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4. ASPECTOS BIOJURÍDICOS DA CESSÃO TEMPORÁRIA DE ÚTERO

4.2. USUÁRIOS DA TÉCNICA: SOLTEIROS E CASAIS HOMOAFETIVOS

Ao longo dos anos, com a ampliação e solidificação dos direitos aos casais homossexuais à aspectos da vida civil, novos rumos foram tomados pelas instituições para concretizar o acesso deles nas diversas áreas da vida social, embora ainda há muito o que fazer para garantir uma vida mais segura e confortável, pequenos passos estão sendo dados para que os reconheça como titulares de direitos na construção de uma família. Diante disso, o Supremo Tribunal Federal (STF), coerentemente com as demandas

145 BRASIL. Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Disponível em: <https://www.camara.l eg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=D79B16672977A9A5D892B07F551E7CB9.propo sicoesWebExterno1?codteor=1371345&filename=Tramitacao-PL+1184/2003>. Acesso em 16 maio 2020.

146MACEDO, Idhelene. Opiniões Divergentes dominam debates sobre reprodução assistida. In Agência Câmara de Notícias, 28 ago. 2014. Disponível em: < https://www.camara.leg.br/noticias/467848opinioes-divergentes-dominam-debates-sobre-reproducao-assistida/> Acesso em 16 maio 2020.

solicitadas pela sociedade brasileira, julgou em 2011 a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277 e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132, na qual obteve por unanimidade o reconhecimento da união estável homossexual, conforme interpretação dada à Constituição Federal.147

Frente a essas mudanças de entendimentos, houve a necessidade da ampliação do rol usuários das técnicas, pois no passado era mais restrito às mulheres e casais heterossexuais. Com essa alteração, os casais de mesmo sexo também foram contemplados com a utilização das técnicas de reprodução. Essa permissão se deu pela primeira vez na Resolução de 2.013/2013. No entanto, antes mesmo da expressa previsão pela Resolução, havia decisões favoráveis nos Conselhos Regionais de Medicina à cessão temporária de útero em casais homossexuais. Em parecer de consulta nº 8-2012, do CREMEGO, o conselheiro autorizou o procedimento de fertilização de um casal de mulheres que solicitava que os óvulos de uma fosse fertilizados com gametas masculinos de doador e implantado no útero de outra, mas, se mesmo assim não for possível por motivos de útero inabitável, poderiam recorrer à cessão temporária de útero.

Numa última hipótese, caso nenhuma das consulentes disponha de óvulos ou útero em condições de gestar, ou alguma doença clínica que as impeçam de desenvolver gravidez sem risco de vida, poderão ainda lançar mão de técnica de reprodução assistida em útero de substituição, respeitadas as orientações da Resolução CFM, salvaguardada a condição de não modificação de características biológicas das pretendentes.148

O acesso à técnica permitiu que casais do sexo masculino tivessem a liberdade de escolha pelo procedimento, visto que em casais de sexo feminino a cessão temporária de útero já era permitido, uma vez que, se apresentassem problemas clínicos que impedisse a reprodução, poderiam recorrer à uma mulher que cedesse o útero, ao contrário dos homens, que não poderiam dispor desse mecanismo.149 Diante disso, a inclusão de casais homossexuais na Resolução contemplou o princípio constitucional de igualdade.

147 NOTÍCIAS STF. Supremo reconhece união homoafetiva. 05 de maio de 2011. Disponível em: <http ://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931>. Acesso em 20 maio de 2020.

148 GOIÁS. Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás. Parecer Consulta nº8-2012, 26 nov. 2011. Solicitantes: M.A.G; T.C.A.P. Conselheiro: Dr. Aldair Novato Silva. Ementa:” Todas as pessoas capazes perante a lei podem solicitar procedimento de reprodução assistida, desde que a indicação não se afaste dos limites determinados pela Resolução CFM 1957/2010, e que os participantes estejam esclarecidos e de acordo com a legislação vigente.” Disponível em: <https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/pareceres/ GO/2012/8_2012.pdf>. Acesso em 20 maio 2020.

Além disso, na Resolução nº 2.168/2017, também foram incluídas, no título de cessão temporária de útero, as pessoas solteiras, tanto homens quanto mulheres. Embora o acesso às técnicas fosse permitido de maneira geral, havia dúvidas quanto à utilização dessa modalidade específica para homens solteiros, visto que não se encaixavam no perfil descrito aos usuários da técnica, pois não poderiam apresentar problemas relacionados a “um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética”, como disposto na Resolução. Por não terem parceiras, a reprodução ficava complicada, ferindo a autonomia de se planejar uma entidade familiar, a liberdade de escolha. Diante dessa expansão, o médico Paulo Gallo, vice presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, expressou a importância da alteração:

Antes da resolução, não estava claro que homens solteiros poderiam ter uma produção independente. Para mulheres solteiras capazes de engravidar era simples: elas recebiam espermatozoides de um doador e realizavam a fertilização. Mas para homens sem companheira que querem ter filhos é necessária uma barriga solidária. Agora a resolução deixa claro que isso é permitido: eles podem pegar óvulos de uma doadora e utilizar o útero de uma “barriga solidária”.150

Portanto, o acesso à cessão temporária de útero é mais amplo para as pessoas, com inclusão de uma parte da sociedade que havia demandas a serem consideradas. Apesar do acesso depender do cumprimento dos requisitos estabelecidos pela Resolução, tal alteração salvaguarda os direitos do indivíduo de ter família e da autodeterminação para a faculdade de exercer ou não esse direito.

Ademais, na atualidade não se pode mais dizer em um tipo de família, hoje há diversos tipos de entidades familiares, sendo necessária a atualização dos diplomais legais e documentos regulatórios, como explica a jurista Fernanda Tribst.

[...]

O casamento, a união estável formada por um homem e uma mulher e a família monoparental, são apenas exemplos de tantas outras entidades familiares que hoje se fazem presentes em nosso cotidiano.

Não há quem duvide que as famílias anaparentais e as recompostassejam merecedoras de proteção pelo Direito, apesar de não estarem presentes expressamente no art. 226 da Constituição Federal de 1988. Nesse novo

150 PAINS, Clarissa; GAMBA, Karla. Especialista comemoram novas regras para a reprodução assistida. In O Globo, sociedade, saúde, 10 nov. 2017. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/saude /especialistas-comemoram-novas-regras-para-reproducao-assistida-no-brasil-22052114#newsletterLink>. Acesso em: 20 maio 2020.

contexto, aparecem as famílias formadas por companheiros do mesmo sexo, a chamada relação homoafetiva.151

A mudança de perspectiva sobre o conceito de família foi essencial para as famílias compostas de diversas formas, ainda que hoje estejam lutando por mais direitos. O acesso à cessão temporária de útero faz parte desse avanço de compreensão familiar atual e a Resolução 2.168/2017 foi coerente em esclarecer a questão dos usuários.