• Nenhum resultado encontrado

4 COMO O CORPO PODE PERGUNTAR EM FORMA DE IMAGEM?

4.1 A DANÇA EM PINA BAUSCH

4.1.3 Cocriações entre Dança e Relações

As compreensões de dança constituídas com os entendimentos articulados pelos educandos, conforme exposto no capítulo 3, são vinculadas com esta que aqui, agora vem sendo descrita. Quando, em seu processo criativo, os educandos relacionam fatos históricos, conteúdos aprendidos em sala de aula, o balé “O Lago dos Cisnes”, acontecimentos sociais, gostos e trejeitos pessoais, estilos de dança que apreciam, pode-se dizer que esses são alguns dos elementos que compõem o seu mundo, o seu rol de experiências e relações no e com o mundo. A dança que eles criaram é também uma forma deles pensarem o seu mundo. Sua coreografia, “A Lagoa das Patas”, é um modo de configurarem o que pensam sobre aquilo que os cerca e com o qual se relacionam, transformando e sendo transformados.

Nesse trânsito entre processo pedagógico e processo artístico, nas relações criadas pela investigação entre o procedimento criativo de Pina Bausch e a experiência artístico-pedagógica, se pode notar certas particularidades do processo de criação em dança dessa coreógrafa que corroboram para os entrecruzamentos pedagógico-criativos aqui engendrados.

O caráter social daquilo que coreografa, o fato de reunir diferentes nacionalidades nos seus elencos, sempre formados pelos mais diversos tipos de bailarinos, tudo isso aponta na direção de uma dança de compromisso multidisciplinar. (KATZ, 1997, p. 01).

O envolvimento com as questões humanas, o caráter dialógico do processo criativo, a composição multicultural do elenco, são alguns dos elementos que podem contribuir para se pensar o “compromisso multidisciplinar” da dança de Pina Bausch trazido para a ação pedagógica em questão. Uma dança que possibilita extensões, derivações, relações, entrecruzamentos e reflexões para a dança enquanto área de conhecimento, para o ensino de dança e para a educação em geral, nos modos como esta vê e trata o corpo. Algumas das possíveis relações que esta pesquisa constrói é a vinculação entre criação, pedagogia, dança e filosofia por meio da pergunta, nas quais, a dança, ao invés de ser somente um conteúdo transmitido/recebido, é entendida como uma construção, uma forma de questionamento, um modo de organizar ideias em termos de movimento, acerca e por meio das relações que o corpo estabelece com o mundo.

“Porque não há dança a não ser no corpo que dança” (KATZ, 2005, p. 140). Com as relações vividas no mundo o corpo configura a dança. Nem só fora, nem só dentro, na relação corpo e ambiente a dança é articulada, se dando a ver no corpo que dança. Com Katz (2005) se questiona o entendimento de que a dança é uma linguagem humana universal e que desde sempre nós humanos dançamos. A dança não está dentro de nós esperando que um eu interior puro, não contaminado pelo ambiente, liberte-a.

Muitos representam a dança como a expressão de um eu interior. Outros, como ligação com o sagrado. Dança como aquilo que dá forma ao invisível. No entanto, ela também poderia ser tomada como um modelo para o entendimento dos acontecimentos do mundo. Por se constituir como uma evidenciação do trânsito entre o biológico e o cultural, modeliza as questões permanentes ao homem, da evolução à tecnologia, dos sistemas auto-organizados à temporalidade. Afinal, exatamente porque os cérebros inovam tanto, é que o comportamento inventa primeiro e a anatomia muda depois. Onde mais senão na dança isso se explicita no próprio modo de fazer? (KATZ, 2005, 168).

“Não existe dança que não seja construída” (KATZ, 2005, p. 138). Por ser um construto do/no corpo, a dança não pode se dar de forma pré-existente. Nesse sentido, a autora possibilita entender a dança como forma de conhecimento do mundo, como modelo para entender os acontecimentos do mundo. Pelo fato de sua constituição transitar entre natureza e cultura, tendo o corpo como autor e contexto, corpo modelador e modelado pelo movimento, a dança é um construto, por meio do qual, as relações no mundo e com o mundo podem ser compreendidas. Tanto em sua estrutura biológica-cultural, a dança pode ser um modelo para o conhecimento do mundo, como, nos procedimentos artístico-criativos que a engendram, ela pode se configurar como uma forma de pensar acerca do mundo.

O conhecimento pertence ao futuro e a dança pode ser lida como um horizonte: aquilo que arruma e desarruma a cartilha para poder ocorrer. Acontece por um formidável acordo bio-físico-químico (o corpo), a mais rica interseção da natureza com a cultura que a evolução produziu. O corpo como o ambiente onde a dança se instala como fenômeno multidimensional [...]. Conjunção do físico com o biológico, com o químico, o elétrico, o cerebral, o energético, com o psicológico, o individual, o transpessoal, o coletivo, com o mental, o social, o cultural. (KATZ, 2005, p. 100).

O corpo mobiliza uma articulação complexa que possibilita o aparecimento da dança. Essa complexidade não é visível enquanto o corpo dança. Nesse sentido, Katz (2005) propõe: “Olhar a dança como um resultado sempre transitório entre as condições neuroniais do movimento e a sua correspondência muscular” (p. 31). O que se vê enquanto o corpo dança é a correspondência muscular do movimento que é indissociável das condições neuroniais. “A dança como um lugar onde tudo se move tão rapidamente que, num primeiro olhar, só conseguimos nos dar conta dos seus efeitos, não da sua consistência” (p. 27). O que se vê, a imagem dança, são os efeitos de um movimento complexo atrelado à estrutura perceptiva – neural – cerebral do corpo. Desse modo, a dança não pode ser tomada somente pela sua aparência, pois é um movimento complexo, organizado, ao mesmo tempo, por articulações internas e externas do corpo, como o pensamento. E essas articulações do corpo, estão atreladas às condições ambientais, culturais e sociais.

Imagem 16 – Espetáculo "Café Müller" (1978) de Pina Bausch.

Foto de Paulo Pimenta (2008)

<http://valkirio.blogspot.com/2009/07/pina-bausch-ii.html>. Acesso em: 05 jul. 2011.

Aquilo que se dá a ver na dança, como pode sugerir a imagem 16, é o fim do trajeto percorrido entre os procedimentos neuroniais e sua correspondência muscular. Todo o processo que fez surgir a dança, embora não esteja separado do que se vê, não aparece. Como a imagem pode sugerir de que se trata de um corpo pensando? De que maneira se pode perceber ressonâncias entre dançar e pensar? A imagem sugere possibilidades de ver as nuances de movimento e corpo se moldando. A leveza com que o corpo se mostra entregue em movimento sugere conhecimento do modo como esse movimento se organiza. O corpo parece experienciar algo que não tem receios de mostrar.

4.1.4 Dançar é Pensar

O entendimento aqui articulado, da dança como um modo de pensar o mundo e as relações, não se dá como simples aproximação analógica entre dançar e pensar. Mas, como uma vinculação complexa que compreende a dança enquanto estruturada por inúmeros atravessamentos neuronais, físicos, químicos, cerebrais, culturais... A ponto de entendê-la como semelhante a um pensamento.