiam às teorias que mais chegam perto do que entendem ser o ideal e justo para o bem estar dos envolvidos

Algumas decisões recentes têm dado direito aos pais biológicos de registrarem a criança no lugar daquela que foi cedente, uma vez que há o vínculo sanguíneo, provando dessa forma serem os pais “verdadeiros”. Em uma Suscitação de Dúvidas Inversas, 2014, a juíza Aline Beatriz de Oliveira Lacerda fundamentou que o registro deveria ser feito em nome dos pais, já que obedeceram aos requisitos estabelecidos pela Resolução do CFM e que não havia dúvidas quanto a filiação.

[..]

Note-se que o caso dos autos atende à norma regulamentadora, não havendo, portanto, óbice legal ao acolhimento do pedido, eis que os dois primeiros requerentes comprovam a legalidade do procedimento, por meio de vasta documentação, e o termo de ciência de todas as pessoas envolvidas, declaração de consentimento para fertilização in vitro, assinado pelo casal e pela doadora do útero, a irmã da primeira requerente, a confirmação de alta e de entrega do recém-nascido à mãe biológica.

Assim, com base na documentação apresentada, há que se concluir que não existe motivo para negar o pedido dos pais biológicos para registrar o recém-nascido.162

158 MACHADO, Maria Helena. Reprodução Humana Assistida: aspectos éticos e jurídicos. 1ª.ed. (2003), 7ª reimpressão. Curitiba: Juruá, 2012. p. 101.

159 VENOSA, Sílvio de Salvo. op. cit. p. 248.

160 Ibidem. p. 248.

161LOPES, Claudia Aparecida Costa; CARDIN, Valéria Silva Galdino. op. cit. p. 113.

162 MATO GROSSO DO SUL. Vara da Fazenda Pública e Registro Públicos, Três Lagoas, 18 dez. 2014. Juíza de Direito: Aline Beatriz de Oliveira Lacerda. Lex: jurisprudência Vara da Fazenda Pública e Registro Público. Disponível em: <http://tmp.mpce.mp.br/orgaos/CAOCC/dirFamila/eventos/11-MINICURSO.Sen tenca-TJMS-Registro.Gestacao.por.Substituicao.pdf>. Acesso em 06 jun. 2020.

No mesmo sentido da decisão acima da Juíza, a Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo preferiu decisão no parecer sobre o Recurso de Apelação interposto pelo Ministério Público de São Paulo contra a decisão do Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Barão de Geral, sobre a filiação de uma criança nascida por cessão temporária de útero e com material genético dos idealizadores. Traz o documento:

REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS - ASSENTO DE NASCIMENTO - FILHA GERADA MEDIANTE FERTILIZAÇÃO IN

VITRO E POSTERIOR INSEMINAÇÃO, ARTIFICIAL, COM

IMPLANTAÇÃO DO EMBRIÃO EM MULHER DISTINTA DAQUELA QUE FORNECEU O MATERIAL GENÉTICO - PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE PELOS FORNECEDORES DOS MATERIAIS GENÉTICOS (ÓVULO E ESPERMATOZÓIDE) - CEDENTE DO ÓVULO IMPOSSIBILITADA DE GESTAR, EM RAZÃO DE ALTERAÇÕES ANATÔMICAS - "CEDENTE DO ÚTERO", POR SUA VEZ, QUE O FEZ COM A EXCLUSIVA FINALIDADE DE PERMITIR O DESENVOLVIMENTO DO EMBRIÃO E O POSTERIOR NASCIMENTO DA CRIANÇA, SEM INTENÇÃO DE ASSUMIR A MATERNIDADE - CONFIRMAÇÃO, PELO MÉDICO RESPONSÁVEL, DA ORIGEM DOS MATERIAIS GENÉTICOS E, PORTANTO, DA PATERNIDADE BIOLÓGICA EM FAVOR DOS RECORRIDOS - INDICAÇÃO DA PRESENÇA DOS REQUISITOS PREVISTOS NA RE SOLUÇÃO Nº 1.358888/1992 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, EM RAZÃO DAS DECLARAÇÕES APRESENTADAS

PELOS INTERESSADOS ANTES DA FERTILIZAÇÃO E

INSEMINAÇÃO ARTIFICIAIS - ASSENTO DE NASCIMENTO JÁ LAVRADO, POR DETERMINAÇÃO DO MM. JUIZ CORREGEDOR

PERMANENTE, COM CONSIGNAÇÃO DA PATERNIDADE

RECONHECIDA EM FAVOR DOS GENITORES BIOLÓGICOS - RECURSO NÃO PROVIDO.

Assim porque as declarações apresentadas por Hélio Ferreira da Cunha Júnior, Sandra Regina Locatelli (pais biológicos) e Mônica Emi Tsuruda (indicada como genitora na Declaração de Nascido Vivo), são concludentes no sentido de que a concepção e paternidade sempre foi desejada pelos pais biológicos, doadores dos materiais genéticos utilizados na fertilização in vitro, prestando-se Mônica somente a servir para a gestação e parto, sem qualquer intenção de assumir a maternidade da criança, o que fez porque Sandra Regina Locatelli não tem possibilidade de gestar em decorrência de alterações anatômicas (fls. 05).

[...]

Negada a intenção de assumir a maternidade por aquela que suportou a gestação e parto, porque somente o fez com a premeditada intenção de servir de "mãe-de-gestação" para a filha concebida pelos doadores dos materiais genéticos (espermatozoide e óvulo), torna-se evidente que a lavratura do registro em desconformidade com a verdade biológica será prejudicial à criança que nenhum sustento e educação receberá dessa genitora.

[...]

Prevalecendo a verdade biológica, terá a criança estado compatível com sua

condição socioafetiva, pois serão presumidos genitores

(artigo 1.604 do Código Civil) aqueles que manifestaram, desde a concepção, a posteriormente concretizada intenção de tê-la como filha,

assumindo, desse modo, a responsabilidade por todos os devedores inerentes ao poder familiar, em especial os de sustento e educação.163

Percebe-se que tanto o julgado, quanto o parecer visam ao melhor interesse da criança e à dignidade da pessoa humana, isto é, a decisão sobre quem deverá registrar recai sobre aqueles que, além do vínculo biológico, também estarão envolvidos afetivamente pela sua criação e bem estar. Negar a filiação nesses casos implicaria em dar a maternidade a quem não desejava podendo ferir a autonomia e o planejamento familiar. Claramente, situação diversa seria se o conflito envolvesse a manifestação de vontade da cedente de útero, pois além da questão da prova do parto, também teria o argumento de querer criar o filho nascido. Nesse caso, a decisão do magistrado se torna complexa, visto que haveria disputa envolvendo o laço sanguíneo dos pais biológicos e o também afetivo, não só pelos pais idealizadores, como também pela mulher que gestou a criança. Porém, não foi possível obter jurisprudências sobre esse dilema e nem em circunstâncias em que não havia vínculo biológico com ambos os idealizadores em casos concretos.

Diante disso, na tentativa de minimizar os conflitos relativos a essa questão e a burocracia de passar pelo judiciário para requerer a autorização de registro de filiação, foi emitido pelo Conselho Nacional de Justiça o Provimento nº 63/2017, que instituiu “sobre o registro de nascimento e emissão da respectiva certidão dos filhos havidos por reprodução assistida”. Em uma seção própria, determina que o assento de nascimento dos filhos nascidos através da utilização da reprodução assistida deverá, independentemente de autorização judicial, ser inscrito no Livro. O ato normativo também prevê as seguintes instruções:

Art. 16. § 2º No caso de filhos de casais homoafetivos, o assento de nascimento deverá ser adequado para que constem os nomes dos ascendentes, sem referência a distinção quanto à ascendência paterna ou materna.

Art. 17. Será indispensável, para fins de registro e de emissão da certidão de nascimento, a apresentação dos seguintes documentos:

I – Declaração de nascido vivo (DNV);

II – Declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico da clínica, centro ou serviço de reprodução humana em que foi realizada a reprodução assistida, indicando que a criança foi gerada por reprodução assistida heteróloga, assim como o nome dos beneficiários;

163 SÃO PAULO. Corregedoria Geral de Justiça. Parecer nº 82/2010, 10 mar. 2010. Processo nº 2009/104323. Juiz Auxiliar da Corregedoria: José Marcelo Tossi Silva. Lex: jurisprudência Corregedoria Geral de Justiça. Disponível em: <https://arpen-sp.jusbrasil.com.br/noticias/2199440/cgj-sp-proferedecisa o-sobre-reproducao-assistida-processo-n-2009-104323?ref=topic_feed>. Acesso em 06 jun. 2020.

III – certidão de casamento, certidão de conversão de união estável em casamento, escritura pública de união estável ou sentença em que foi reconhecida a união estável do casal.

§ 1º Na hipótese de gestação por substituição, não constará do registro o nome da parturiente, informado na declaração de nascido vivo, devendo ser apresentado termo de compromisso firmado pela doadora temporária do útero, esclarecendo a questão da filiação.164

Percebe-se pela leitura do provimento que a Resolução 2.168/2017 estabelece os requisitos a serem cumpridos pelas partes de forma que possam comprovar no momento do registro da criança todo o procedimento. Isto quer dizer que o termo de compromisso assinado entre as partes e a clínica será utilizado como meio de prova, revestindo de segurança jurídica o ato, uma vez que feita em laboratório especializado e seguindo as condições impostas pela CFM, a filiação tende a seguir um caminho descomplicado, ainda que passe por etapas de comprovação do procedimento.

Como estabelecido pelo art. 17, §1º do Provimento, a certidão de nascimento não constará o nome da parturiente, mesmo que a declaração de nascido-vivo esteja em nome dessa. No entanto, poderá ocorrer problemas com o Cartório, visto que, normalmente, coloca-se o nome de quem deu à luz no outro documento. Para que esse motivo não seja um empecilho ao registro, o Provimento também determina que é vedado aos oficiais registradores a recusa, sem justo motivo, da emissão de certidão. Caso haja a negação, deverá o juiz competente ser avisado para que possa tomar medidas cabíveis. Além disso, ordena que os documentos previstos no artigo 17 fiquem arquivados onde ocorreu o registro do ofício.165

À vista disso, pela necessidade de dispor de termos de compromisso para justificar questões relativas à filiação e registro, pode-se imaginar na legalidade do contrato oneroso de cessão útero, pois uma vez estabelecido a parentalidade, surgem as obrigações dessa relação, portanto, caberia aos interessado as despesas necessárias à mulher gestante enquanto durar essa circunstância, tal como um pagamento de alimentos gravídicos, após o período gestacional, a obrigação com a gestante estaria resolvido e chegaria ao fim o pagamento dessa pensão.

164BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Provimento nº 63 de 14 nov. 2017. Ementa: Institui modelos únicos de certidão de nascimento, de casamento e de óbito, a serem adotadas pelos ofícios de registro civil das pessoas naturais, e dispõe sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e maternidade socioafetiva no Livro “A” e sobre o registro de nascimento e emissão da respectiva certidão dos filhos havidos por reprodução assistida. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2525>. Acesso em 06 jun. 2020.

No instrumento haveria, para a sua formação, a obediência à função social do contrato, a autonomia da vontade das partes – ainda que limitada, visto que o tema não dispõe de total vontade das partes, pois devem ser observados as diretrizes determinadas pela Constituição Federal de 1988, além de leis que regulam a matéria do direito de família – o princípio do consensualismo, no qual as partes deve estar de acordo com os termos e o motivo do contrato, e do princípio da boa-fé, esse deve ser um pilar desde as intenções da parte até o momento da cumprimento do contrato, entendida por Carlos Roberto Gonçalves a boa-fé objetiva como “está fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e na consideração para com os interesses do outro contraente, especialmente no sentido de não lhe sonegar informações relevantes a respeito do objeto e conteúdo do negócio”166.

Dessa forma, o negócio jurídico seria realizado por partes capazes de expressar as próprias vontades, um objeto lícito, porque deverá ser considerado como o motivo do contrato a utilização da cessão temporária de útero e não o embrião que será carregado, afastando o argumento de que a vida não pode ser objeto contratual. Além disso, teria o objetivo de ser cumprido, não podendo as partes desistir do contrato depois de implantado o embrião no útero, sendo possível que o desistente responda por danos causados.

Mesmo com a incidência de Provimento, Resoluções e Jurisprudências no sentido de tentar elucidar os problemas relativos à cessão temporária de útero, nota-se que a ausência de lei específica deixa lacunas não só na questão procedimental da reprodução humana nessa modalidade, mas também em seus desdobramentos em relação aos direitos civis, como a questão da filiação, que não poderá ser considerada somente por laços biológicos, mas também por vínculo de afetividade, como é o mais atual o reconhecimento de parentalidade. Igualmente há de ser incluído aqui a multiparentalidade, que no direito de família atual tem se firmado e poderá ser uma resposta aos conflitos que surgem no âmbito do útero do temporário.

Por fim, as medidas analisadas e realizadas por diversos setores tem como objetivo atender o melhor interesse da criança, com a defesa de seus direitos, para que o princípio da dignidade humana, protegido constitucionalmente, seja respeitado e possa o infante ter uma vida digna, cercado de afeto, acesso à educação e que, especialmente, tenha pais que o queira e se comportem desde o início com a intenção de criá-lo. Por isso, é acertada as resoluções, provimentos e pareceres que visam a reconhecer os direitos de